PL Antiaborto: CFM muda o tom, diz que é ‘aliado da população feminina’ e lamenta ‘distorções’ sobre o tema

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Foto: Pixabay

O Conselho Federal de Medicina (CFM) mudou o tom sobre o PL Antiaborto, em tramitação na Câmara dos Deputados, ao afirmar, em nota publicada na segunda-feira (1), não ter qualquer participação na elaboração do projeto de lei que equipara o aborto realizado acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive no casos de gravidez resultante de estupro. A entidade lamentou o que chamou de “distorções” no debate sobre o tema e disse ser “aliada da população feminina”.

“O PL não teve participação ou contribuição do CFM em sua elaboração. Para esta autarquia, o tema deve ser discutido no âmbito do Congresso Nacional, que precisa ouvir todos os segmentos envolvidos, promovendo um amplo debate com a sociedade sobre o tema”, aponta a confederação, em nota assinada pelo presidente José Hiran Gallo.

O CFM também afirma que as “distorções” são derivadas de tentativas de “politizar as discussões e confundir a população, gestores, tomadores de decisão e até profissionais da medicina”.

Além disso, a entidade diz não ter “qualquer intenção de limitar ou excluir direitos” femininos ou “penalizar indivíduos ou segmentos populacionais, já historicamente privados de conquistas e até de sua cidadania”.

O projeto foi apresentado no mesmo dia em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou a suspensão da resolução aprovada pelo CFM para proibir a realização da assistolia fetal para interrupção de gravidez após 22 semanas de gestação. A técnica utiliza medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto, antes de sua retirada do útero.

Caso seja aprovada, a medida aumentaria de dez para 20 anos a pena máxima para quem realizar o procedimento, abrindo precedente para que a pena para uma mulher vítima de estupro que realizar o procedimento seja mais dura do que a prevista para o homem que a estuprou.

No caso do crime de estupro, citado no artigo 213 do Código Penal, a pena mínima é de 6 anos quando a vítima é adulta, mas pode chegar a 10 anos.

O texto foi apresentado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros deputados. Mesmo com o recuo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que disse há duas semanas não ter “pressa ou açodamento” para analisar o projeto, ativistas e artistas se mobilizaram contra o PL. A Casa Legislativa havia aprovado um requerimento de urgência para a análise do texto em 12 de junho, após um acordo entre Lira e a bancada evangélica na Casa.

Lira afirmou que a proposta será analisada por uma comissão na Casa — mesmo com a aprovação de urgência para a tramitação da proposta pelos deputados, medida que já permitiria levar o texto diretamente ao plenário. O presidente da Casa disse ainda que a Câmara não vai aprovar nenhum projeto que traga prejuízos às mulheres.

Segundo os parlamentares elaboradores da proposta, quando o Código Penal foi promulgado, “se o legislador não colocou limites gestacionais ao aborto, não foi porque teria querido estender a prática até o nono mês da gestação”.

“Em 1940, quando foi promulgado o Código Penal, um aborto de último trimestre era uma realidade impensável e, se fosse possível, ninguém o chamaria de aborto, mas de homicídio ou infanticídio”, apontaram os autores do texto.

A proposta fixa em 22 semanas de gestação o prazo máximo para abortos legais. Atualmente, não há no Código Penal um prazo máximo para o aborto legal. No Brasil, o aborto é permitido por lei em casos de estupro; de risco de vida à mulher e de anencefalia fetal (quando não há formação do cérebro do feto). No entanto, a realização do aborto após as 22 semanas de gestação implica a utilização da técnica chamada assistolia fetal, que gera grande polêmica no país.

Alertando sobre o avanço do que chamou de “fundamentalismo religioso” no Brasil, no início de junho a ONU recomendou ao estado brasileiro que legalize o aborto e descriminalize o ato. A proposta faz parte do informe que o Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) submeteu ao governo federal.

Uma pesquisa Datafolha divulgada no fim do mês passado mostrou que o projeto é rejeitado por dos terços dos brasileiros (66%). Outros 29% dos entrevistados são favoráveis à proposta, 2% responderam ser indiferentes e 4% não sabem.

Repercussão nas redes

Como mostrou o GLOBO, debate digital em torno do projeto de lei foi dominado por perfis críticos à medida. Um levantamento da Arquimedes, consultoria especializada na análise das plataformas digitais mostrou que 88% das contas que comentaram o tema no principal momento da discussão se opõem ao texto.

A análise demonstra a ocorrência de uma forte polarização entre os grupos favoráveis e contrários ao PL, com pouco diálogo entre eles. Em contrapartida a maior capacidade de mobilização e engajamento da oposição ao projeto de lei, o setor favorável à medida construiu uma rede mais dispersa e menos conectada, que dialoga com um público-alvo mais restrito e menor.

— É natural que o debate sobre o aborto seja politizado e ligado à cena eleitoral. Não avalio que a demora do governo entrar na discussão tenha sido um erro grande, considerando que a formalidade do debate legislativo não foi cumprida pela presidência da Câmara. Uma reação petista, de cara, traria um verniz de governo contra oposição, o que não foi observado — aponta Bruzzi.

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