Pix para Michelle, compra de pão e lotérica: a planilha de gastos de Bolsonaro segundo a PF

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Jair Bolsonaro ao lado de Michelle Bolsonaro. Foto: EFE/ Andre Coelho

A investigação da Polícia Federal sobre o esquema de desvio das joias sauditas encontrou no celular do assessor Marcelo Câmara uma planilha com detalhes das despesas e receitas mensais do ex-presidente Jair Bolsonaro. Entre os gastos estão apostas em casas lotéricas, transferências Pix para Michelle Bolsonaro no valor de R$ 6 mil, o aluguel de R$ 13 mil da casa onde Bolsonaro e a ex-primeira-dama vivem em Brasília, R$ 251 na compra de pães – e até o pagamento de um boleto para o Supremo Tribunal Federal (STF) no valor de R$ 223,79.

A informação consta no relatório que levou ao indiciamento do ex-presidente por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Para a PF, o documento “possivelmente” é um controle financeiro de Bolsonaro referente ao mês de abril de 2023, feito pelo próprio Câmara.

Entre as “contas fixas” de Bolsonaro aparecem pagamento do aluguel do carro de Michelle Bolsonaro, no valor de R$ 1.980, e despesas com estudos na Faculdade Estácio, de R$ 298,84.

O ex-presidente gastou só naquele mês R$ 2.464,50 com lotéricas. Segundo as planilhas do auxiliar, Bolsonaro fez duas apostas no valor de R$ 945 cada e ressarciu outro assessor indiciado pela PF no caso das joias, Osmar Crivelatti, por dois bolões da Mega Sena apostados pelo chefe e os filhos Eduardo (PL-SP) e Carlos (PL-RJ) que custaram R$ 480 no total. Uma quinta aposta custou R$ 94,50.

Coronel da reserva, Câmara foi assessor de Bolsonaro e chegou a ser preso pela PF na operação Tempus Veritatis, no âmbito das investigações do golpismo liderado por Bolsonaro para impedir a posse de Lula. Ele foi solto em maio deste ano em uma articulação que envolveu o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

Para a PF, Câmara passou a desempenhar as funções que antes eram desempenhadas pelo tenente-coronel Mauro Cid, que atuou como ajudante de ordens de Bolsonaro durante sua presidência. Assim, teve acesso a “informações pessoais, dados bancários, fiscais, agenda e diversas outras informações do ex-presidente”.

Conta no exterior

As planilhas trazem minúcias das finanças do ex-presidente, incluindo o pagamento de taxas condominiais e até transferências Pix para a então primeira-dama Michelle, mas o que chamou atenção dos investigadores foram os saldos de contas mantidas por Bolsonaro no exterior.

A planilha reúne três salários de Bolsonaro, que somam R$ 46,2 mil – dos quais R$ 14,7 mil são pagos pelo Partido Liberal, R$ 8,8 mil pelo Exército e R$ 22,6 mil da Câmara dos Deputados, a qual integrou entre 1991 e 2019.

De acordo com o controle mantido por Câmara, o então presidente tinha US$ 151.337,45 em uma conta no BB Américas e R$ 208.386 no Banco do Brasil em abril de 2023.

A partir da quebra do sigilo bancário de Bolsonaro, a PF detectou uma movimentação de R$ 800 mil da sua conta brasileira para a do BB Américas em 27 de dezembro, três dias antes de deixar o Brasil rumo aos Estados Unidos para não entregar a faixa ao então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Com a transferência, o valor foi convertido em US$ 151.423,37.

O valor é praticamente idêntico ao registrado na planilha de Câmara em abril de 2023, o que, para a PF, indica que Bolsonaro não realizou operações financeiras de crédito ou débito no período em que esteve nos EUA – entre dezembro de 2022 e março de 2023.

Conforme mostrou O GLOBO, a principal tese da PF é a de que o dinheiro desviado financiou a estadia de Bolsonaro em território americano. Na época, ele se hospedou na casa de um aliado, o lutador de MMA José Aldo, em um condomínio de luxo na cidade de Kissimmee, a cerca de 40 quilômetros de Orlando, na Flórida.

Em nota divulgada à imprensa, a defesa de Bolsonaro afirmou que o ex-presidente “em momento algum pretendeu se locupletar ou ter para si bens” que pudessem ser considerados públicos.

Os advogados de Bolsonaro também sustentam que o caso não deveria tramitar no Supremo Tribunal Federal sob a relatoria de Alexandre de Moraes, e sim na Justiça de Guarulhos, como defendeu a gestão de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República (PGR). A posição da PGR, no entanto, foi revista depois.

A defesa ainda manifestou “completa indignação” com a informação do relatório da PF de que o ex-presidente teria tentado beneficiar-se de bens cujos valores alcançariam R$ 25 milhões, um número que “somente após enorme e danosa repercussão midiática foi retificado pela Polícia Federal”.

Após a correção, a PF informou que o esquema desviou bens que somam R$ 6,8 milhões

Relembre o caso

O caso das joias foi revelado pelo jornal Estado de S. Paulo em março de 2023.

Dois kits de joias e relógios recebidos como presente do governo da Arábia Saudita foram trazidos para o Brasil no final de 2021 pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e auxiliares.

Um deles foi retido pela Receita Federal no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP). O outro passou despercebido pelas autoridades, não foi registrado no patrimônio da Presidência da República e foi mantido em um cofre do Ministério de Minas e Energia até novembro de 2022, pouco mais de um ano desde a chegada ao Brasil e um mês após a derrota de Bolsonaro para Lula.

Um terceiro kit foi entregue em mãos a Bolsonaro em 2019 durante outra viagem à Arábia Saudita.

Entre os itens do conjunto estava o Rolex cravejado em diamantes vendido nos EUA pelo ex-ajudante de ordens Mauro Cid e recomprado pelo advogado Frederick Wassef.

Além de Bolsonaro e Mauro Cid, outras nove pessoas foram indiciadas pela PF na última quinta-feira (4) por diferentes crimes no âmbito das joias sauditas, inclusive Wassef, que responderá por lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Os outros são o ex-ministro Bento Albuquerque (peculato e associação criminosa), o ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) Fabio Wajngarten, que também é advogado de Bolsonaro, e o pai de Mauro Cid, o general Mauro Cesar Lourena Cid, ambos por lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Completam a lista o coronel Marcelo Costa Câmara (lavagem de dinheiro) e o segundo-tenente Osmar Crivelatti (lavagem de dinheiro e associação criminosa), ambos ex-assessores do ex-presidente; José Roberto Bueno Júnior, ex-chefe de gabinete do ministro Albuquerque (peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa); Marcos André dos Santos Soeiro, ex-assessor de Albuquerque (peculato e associação criminosa); Julio Cesar Vieira Gomes, ex-secretário da Receita Federal (advocacia administrativa, peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro); e Marcelo da Silva Vieira, chefe do Gabinete de Documentação Histórica da Presidência da República no governo Bolsonaro (peculato e associação criminosa).

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