Saída de marcas ocidentais da Rússia deixa Putin isolado

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© Andrey Rudakov/Bloomberg. Marcas ocidentais estão abandonando o país por riscos operacionais e de reputação devido à guerra na Ucrânia

Quer um novo iPhone 11? Um par de Air Max Dawns da Nike? Um sofá Ikea Kivik? Para os 144 milhões de pessoas que vivem na Rússia, esses itens fazem parte de uma lista crescente de bens importados que ficaram indisponíveis praticamente da noite para o dia.

Muitas empresas ocidentais se moveram rapidamente para romper os laços com a Rússia, abandonando um país que serviu como uma boa fonte de crescimento nas últimas duas décadas, mas que ficou cheio de riscos operacionais e de reputação devido à guerra na Ucrânia.

“Você simplesmente não quer sua marca associada a essa imagem de forma alguma”, disse Adam Tooze, diretor do Instituto Europeu da Universidade de Columbia. “Você quer dar o fora dali.”

O êxodo inaugura um período de maior isolamento na Rússia, que tem fácil acesso a mercadorias importadas desde o fim da Guerra Fria, quando corporações multinacionais entraram no mercado ansiosas para atender uma classe média crescente.

Em 1990, o McDonald’s foi uma das primeiras marcas ocidentais a se estabelecer no país, com centenas de pessoas esperando na fila para experimentar os sanduíches norte-americanos no dia da inauguração. Desde então, a lanchonete abriu mais de 800 estabelecimentos, inclusive na parte oriental do país, perto do Japão, e tem na Rússia e na Ucrânia 9% de suas vendas.

O McDonald’s atendeu mais de 30 mil pessoas quando abriu sua primeira loja em Moscou
O McDonald’s atendeu mais de 30 mil pessoas quando abriu sua primeira loja em Moscou

Dezenas de outras empresas seguiram o exemplo e, hoje, a maioria das marcas globais tem algum tipo de presença lá, de Starbucks a Marriott até Louis Vuitton.

No entanto, a guerra fez com que uma onda de marcas ocidentais se dirigisse para a saída do país. A Nike colocou um aviso em seu site de que suspendeu as vendas online na Rússia porque não podia “atualmente garantir a entrega de mercadorias aos clientes”.

A Canada Goose culpou “o ambiente operacional desafiador e as sanções em evolução contra os interesses russos” em sua decisão de pausar os negócios no país. A Ikea também fechou temporariamente suas 17 lojas na Rússia, citando “sérias interrupções na cadeia de suprimentos e nas condições comerciais”.

A Asos disse que “no cenário da guerra contínua, decidiu que não é prático nem correto continuar a negociar na Rússia”. A varejista de moda gerou 4% de suas vendas na Rússia e na Ucrânia no ano passado.

A TJX, empresa-mãe da T.J. Maxx e Marshalls, disse que vai vender sua participação na Familia, uma varejista com 400 lojas na Rússia, e retirar dois executivos do conselho “em apoio ao povo da Ucrânia”. A TJX pagou US$ 225 milhões (cerca de R$ 1,1 bilhão) pela participação em 2019.

Rede de sanções

O CEO da Apple, Tim Cook, escreveu em uma carta aos funcionários que “o momento pede união”, explicando sua decisão de parar de vender produtos na Rússia. H&M, Dell, BMW e Ford também interromperam as operações.

“O que estamos vendo é sem precedentes”, disse Stephanie Petrella, analista sênior da Greenmantle, uma empresa de consultoria macroeconômica e geopolítica. “Essas marcas estão abandonando a Rússia.”

As empresas precisam navegar em uma complexa rede de sanções, incluindo uma expansão significativa de uma regra norte-americana destinada a limitar o acesso da Rússia a produtos projetados com software ou tecnologia dos Estados Unidos. Isso pode exigir que as empresas americanas busquem uma licença especial antes de exportar coisas como smartphones, computadores e peças de aeronaves.

Dada a complexidade e a natureza evolutiva das sanções, especialistas dizem que as companhias podem optar por cumprir critérios além do necessário, em um esforço para reduzir o risco. “Muitas vezes você vê empresas que tecnicamente poderiam ter permissão para operar dizendo que é uma dor de cabeça legal e que vão desistir”, disse Ben Coates, professor de história da Wake Forest University, estudioso de sanções econômicas.

Os desafios logísticos também são assustadores. Por exemplo, pode não haver como levar itens fisicamente para a Rússia. A Maersk e outras gigantes do transporte deixaram os portos russos. A UPS e a FedEx pararam de enviar pacotes à porta das pessoas. Outro obstáculo: aceitar pagamentos e remeter lucros, dadas as sanções contra bancos russos. Entrar em conflito com as sanções, mesmo que acidentalmente, pode resultar em multas pesadas.

O risco reputacional também está na balança. “Como o McDonald’s pode servir Big Macs em Moscou quando os ucranianos estão sendo bombardeados pelo Kremlin? Não parece bom”, disse Gary Hufbauer, membro do Peterson Institute for International Economics. O McDonald’s não respondeu se continuará operando na Rússia.

O público está unido em seu apoio à Ucrânia e pode pressionar as empresas a cortar os laços com a Rússia como forma de punição. O governo ucraniano pediu que empresas como PlayStation e Xbox saíssem do mercado russo. “As pessoas estão se agarrando às coisas que podem atingir a Rússia”, disse Hufbauer.

O que está em jogo para as marcas ocidentais são bilhões em vendas perdidas. No entanto, a Rússia pode parecer menos atraente à medida que as sanções atingem as carteiras dos consumidores. Os moradores ricos podem reduzir seus gastos com bens de luxo, enquanto os russos comuns podem recorrer a marcas locais mais baratas para esticar seus contracheques.

As empresas estão saindo da Rússia por riscos logísticos, econômicos e de reputação
As empresas estão saindo da Rússia por riscos logísticos, econômicos e de reputação

“Não importa se você pode comprar um iPhone se perder o emprego e for tão pobre que não pode comprar um iPhone”, disse Petrella. “Se a população está ficando cada vez mais pobre, ela não vai poder comprar o seu produto.”

A Rússia já enfrentava um crescimento econômico estagnado nos últimos anos, prejudicado em parte por sanções devido à anexação da Crimeia em 2014. Assim, as empresas “estão perdendo um mercado de médio porte e renda média”, disse Tooze. “Não é um mercado que está impulsionando seus negócios globalmente. Ao contrário da China ou mesmo de um país como o Vietnã, não há esse horizonte de tempo de dez ou 20 anos que absolutamente precisamos estar aqui porque será gigantesco. Não é uma proposta irresistível que você não pode recusar.”

 

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