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© Reuters. Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia em Brasília

Mais até do que merecido, criticar Bolsonaro é fácil. Não houve pior presidente desde a reabertura democrática, talvez em toda a História da República. Ele e o reacionarismo que ensejou sua vitória em 2018 extrapolam a disputa ideológica. Sistematicamente, desde o primeiro dia de governo, Jair afronta o bom senso, a ciência, conceitos consolidados de civilidade e empatia. Se ontem os militares mataram e torturaram, hoje Bolsonaro destrói a floresta, a economia, as instituições e a imagem do Brasil no exterior.

A triste ironia é que justamente o fato de Bolsonaro ter transbordado todas as medidas, em comparação com os piores presidentes, funciona como antessala para a coroação de um salvador da pátria. Mora precisamente na sua competência para desesperar, a esta altura inquestionável, nossa disposição em conceder carta branca a qualquer um que nos livre do mal maior.

Ao fim de três anos de absoluta anarquia institucional, cresce a convicção em boa parte da sociedade de que Jair Bolsonaro precisa ser derrotado em 2022, sob pena de embarcarmos numa espiral de retrocessos, democrático e civilizatório — segundo recente pesquisa Ipec, mais da metade dos brasileiros reprova a administração federal (55%), enquanto 19% a consideram ótima ou boa.

O sentimento é tão forte que, para muitos, o nome e o partido do candidato capaz de enfrentá-lo são secundários. Não tenho certeza se a identidade do próximo presidente, sua legenda e as coligações a que estará atrelado são desimportantes, mas parece claro que tamanha sofreguidão oferece um risco: de, no afã de nos livrarmos de um governo populista e autoritário, incentivarmos o próximo a adotar postura semelhante.

Não seria uma situação inédita. A própria eleição de Bolsonaro seguiu esse roteiro. Embora Michel Temer já fosse presidente desde maio de 2016, o principal argumento usado para justificar o voto no capitão, antes mesmo que fosse definido o segundo turno contra Fernando Haddad, era que “nada poderia ser pior do que o PT”. Tal retórica foi até transformada em ameaça por Bolsonaro e Paulo Guedes quando, logo no início do mandato, ambos argumentavam que ou as coisas andavam como o governo desejava, ou o PT voltaria.

Ainda falta muito tempo para o próximo pleito, mas, ao que tudo indica, o PT voltará. Lula surge como o postulante com mais chances de derrotar Bolsonaro, possivelmente entrando na disputa como favorito para vencer no primeiro turno.

Seria a volta de alguém que já foi presidente por oito anos, nosso político mais habilidoso e que tem total controle sobre o maior partido do país. Também de uma legenda com inegável sanha hegemônica, capaz de tudo para conquistar o poder e nele permanecer, ainda que assumir as próprias mazelas e eventuais crimes cometidos não seja seu forte.

Enquanto não conseguimos contornar a polarização, seja por falta de opção ou de vontade, optar pelo caminho menos nefasto parece uma escolha lógica. Que isso não seja confundido, entretanto, com salvo-conduto para quem, ao fim e ao cabo, antes de se fantasiar como solução, é parte indissociável do problema que se instalou em Brasília desde 1° de janeiro de 2019.

De resto, para além de Lula e do PT, está mais do que na hora de apreciarmos a hipótese de parar de idolatrar políticos. De compreender que o sistema já é moldado para a perpetuação de uma disputa que não necessariamente prioriza o bem-estar da população, em especial dos mais vulneráveis. Sobretudo, que nada é tão ruim que não possa piorar.

(Transcrito do jornal O Globo)

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