Quebra de gigante ameaça China; melhor não apostar em marolinha aqui

0
9jan2014---essa-foto-feita-em-longa-exposicao-mostra-a-vista-aerea-do-trafego-de-xangai-na-china-durante-a-noite-desta-quinta-feira-9-1389298644680_300x225

Foto: Reprodução

O Ibovespa, principal índice do mercado de ações no Brasil, derretia, com queda de quase 3,5%, descendo abaixo de 110 mil pontos, no início da tarde desta segunda-feira (20). No mercado cambial, a cotação do dólar também se encontrava pressionada, subindo a R$ 5,35. O primeiro pregão da penúltima semana de setembro, nos mercados de ativos brasileiros, veio sangrento.

Não, não era mais uma reação de decepção do pessoal do mercado financeiro com o presidente Jair Bolsonaro. A turma, de fato, poderia ter se desiludido mais um pouco com o marketing tosco do governante que apoiava, na chegada a Nova York, onde se encontra desde o fim da tarde de domingo (19), para discursar nesta terça-feira (21), na sessão de abertura da assembleia geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Mas o que está derrubando os mercados é um possível terremoto internacional bem mais grave, com epicentro na China.

O presidente brasileiro, o único não vacinado dos mandatários do G-20, grupo que reúne as maiores economias do mundo, publicou uma foto, comendo na rua um pedaço de pizza, ao lado de ministros e assessores, por não poder entrar em restaurantes sem áreas ao ar livre. A foto, na calçada de uma loja de rede popular de pizzarias, configurava uma grotesca ação populista, com intuito de reforçar entre apoiadores sua imagem de “homem do povo” – um “homem do povo” hospedado em hotel cinco estrelas, no miolo de Manhattan, com diária a R$ 10.500.

Também não era o “risco fiscal”, o problema doméstico invariavelmente invocado por 11 entre 10 economistas de mercado para momentos de pressão sobre os ativos financeiros, o que, desta vez, fez o pregão vir abaixo. O que estava puxando as cotações para baixo, na Bolsa, e para o alto, no câmbio, era uma empresa chinesa. Uma incorporadora imobiliária gigante, chamada Evergrande, ameaçada de quebrar e arrastar uma multidão de investidores, fornecedores e compradores com ela.

Alta de preços de energia na Europa e preocupações com os sinais do Fed (Federal Reserve, banco central americano) sobre o início da regularização da política monetária, com o início da alta dos juros, também estão atuando para derrubar os mercados. Mas o temor principal vem mesmo da superendividada gigante chinesa.

Analistas consideram pouco provável neste momento que a eventual quebra da Evergrande se alastre pelos mercados globais. Mas é inevitável vislumbrar o espectro de crash global de 2008, deflagrado em setembro daquele ano pela quebra do banco de investimentos americano Lehman Brothers, embora gestada desde 2007 com a intensificação de operações especulativas com ativos financeiros sem lastro.

Nascida em 1996, a Evergrande esteve na liderança do boom chinês da construção civil, absorvendo a migração de populações inteiras do campo para as cidades – uma das explicações para o longo período de supercrescimento econômico experimentado pelo país. Hoje carrega dívidas monumentais de US$ 300 bilhões, o equivalente a quase 5% do PIB brasileiro. Imóveis não estão sendo entregues nos prazos estabelecidos em contrato e suas dificuldades se refletem na cotação das ações, que perderam 80% de valor, em 2021.

Questão crítica é saber se a quebra da Evergrande, hoje considerada até “provável”, vai arrastar a economia chinesa para uma recessão e, mais, se vai arrastar o resto do mundo, como em 2008. Primeira dúvida é como as autoridades chinesas vão atuar, se vão salvar a empresa ou apenas tentar controlar a distribuição dos prejuízos.

Em sua conta no Twitter, o economista Rodrigo Zeidan, professor da Universidade de Nova York, no campus de Xangai, e colunista da “Folha de S. Paulo”, avalia como improvável que a crise da Evergrande transborde das fronteiras chinesas. “Não há como a quebra da Evergrande gerar colapso do sistema financeiro global, por uma razão simples: a China não tem sistema financeiro integrado com o do mundo e o yuan [a moeda chinesa] nem é conversível”, explicou.

Zeidan lembrou, porém, que “crises financeiras se espalham pelas vias do comércio e do sistema financeiro”. Segundo ele, portanto, se a crise financeira chinesa ficará contida na China, o mesmo não se poderá dizer se a economia chinesa entrar em recessão. “Se China entrar em recessão, o mundo também entra”, registrou Zeidan.

A China é de longe o maior parceiro comercial do Brasil. O fluxo de comércio entre os dois países somou, em 2020, US$ 111 bilhões, com exportações brasileiras elevando-se a US$ 70 bilhões, importações de US$ 34 bilhões e saldo favorável ao Brasil de US$ 36 bilhões. O segundo posto é ocupado pela União Europeia, com fluxo comercial de US$ 55,3 bilhões, metade do mantido com a China. Mais abaixo, na terceira posição, aparecem os Estados Unidos, com US$ 45,6 bilhões em transações com o Brasil.

Uma crise de endividamento na China, freando o crescimento econômico, a esta altura, tem potencial para afetar, negativamente, a economia mundial. Grandes exportadores para a China, caso do Brasil, seriam mais afetados.

Para analistas, a derrubada no mercado de ações e a alta na cotação do dólar, no Brasil, não reflete um ambiente de pânico entre os investidores. Mas o cenário internacional ganhou enormes incertezas e o futuro próximo não está claro. As atenções se voltam para os reguladores de mercado chineses, em busca da descoberta do que eles farão no caso Evergrande.

Nesta quinta-feira (23), há vencimento de US$ 130 milhões em juros a serem pagos pela Evergrande. Dependendo do desenrolar desse pagamento, as tensões podem amainar ou, caso se configure um calote, evoluir mais rápido para uma crise aguda. Porém, mesmo que esta primeira barreira seja superada sem maiores traumas, o cenário se complicou, e é mais prudente não apostar todas as fichas de que se trata apenas de uma marolinha.

About Author

Compartilhar

Deixe um comentário...