Possível veto a emendas de comissão inviabiliza reajuste a policiais e provoca reação no Congresso
Por Daniel Weterman
BRASÍLIA – A possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro vetar R$ 3,7 bilhões em emendas parlamentares aprovadas pelas comissões do Congresso para tapar o “buraco” no Orçamento de 2022 inviabiliza o reajuste a policiais federais e causou reação entre parlamentares.
O reajuste aos policiais federais, calculado em R$ 1,7 bilhão, foi incluído no Orçamento por meio de uma emenda da Comissão de Segurança e Combate ao Crime Organizado. Além disso, as comissões aprovaram recursos para outras áreas, como saúde, educação e agricultura.
Bolsonaro avalia vetar a verba após ele próprio ter agido para aprovar a recomposição salarial e atender a uma categoria estratégia para as eleições. A articulação, no entanto, provocou reação de outros servidores, que passaram a abandonar cargos no Executivo.
Líderes partidários e integrantes dos colegiados discutem uma mobilização para tentar reverter a situação ou recuperar a verba das comissões ao longo do ano.
Conforme o Estadão revelou, o governo quer recompor as despesas com o pagamento de pessoal subestimadas no Orçamento e, para isso, ensaia passar a tesoura nas emendas de comissão, carimbadas com o código RP-8. Por outro lado, o Palácio do Planalto decidiu blindar as emendas do orçamento secreto, as chamadas verbas RP-9, que somam R$ 16,5 bilhões.
“O governo precisa não só olhar para a economia, mas olhar para o que foi construído para o País na saúde, na agricultura, na educação. O que ele vai cortar se são nessas emendas de comissão que estão as bases do orçamento para o País?”, afirmou a presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), senadora Rose de Freitas (MDB-ES).
Qual a diferença entre as emendas parlamentares
As emendas de comissão são discutidas e precisam ser aprovadas em cada colegiado da Câmara e do Senado. A exigência é que atendam ações de caráter nacional e relacionadas com as respectivas áreas, como saúde, educação e agricultura.
As verbas do orçamento secreto, por outro lado, ficam concentradas no relator-geral do Orçamento e são direcionadas a aliados políticos, sem critérios objetivos de distribuição e com menos transparência.
Líderes do Centrão concentram a articulação nas emendas do orçamento secreto, que ficaram blindadas. As verbas das comissões, por outro lado, atendem a um grupo maior de parlamentares. Por isso, a possibilidade de veto causa reação e ataques ao governo pelo tratamento diferenciado, até mesmo entre aliados. “Dependendo do que ele vetar, vamos derrubar o veto. Não pode desrespeitar as comissões”, disse o deputado Hildo Rocha (MDB-MA).
Além do reajuste, a educação será o maior alvo do corte se as emendas de comissão forem vetadas. O setor recebeu R$ 577 milhões dessas verbas. “É um equívoco. O governo teve todo o tempo para debater essas emendas. São emendas de caráter nacional e a comissão procurou reforçar as ações direcionadas à educação básica”, disse a presidente da Comissão de Educação da Câmara, Professora Dorinha (DEM-TO).
Uma alternativa sugerida por parlamentares e técnicos para recompor as despesas obrigatórias ao longo do ano é usar o excesso de arrecadação de tributos federais. Dessa forma, o remanejamento poderia ocorrer sem comprometer a meta de resultado primário (a diferença entre receitas e despesas sem contar o gasto com juros da dívida). Ainda assim, no entanto, o Executivo teria que cancelar outras despesas ao longo do ano para cumprir o teto de gastos, a regra que atrela o crescimento das despesas à inflação.
Pagamentos em queda
As comissões perderam poder no Orçamento. De 2014 a 2021, as emendas apresentadas pelos esses colegiados caíram de 15% para um patamar menor que 3% do total de recursos aprovados no Congresso. No ano passado, foram totalmente vetadas por Bolsonaro. Por outro lado, as emendas RP-9 passaram a carimbar praticamente metade do dinheiro que recebe a digital dos parlamentares.
“O veto anula o trabalho e servirá de precedente para falta de estímulo do debate orçamentário em todas as comissões do Congresso”, afirmou o diretor do Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop), Renatho Melo, para quem as emendas de comissão podem desaparecer do Orçamento.
A possibilidade de o governo solicitar o aumento do fundo eleitoral para R$ 5,7 bilhões, acima dos quase R$ 5 bilhões aprovados no Orçamento, também entrou no radar. Fontes do Congresso veem essa manobra como estratégia para convencer os parlamentares a aceitarem o corte nas emendas de comissão. Ou seja, trocariam as verbas aprovadas pelos colegiados por mais recursos para as campanhas.
“É um absurdo. Eu briguei para baixar o valor do fundo eleitoral e a diferença foi para a educação. Agora, você tira e vai descobrir outra vez o sistema educacional, que para funcionar tem que ter dinheiro. Não é possível pensar apenas sob a ótica do processo eleitoral. Não tem necessidade de aumentar verba eleitoral”, disse Rose de Freitas.