Pilotos do avião da Voepass viram problema no sistema antigelo no início do voo e relataram ‘bastante gelo’ antes da queda, diz Cenipa
O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), vinculado à Força Aérea Brasileira (FAB), disse na sexta-feira (6/9) que os pilotos do avião da Voepass que caiu em Vinhedo (SP) no mês passado comentaram problema no sistema antigelo logo no início do voo.
O Cenipa divulgou um relatório preliminar sobre os motivos da queda do avião, que deixou 62 vítimas.
“O que temos até o momento é que houve uma fala extraída por meio do cockpit que um dos tripulantes indicava que havia uma falha no sistema de De-Icing [antigelo0. Isso todavia não foi confirmado do sistema de dados (FDR)”, afirmou o Brigadeiro do Ar Marcelo Moreno, chefe da Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos.
O tenente-coronel Paulo Mendes Fróes, também do Cenipa, apontou o mesmo:
“Os tripulantes comentam sobre falhas no sistema de boot das asas (os que quebram o gelo)”, afirmou o tenente-coronel.
“Na primeira vez, durante a subida, temos o comandante, o piloto em comando, comentando através do CDR [sistema de comunicação], que existia ali uma falha do sistema de airframe”, reforçou Fróes.
O tenente-coronel também relatou que o copiloto, dois minutos antes do acidente, relatou “bastante gelo”.
“Existiram duas vezes nos gravadores de voo de voz. Em uma delas, o piloto comenta que houve falha no sistema de airframe [antigelo]. Na segunda delas, o copiloto comenta ‘bastante gelo’. Foram duas vezes que foi comentado durante o voo de 1h e 10 minutos sobre o gelo”, explicou Froes.
A investigação do Cenipa também descobriu que o sistema antigelo do avião foi acionado algumas vezes pelos pilotos durante o voo. Mas que, em determinado momento, o avião voou seis minutos com aviso de gelo sem que o sistema de degelo tenha sido ligado.
Especialistas civis, logo após o acidente, afirmaram que a formação de gelo no avião pode ter sido um fator para a queda. O Cenipa informou que o avião, de fato, passou por uma rota de gelo severo, e que os registros de manutenção da aeronave atestavam que ela poderia voar nessas condições.
O relatório do Cenipa ainda não aponta qual foi a causa do acidente. O tenente-coronel explicou que, neste momento, o que o órgão fez foi analisar os fatos objetivos em relação ao voo. Ainda não é possível dizer que uma falha levou à queda.
Os pilotos não relataram emergência em nenhum momento do voo, segundo do Cenipa.
Sistema ligava e desligava
O Cenipa informou que os dados que já foram levantados apontam que o sistema antigelo do avião foi ligado e desligado várias vezes durante o voo.
Não é possível dizer no momento, segundo o órgão, se o sistema era desligado pela tripulação ou se alguma outra condição estava desligando o mecanismo. Segundo o Cenipa, nenhuma hipótese está descartada.
“O sistema era desligado por meio de um botão. Se a tripulação o desligou ou se outra coisa desligava o sistema, não descartamos nenhuma hipótese. Hoje, não temos esses indícios.”
Manutenção
O Cenipa disse também que o avião estava com registros de manutenção atualizados. Mas que isso não significa, necessariamente, que as manutenções foram feitas com qualidade. Isso ainda vai ser analisado.
“Os registros de manutenção estavam atualizados. agora a qualidade se foram efetivos, vai ser analisado”, afirmou o tenente-coronel Carlos Henrique Baldin.
Logo no início da apresentação, o Cenipa confirmou que o avião tinha as licenças necessárias para voar.
“Registros técnicos de manutenção estavam atualizados. A equipe de investigação analisou os registros técnicos nos dias anteriores ao acidente e verificou que estavam atualizados, segundos os registros”, disse Fróes.
A aeronave era certificada para voos em condições de gelo e estava “aeronavegável” segundo os investigadores.
Ainda de acordo com o relatório, os pilotos também tinham treinamento específicos para voos em condições de gelo realizados em simuladores. E que era previsto que o avião enfrentaria zona de formação de gelo em sua rota.
“Era previsto gelo severo na rota e previsão de formação de gelo entre 12 mil pés e 21 mil pés. Essas informações meteorológicas estavam disponíveis via internet”, disse Fróes.
Avião voava sem o ‘Pack de número 1’
Foi verificado que nos registros de manutenção que antecederam dias antes da decolagem do dia 9, tinham o item Pack de número 1, inoperante. O item estava inoperante nesses registros de operação e ele faz parte do sistema pneumático, responsável por levar ar pressurizado até esse item chamado pack.
Ele tem dois objetivos. A primeira é a pressurização da aeronave. O controle do fluxo de ar para dentro da cabine de passageiros e tripulantes. A segunda função desse item é a climatização da aeronave.
Para um voo para uma das packs inoperantes, a aeronave tem que voar no máximo a 17 mil pés (o que ocorreu)
Outra restrição em caso de uma das packs inoperantes, é que o cálculo de combustível deve ser feito com base em 10 mil pés e não 17 mil pés (o que também foi feito).
Objetivos do relatório preliminar
Segundo o chefe do Cenipa, brigadeiro Marcelo Moreno, o relatório preliminar não visa apontar culpados ou imputar responsabilidade criminal. O objetivo do relatório é identificar possíveis fatores que posam ter contribuído com o acidente e sugerir medidas de segurança.
“Os dados aqui apresentados são do que aconteceu nesse acidente. Não vamos entrar na esfera no por que aconteceu e como aconteceu. Somente dados factuais”, afirmou o tenente coronel Paulo Mendes Fróes, investigador encarregado do acidente com o avião da VoePass.
Familiares
Cerca de 70 representantes, entre familiares e advogados das vítimas, viajaram até a capital federal para receber informações sobre o caso. Eles foram recebidos pela equipe do Cenipa antes da coletiva.
- O acidente, no dia 9 de agosto, foi com uma aeronave ATR 72-500 que fazia o voo 2283, entre Cascavel (PR) e Guarulhos (SP). O veículo caiu em Vinhedo (SP), a cerca de 115km do destino.
Todas as 62 pessoas que estavam a bordo, entre passageiros e tripulantes, morreram.
Este relatório de sexta (6/9) ainda tem caráter preliminar, e o documento definitivo ainda não tem data para ser divulgado.
Participam da coletiva o chefe do Cenipa, brigadeiro Marcelo Moreno; o chefe da divisão de Investigação e Prevenção do órgão, coronel Henrique Baldin; e o investigador encarregado, tenente-coronel Paulo Mendes Fróes.
Informações preliminares
Antes da divulgação do relatório, apurações preliminares informaram que o gravador de voz da cabine do ATR 72-500 registrou conversas do copiloto sobre “dar potência” à aeronave minutos antes da queda, além de gritos dentro do avião.
As duas horas de transcrição foram feitas pelo laboratório de leitura e análise de dados do Cenipa.
Segundo os investigadores do órgão, a análise preliminar dos dados indica que o avião perdeu altitude de forma repentina. Mas, a análise do áudio da cabine, sozinha, não era o suficiente para cravar uma causa aparente para a queda.
Investigação da Polícia Federal
Em paralelo à investigação do Cenipa, a Polícia Federal (PF) também apura as razões do acidente por meio de análises dos dados de componentes e caixas-pretas do avião.
A investigação acontece de forma conjunta entre os dois órgãos. Diferentemente do Cenipa, que apura as causas para apontar melhorias e evitar futuras tragédias, a investigação da polícia busca verificar se existem pessoas que devam ser responsabilizadas criminalmente pela tragédia.
Por isso, a PF vai produzir, paralelamente ao relatório final do Cenipa, um Laudo de Sinistro Aeronáutico. Para a produção dele, peritos criminais do Instituto Nacional de Criminalística vão acompanhar todos os exames, ensaios e testes realizados no Cenipa, incluindo análise dos destroços, do motor, das caixas pretas e outros.
Segundo a corporação, esse documento é importante porque traz aspectos técnicos e científicos acerca do acidente aéreo que, confrontados com testemunhas, podem indicar se atuações pessoais contribuíram com o acidente.