1. É uma distração
Há anos, a crítica, muitas vezes exagerada, à cobertura da mídia sobre Trump é que as ideias malucas que ele apresenta são apenas distrações —coisas que têm a intenção de desviar o olhar dos jornalistas e do público de outras controvérsias mais prosaicas e chatas, porém mais legítimas.
Mas o fato de essa teoria ter sido exagerada não significa que não seja uma estratégia real. E não há dúvida de que Trump, mais do que nunca, está dominando o cenário com ações ousadas (e muitas vezes legalmente duvidosas) que desafiam todos a acompanhá-lo.
“Está funcionando”, disse o ex-conselheiro de Trump na Casa Branca Stephen Bannon aos meus colegas no final do mês passado. “É simplesmente impressionante para mim o que eles estão fazendo, e isso não está sendo coberto porque é coisa demais. Eles estão sobrecarregando o sistema.”
O anúncio de Trump ocorreu de forma muito notável, mesmo quando a oposição se mobilizou muito mais para combater a aquisição hostil do governo por ele e por Elon Musk.
Pouco antes de Trump fazer seu anúncio, o The Washington Post noticiou que muitas das manobras de Musk para assumir o controle de funções governamentais de grande porte poderiam ser ilegais. Charlie Savage, do The New York Times, tem um bom artigo na mesma linha sobre como Trump “abriu o acelerador para desafiar os limites legais”.
“Tantas dessas coisas são tão absurdamente ilegais que acho que eles estão jogando um jogo de quantidade e presumindo que o sistema não pode reagir a toda essa ilegalidade de uma só vez”, disse David Super, professor de direito da Georgetown Law School, ao Post.
Dois democratas, o senador Chris Murphy e o deputado Dan Goldman, estão pedindo a todos que não entrem no jogo. “Tenho notícias para vocês —não vamos assumir o controle de Gaza”, postou Murphy no X na terça. “Mas a mídia e a classe tagarela se concentrarão nisso por alguns dias e Trump terá conseguido distrair todos da história real —os bilionários que tomam o governo para roubar das pessoas comuns.”
Mas, como sempre acontece com Trump, o dilema é determinar o que é real e o que não é. E ignorar propostas como essa também é perigoso. E se ele de fato tiver a intenção de enviar tropas dos EUA para Gaza, mas isso não tiver sido divulgado porque presumimos que era um blefe?
E mesmo que Trump simplesmente tenha lançado essa ideia, ela tem o potencial de reacender uma região onde acabamos de ver um acordo de paz, sugerindo o deslocamento em massa e permanente dos árabes palestinos de suas terras. Outros países árabes já estão repreendendo essa ideia.
Também já vimos anteriormente como algumas das ideias mais ousadas de Trump foram descartadas como não sérias, mas ele as levou adiante.
2. É uma manobra de negociação
Uma teoria relacionada, mas um pouco diferente, é que isso é de fato uma manobra, mas uma manobra destinada ao Oriente Médio e não ao debate político interno. Desse modo, seria semelhante às recentes ameaças de Trump de impor enormes tarifas sobre o Canadá e o México, apenas para que ele recuasse em troca de concessões aparentemente modestas.
Isso poderia ser Trump ameaçando o impensável para forçar os países do Oriente Médio a buscar uma paz mais sustentável. Basicamente, seria isso: Se vocês não conseguirem resolver o problema, nós entraremos.
Isso poderia estimular o Hamas a estar mais disposto a ceder o poder? Isso poderia pressionar a Arábia Saudita a normalizar as relações com Israel, parar de insistir em um Estado palestino e ajudar no processo pós-guerra? Esses parecem ser alguns dos objetivos mais prováveis.
Netanyahu, notavelmente, não endossou explicitamente o plano de Trump e o tratou mais como uma ideia do que como uma intenção firme dos EUA. Ele elogiou a “disposição de Trump de perfurar o pensamento convencional”, mas sugeriu que suas ideias podem não estar alinhadas.
“Ele tem uma ideia diferente, e acho que vale a pena prestar atenção a isso”, disse Netanyahu. “Estamos conversando sobre isso. Ele está explorando o assunto com seu pessoal, com sua equipe.”
E não se esqueça de que, embora Trump tenha sido decididamente não Reagan em sua abordagem para afirmar a liderança dos EUA em todo o mundo, ele deixou claro que vê suas ações no Oriente Médio como uma grande parte de seu legado.
3. Ele está se inclinando ainda mais para a teoria do louco
Você deve se lembrar que, no primeiro mandato de Trump, as pessoas frequentemente invocavam a “teoria do louco”. A ideia é basicamente fazer com que outros países acreditem que você é completamente imprevisível e capaz de qualquer coisa para mantê-los na linha. Richard Nixon a empregou em suas negociações com a União Soviética.
E Trump vê claramente os benefícios disso. Em uma entrevista em outubro com o conselho editorial do The Wall Street Journal, Trump respondeu assim a uma pergunta sobre o uso de força militar para proteger Taiwan da China e de seu líder, Xi Jinping: “Eu não precisaria, porque ele me respeita e sabe que sou muito louco”, disse sobre Xi.
Um conselheiro de longa data de Trump fez eco a isso em comentários ao Axios na terça-feira. “Ele está mudando a meta da loucura”, disse o assessor. “Desta vez, ele não está se intimidando com manchetes ou especialistas: Ele vai lançar o que quer que tenha vontade de lançar.”
4. Sua súbita tendência imperialista é muito real
Não há dúvida de que ameaçar uma ocupação de Gaza é um antídoto para a forma como Trump tem apresentado sua política externa há muitos anos. Trump enfatizou o “America First” e disse que os Estados Unidos não tinham nada a ver com a construção de nações no Oriente Médio.
“Nossa política de guerras intermináveis, mudança de regime e construção de nações está sendo substituída pela busca clara dos interesses americanos”, disse em 2019. Ele afirmou várias vezes em 2016 que a “era da construção de nações” havia terminado.
Agora, Trump não está apenas falando sobre a construção de nações, mas sobre o que os críticos disseram que necessariamente equivaleria à limpeza étnica do povo palestino. Mas, de certa forma, isso está de acordo com suas tendências cada vez mais imperialistas.
Ele tem falado com mais seriedade sobre reivindicar a Groenlândia e o Canal do Panamá, deixando em aberto a possibilidade de usar coerção militar para isso. Ele falou em fazer do Canadá o 51º estado americano. Ele dedicou parte de seu discurso de posse, há duas semanas, à ideia de “destino manifesto” —a ideia de que a expansão dos EUA é nosso direito divino.
E em comentários que rapidamente ressurgiram na terça, o genro de Trump, Jared Kushner, disse em março que “a propriedade à beira-mar de Gaza poderia ser muito valiosa”. Ele sugeriu que seria possível “retirar as pessoas de lá e depois limpá-la”.
Ninguém defende o potencial da “propriedade à beira-mar” como Trump, que repetiu os comentários de seu genro dizendo que Gaza poderia ser “a Riviera do Oriente Médio”.
É possível que todo esse discurso imperialista seja fanfarronice. Mas também é possível que Trump se sinta livre em seu segundo mandato, depois de anos alavancando o “America First” para obter ganhos políticos, para mudar e fazer da expansão dos Estados Unidos (em áreas com as quais ele realmente se importa) um elemento fundamental de seu legado.
E, na medida em que ele almejar isso, certamente haverá menos barreiras de proteção. As mentes da política externa do establishment de seu primeiro governo, que certamente o teriam advertido contra coisas como essa, já não existem mais. Embora os republicanos do Senado tenham resistido com frequência aos impulsos da política externa de Trump de 2017 a 2021, eles demonstraram muito menos vontade de combatê-lo em um segundo mandato.
Em outras palavras, quem sabe? Mas provavelmente vale a pena entender suas motivações e o que essa ameaça —mesmo que seja apenas uma ameaça— pode significar.
*Aaron Blake é repórter sênior de política do Washington Post, escreve para o blog de análises políticas The Fix.