Por que Lula erra ao falar de dívida pública; leia análise
por Samuel Pessôa*
Há duas semanas o presidente Lula, em uma em entrevista ao programa Bom Dia, Presidente, da EBC, afirmou: “Eu às vezes fico um pouco irritado com esse negócio de déficit fiscal, se vai ser zero, se não vai ser zero. Essa é uma discussão que nenhum país do mundo faz. Em nenhum país do mundo. A dívida pública bruta dos EUA é 112% do PIB. A do Japão, 135% do PIB. A da Itália é quase 200%. Esse não é o problema”.
A primeira linha da tabela abaixo apresenta a dívida pública bruta como proporção do PIB. Aparentemente, o presidente trocou o número da Itália com o do Japão. De qualquer forma, é verdade que a dívida bruta medida pelo FMI é bem maior para os três países do que para o Brasil.
A segunda linha da tabela apresenta um primeiro motivo para não podermos termos dívida elevada: a taxa de juros é muito maior por aqui do que nos três países. Em particular, nos últimos 23 anos e nos três países, os juros reais têm sido negativos.
O caso da Itália e do Japão é bem fácil de entender. A terceira linha da tabela apresenta os ativos líquidos que cada país tem contra o mundo. Tanto a Itália quanto o Japão são credores do resto do mundo. A posição internacional de investimento é, para a Itália e o Japão, respectivamente, credora em 6% e 78% do PIB.
Ou seja, a dívida pública é elevada, mas o setor privado poupa muito e compensa, portanto, a despoupança do setor público. Esse fato fica muito claro na quarta linha da tabela, que apresenta o superávit de transações externas. Tanto a Itália quanto, principalmente, o Japão exportam poupança (isto é, têm superávits em transações correntes). Em particular o Japão, nos últimos 23 anos, exportou em média 2,9% do PIB em poupança.
A última linha da tabela documenta que as taxas de poupança da Itália e do Japão são bem mais elevadas do que a brasileira. O Japão, apesar de ter uma população bem envelhecida, poupa incríveis 28% do PIB, ante 16% para o Brasil.