Dois bolsonaristas condenados por tentativa de ataque à bomba em Brasília depuseram na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos, na última quinta-feira (29/6). Mas o que mais chamou a atenção dos deputados veio dos bastidores da oitiva. Alan Diego dos Santos e George Washington de Oliveira Sousa não tinham apresentado advogados até a véspera do depoimento, mas um grupo de defensores apareceu em cima da hora e alegou que atuaria “de graça” para os dois.
Os deputados distritais que compõem a CPI dos atos golpistas na Câmara Legislativa estranharam o movimento. Os parlamentares prometeram investigar quem financiou essa defesa, além de tentar entender o motivo dos temores em torno do que ambos poderiam revelar. As suspeitas sobre esse movimento dos advogados ficaram ainda maiores após ficar claro uma série de interferências durante a sessão.
Cutucadas
Conforme Alan Diego falava, por exemplo, ele era cutucado pelo advogado, de forma discreta, para que controlasse as declarações. O depoente está preso e foi condenado a 5 anos e 4 meses por ter colocado uma bomba em um caminhão-tanque próximo ao Aeroporto de Brasília, em 24 de dezembro de 2022. Aos deputados ele afirmou estar sendo ameaçado por pessoas da “extrema direita”, mas que poderia provar que é inocente.
Questionado sobre quem estaria ameaçando sua integridade física e sua família, Alan não respondeu, mas disse que falaria se dessem a ele algumas garantias. Nesse momento, Roan Jonathan Barbosa Araújo, que se apresentou como advogado do depoente minutos antes do início da sessão, deu um toque no braço do cliente e tentou interromper a fala.
Até Alan precisou pedir para ele não interferir: “Deixa só eu explicar uma parte aqui. Só um minutinho. Só um minutinho”, repetiu. O fato irritou o presidente da CPI, Chico Vigilante (PT).
“Doutor, deixa o homem falar! Outros advogados já estiveram aqui, inclusive acompanhando generais, advogados renomados, e não tiveram o comportamento que o senhor está tendo. Portanto, se comporte e deixe o homem falar! O senhor chegou aqui, eu diria até, como um impostor nessa CPI”, esbravejou.
Alan e Ruan também tiveram uma conversa fora dos microfones que acabou vazando na transmissão. No diálogo, o depoente diz: “Eu sei, por isso eu não quero falar”. O que ele não quis dizer, para preservar outras pessoas ou a si mesmo, pode ser dito em uma sessão secreta da CPI, que Chico Vigilante vai convocar para questionar novamente, sem as câmeras, quem estaria ameaçando o bolsonarista preso.
“Foi doado”
O condenado ouvido pelos deputados sequer sabia o sobrenome do advogado antes da sessão. Ao longo da Comissão, outra advogada surgiu: Thaísa França de Melo. Quando perguntado sobre quem estaria pagando pelo serviço, Alan deu duas respostas distintas em sequência: “Não sei. Foi doado por eles mesmo”. Ele ainda debochou quando o presidente lembrou que o depoente não tinha advogado e, de repente, surgiram dois. “São quatro”, rebateu o bolsonarista, sorrindo.
Além de Roan e Thaísa, Osmar Borges de Melo, Jéssica Rocha Carlos e Larissa Claudia Lopes de Araújo integraram a defesa dos depoentes condenados pela tentativa de atentado à bomba. O grupo fez visitas aos presos pelo 8 de Janeiro e esteve conversando com vários apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), assumindo a defesa de alguns deles.
A defensora de George Washington de Oliveira Sousa também chamou a atenção aparecendo após 1h40 de depoimento. O deputado Max Maciel (PSol), que teve de interromper as perguntas que fazia, comentou: “Hoje apareceram coisas engraçadas nesta CPI. Quem não tinha advogado teve quatro, cinco”.
George Washington recorreu ao direito de ficar calado durante quase toda a sessão. Com o silêncio, os deputados distritais tiveram que ler a íntegra do depoimento dele à Polícia Civil do DF para trazer a versão sobre os ataques. Na ocasião, ele tinha admitido que os manifestantes acampados em frente ao Quartel-General do Exército acreditavam que a explosão da bomba atrairia a atenção de Bolsonaro “para invocar o art. 142 e fazer a intervenção”.
A reportagem procurou Thaísa França, advogada que Alan apontou como representante. Na noite de domingo (2/7), ela atendeu a ligação, mas, quando questionada sobre quem teria pago o serviço de defesa dos clientes, pediu para ligar novamente duas horas depois. Desde então, Thaísa não retornou as tentativas de contato da reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.