Semana de ataques no Líbano expôs médicos a cenas de filme de terror
A médica Dania El-Hallak estava exausta. Depois que os pagers e walkie-talkies explodiram por todo o Líbano, houve pouco tempo para processar o que ela viu —centenas de feridos, muitos com os rostos desfigurados e irreconhecíveis.
“Espero que tudo tenha sido apenas um pesadelo”, disse El-Hallak na sexta-feira (20) ainda lutando para fazer um balanço da carnificina.
Então, sem aviso, jatos de combate israelenses rasgaram os céus acima da capital do Líbano. “São ataques em Dahiya?”, ela disse, incrédula, usando o nome árabe para os subúrbios do sul de Beirute.
Seu pesadelo estava apenas começando.
Os ataques aos dispositivos de comunicação do Hezbollah na semana passada —amplamente atribuídos a Israel— feriram milhares de pessoas, deixando muitas delas permanentemente incapacitadas e necessitando de cuidados e reabilitação no longo prazo. O ataque aéreo israelense a poucas milhas do centro de Beirute na sexta-feira (20), que matou pelo menos 45 pessoas e feriu dezenas, só aumentou o saldo. Outros ainda estão presumivelmente presos nos escombros.
O combalido sistema de saúde do Líbano —atormentado por um colapso econômico devastador— foi colocado em sobrecarga. “A sensação é de que a guerra é inevitável, especialmente após o ataque aéreo de ontem”, diz o médico Ghassan Abu Sitta, cirurgião chefe do Centro Médico da Universidade Americana de Beirute.
No ano passado, Abu Sitta passou 43 dias como voluntário na Faixa de Gaza na unidade de tratamento de queimaduras do hospital Al-Shifa. Quando houve o ataque aéreo israelense na sexta-feira (20), enquanto ele ainda operava os feridos nos ataques com pagers e walkie-talkies, ele disse que sentiu como se estivesse de repente de volta a Gaza. “Estamos presos nesse ciclo. Você simplesmente opera e opera. A sensação é de que você está o tempo todo tentando recuperar o atraso.”
Nos últimos 11 meses, o Hezbollah vem disparando contra o norte de Israel em apoio ao Hamas em Gaza. Israel respondeu bombardeando o Líbano e assassinando líderes do grupo armado libanês. Mais de 160 mil civis fugiram de áreas em ambos os lados da fronteira. A violência vista nos últimos dias, no entanto, representou uma escalada significativa no conflito, alimentando o medo de que Israel esteja buscando uma guerra total.
A brutalidade repentina dos ataques aos dispositivos sem fio na semana passada, que viram pagers e walkie-talkies explodirem subitamente, chocou até mesmo os médicos libaneses mais endurecidos. Olhos explodidos das órbitas. Rostos despedaçados por estilhaços queimados de plástico. Mãos e dedos tão mutilados que os médicos não tiveram escolha a não ser amputá-los.
Muitas vítimas, entre elas mulheres e crianças, nunca mais vão enxergar novamente.
“Esse ataque foi literalmente direcionado aos olhos”, disse Pierre Mardelli, um oftalmologista veterano que respondeu ao chamado por voluntários quando as notícias dos primeiros ataques chegaram na terça-feira (17).
Seus pacientes disseram que receberam uma mensagem de erro em seus pagers, levando-os a tentar corrigir o problema. Então os dispositivos explodiram em suas mãos. Parecia ser um dos principais fatores que explicavam tantas pessoas terem ficado cegas. “As pessoas nem tiveram tempo de piscar”, disse Mardelli.
Com os hospitais sobrecarregados pelo fluxo de pacientes, o oftalmologista disse que foi forçado pela primeira vez em seus 27 anos de carreira a suturar feridas nos olhos sem anestesia.
“Foi um ataque indiscriminado”, disse Firass Abiad, ministro da Saúde do Líbano, descrevendo o fardo que os ataques impuseram ao sistema de saúde do Líbano. “Foi um crime de guerra.”
Abiad se comprometeu a pagar pelos cuidados de longo prazo dos feridos, mas os libaneses permanecem céticos em relação a quaisquer promessas do combalido governo do país. “O sistema de saúde libanês de forma alguma seria capaz de tratar feridos de guerra se isso se transformasse em uma guerra em grande escala”, disse Abu Sitta.
Antoine Abi Abboud, que lidera a unidade de cirurgia plástica e reconstrutiva do hospital Monte Líbano, em Beirute, estimou que pelo menos 40% dos feridos na onda de ataques foram deixados permanentemente incapacitados.A maioria perdeu um ou ambos os olhos. “Foi selvagem”, disse o médico.