Opinião: Janja já se tornou santa antes mesmo de Lula assumir

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Janja. Foto: Reprodução

Por Mario Sabino

A jornalista Eliane Cantanhêde, da GloboNews, foi admoestada no ar por um colega de emissora, porque disse o óbvio: Janja, mulher do presidente eleito Lula, está aparecendo demais onde não deve. Ninguém elegeu Janja para nada e, portanto, a sua presença constante em reuniões e eventos políticos é indevida.

Não é machismo, ao contrário do que quis fazer crer o colega de Eliane Cantanhêde, propiciando que a jornalista fosse avacalhada por petistas nas redes sociais e em blogs da linha auxiliar do partido na imprensa. Pense se fosse o contrário: uma mulher que, eleita presidente da República, levasse a tiracolo o seu marido para o trabalho e ele vivesse dando palpites nas decisões dela e nas do seu partido. Caso existisse tal situação, provavelmente hoje os que babam por Janja criticariam a submissão da hipotética presidente eleita e a intromissão do seu marido — que, em algum momento, seria acusado de ser machista.

Queiram ou não os lulistas, a menos que consiga um emprego de verdade, Janja é primeira-dama e será tratada como tal. Não é cargo formal, mas é assim que é chamada a mulher do presidente da República. Como Dilma Rousseff só tinha ex-marido, ficamos sem saber como seria chamada a sua cara-metade, se ela existisse.

Esse negócio de primeira-dama nasceu nos Estados Unidos, como atavismo monárquico de uma jovem república que se libertara do império britânico. Como se presidente tivesse que ter consorte da mesma forma que um rei. Na Europa, a invenção não colou. Na França, que derrubou a monarquia para instalar uma espécie de presidência monárquica, Emmanuel Macron resolveu clarificar qual seria o papel da sua mulher, Brigitte, no Palácio do Eliseu, por meio de um documento no qual assegura que ela não é remunerada, não dispõe de gabinete próprio e que seus dois funcionários são da cota do chefe de Estado. Mas, no duro mesmo, primeira-dama colou foi na América Latina, onde tudo cola, menos o bom senso.

Janja vai comandar a organização da cerimônia de posse de Lula, dará entrevista hoje ao Fantástico e foi chamada pela revista argentina Notícias de “Guardiã de Lula” e “Evita brasileira”, em referência à mulher do líder populista que assombrará para sempre o país vizinho, Juan Perón. Nos Estados Unidos, Evita deu em musical; na Argentina, deu em Cristina Kirchner, que pulou da primeira-damice para a presidência do país, sucedendo o amantíssimo Néstor. Pois é.

Evita comparou o marido a Deus, que retribuiu chamando-a de “Santa Evita”. Na hagiologia lulista, a julgar pelas reações à fala de Eliane Cantanhêde, Janja já se tornou santa antes mesmo de Lula assumir a Presidência, e ai de quem a critique: a Inquisição não perdoa e condena à fogueira.

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