O lugar mais perigoso do mundo? Conheça a região que concentra metade das mortes por terrorismo

O Exército de Mali está lutando para combater os insurgentes islâmicos no Sahel
por BBC
A região do Sahel, na África, é o “epicentro do terrorismo global” — e agora, pela primeira vez, é responsável por “mais da metade de todas as mortes relacionadas ao terror”, de acordo com o Índice de Terrorismo Global (GTI, na sigla em inglês).
O Sahel está localizado logo ao sul do Deserto do Saara, em uma faixa que atravessa o continente africano de leste a oeste e inclui partes de 10 países, conforme definição do GTI: Burkina Faso, Mali, Níger, Camarões, Guiné, Gâmbia, Senegal, Nigéria, Chade e Mauritânia.
O novo relatório do GTI aponta que, em 2024, “51% de todas as mortes relacionadas ao terrorismo” ocorreram nessa área — ou seja, 3.885 de um total de 7.555 a nível mundial.
O relatório acrescenta que, embora o total global tenha diminuído após atingir um pico de 11 mil mortes em 2015, o número de mortes no Sahel aumentou quase dez vezes desde 2019, à medida que grupos extremistas e insurgentes “continuam a voltar seu foco” para a região.
O índice é publicado pelo Instituto para Economia e Paz, um think tank dedicado a pesquisar a paz e conflitos globais. O instituto define terrorismo como a “ameaça ou uso real de força e violência ilegais por um ator não estatal para atingir um objetivo político, econômico, religioso ou social por meio do medo, da coerção ou da intimidação”.

O Sahel possui algumas das taxas de natalidade mais altas do mundo, e quase dois terços da população que vive nessa região têm menos de 25 anos.
Diferentemente do Ocidente, onde o “terrorismo de lobos solitários está em ascensão”, ela tem testemunhado a rápida expansão de grupos militantes jihadistas, de acordo com o relatório.
O texto afirma que a maioria dos ataques foi realizada por dois grupos: a organização afiliada do grupo autodenominado Estado Islâmico no Sahel e o Jama’at Nusrat al-Islam wal Muslimeen (JNIM, que significa Grupo de Apoio ao Islã e aos Mulçumanos), um braço da al-Qaeda.
“Eles estão tentando introduzir novas ordens jurídicas”, explica Niagalé Bagayoko, presidente da organização African Security Sector Network. “Eles estão tentando fazer justiça, em particular, com base na sharia (lei islâmica).”
Nesse processo, segundo ela, “estão competindo uns com os outros” por terras e influência.
A organização afiliada do Estado Islâmico no Sahel supostamente dobrou a quantidade de território que controla no Mali desde os golpes de Estado no país em 2020 e 2021 — sobretudo no leste, perto das fronteiras com Burkina Faso e Níger —, enquanto o JNIM também continuou a expandir seu alcance, de acordo com um painel de especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) no Mali.
O relatório do GTI observa que ambos os grupos recrutaram mais combatentes, inclusive crianças-soldados, no caso do Estado Islâmico.
“Em alguns casos, as pessoas tendem a estar em uma situação em que não têm muita escolha quando decidem se juntar a um grupo militante”, diz Beverly Ochieng, analista de segurança especializada em África francófona da Control Risks, uma consultoria de risco geopolítico. “Essas comunidades são muito vulneráveis.”
O relatório do GTI explica como a instabilidade política e a governança frágil estão criando as condições ideais para o crescimento de grupos insurgentes, citando o conflito como “o principal motor do terrorismo”.
O Sahel é muitas vezes chamado de “cinturão do golpe” da África. Desde 2020, houve seis golpes bem-sucedidos na região: dois no Mali, dois em Burkina Faso, um na Guiné e um no Níger. Estes países agora são todos governados por juntas militares.
“O Sahel sofreu um colapso da sociedade estatal”, diz Folahanmi Aina, cientista político especializado na região da Universidade Soas, em Londres.
“Isso se deve a anos de negligência por parte dos líderes políticos que não priorizaram necessariamente um governo centrado nas pessoas, e os ressentimentos locais se agravaram, resultando em grupos terroristas tentando se aproveitar disso.”

Havia a percepção de que os governos civis eram incapazes de combater as ameaças à segurança dos grupos insurgentes, “mas, apesar de essas juntas terem assumido o poder, elas não melhoraram necessariamente a percepção localmente e, na verdade, a insegurança piorou”, diz Aina. “As juntas são profissionalmente despreparadas para as exigências da governança.”
Em 2024, Burkina Faso “continuou sendo o país mais afetado pelo terrorismo pelo segundo ano consecutivo”, de acordo com o GTI. Nos 14 anos desde o início do relatório, este é o único país no topo da lista que não é o Iraque ou o Afeganistão.
Os grupos jihadistas sustentam suas operações no Sahel com uma série de atividades econômicas ilícitas, incluindo sequestros com pedido de pagamento de resgate e roubo de gado, de acordo com o relatório do GTI.
O Sahel também se tornou uma rota importante para os traficantes de drogas que transportam cocaína da América do Sul para a Europa, e o relatório observa que “o tráfico de drogas representa uma das atividades ilícitas financeiramente mais lucrativas ligadas ao terrorismo no Sahel”.
O texto ressalta, no entanto, que alguns grupos evitam se envolver diretamente com o crime organizado, preferindo “ganhar dinheiro impondo taxas ou fornecendo segurança e proteção em troca de pagamento”.
“Esse modelo não apenas gera receita, como também ajuda esses grupos a se integrarem às comunidades locais, fortalecendo sua influência”, acrescenta o relatório.
Os grupos insurgentes também disputam o controle dos ricos recursos naturais do Sahel. O Níger é o sétimo maior produtor mundial de urânio, e as minas de ouro artesanais não regulamentadas encontradas em toda a região são frequentemente aproveitadas por grupos como a organização afilada do Estado Islâmico no Sahel e o JNIM.

Após a recente onda de golpes de Estado, os governos do Sahel se afastaram dos aliados ocidentais, como a França e os EUA, e se voltaram para a China e a Rússia em busca de apoio para combater os militantes.
“No momento, estamos vendo que a Rússia está assumindo um controle mais assertivo sobre os paramilitares russos na região, conhecidos como Africa Corps [antigo Grupo Wagner]”, diz Ochieng. “O trabalho deles consiste em treinar e apoiar os exércitos locais para que sejam capazes de combater a insurgência na região, mas até agora não tem sido eficaz.”
Como resultado, o relatório do GTI adverte que agora há um risco de alastramento do chamado “epicentro do terrorismo” para os países vizinhos. Na verdade, o relatório diz que isso já pode estar acontecendo — o Togo registrou 10 ataques e 52 mortes em 2024, o maior número desde o início do índice. Estes ataques se concentraram em grande parte ao longo da fronteira do país com Burkina Faso.
Ochieng concorda com esta avaliação, dizendo que “a expansão de grupos militantes da região em países como Benin, Togo ou outros Estados costeiros da África Ocidental parece ser iminente”.