STF precisa debater avanço das emendas em detrimento do caixa do governo, diz Dino
O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou na quarta-feira (30) que pretende discutir com os demais ministros da corte, em 2025, se o montante das emendas parlamentares é compatível com a separação dos Poderes.
Segundo Dino, o debate é motivado pelo aumento do valor das emendas durante o governo Jair Bolsonaro (PL) —um salto de R$ 13,8 bilhões empenhados em 2019 para R$ 37,5 bilhões em 2020, em valores nominais (sem correção da inflação). Neste ano, elas somam quase R$ 52 bilhões.
“Nós precisamos entender o crescimento político do montante. O Supremo neste momento não está discutindo o montante ainda. Mas o fará. Eu vou propor, em 2025, para que examinemos se isso é compatível com o princípio de separação dos Poderes”, disse Dino.
As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores enviam dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliam seu capital político. A prioridade do Congresso é atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de maior demanda no país.
O ministro afirmou que o Brasil desenvolveu um sistema político diferente dos demais países, que não se encaixa no presidencialismo ou no parlamentarismo.
“Não podemos encaixar o caso brasileiro em nenhum desses casos internacionais. Temos uma parlamentarização da despesa pública, ou seja, uma função executiva do Legislativo, mas sem uma responsabilidade inerente [à execução orçamentária]”, afirmou.
Dino deu a declaração durante palestra no 27º Congresso Internacional de Direito Constitucional do IDP, instituto comandado pelo ministro do STF Gilmar Mendes. O tema do encontro foi sobre os desafios da transparência e da legitimidade democrática na definição do orçamento público.
“Temos uma evolução de montantes das chamadas emendas parlamentares —é algo único no mundo. Nenhum país do mundo, nem dentro nem fora da OCDE, pratica esse tipo de reserva e de definição pelo Parlamento da execução [do Orçamento]”, disse.
Segundo Dino, as emendas parlamentares em outros países giram em torno de 1% das despesas discricionárias dos governos. “No Brasil, chegam a 20% ou 25%, dependendo do ano”, disse o ministro.
O ministro do Supremo discursou logo após o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP). O parlamentar fez um histórico dos avanços e recuos das emendas parlamentares desde a redemocratização.
“O governo empossado em 2022 encontrou herdada essa situação, que é no meu entender uma expansão do Parlamento no Orçamento acima do devido. Essa expansão acima do devido impõe para o governo a necessidade de restauração dos termos do presidencialismo de coalizão que conhecemos”, disse Randolfe.
Dino é o relator no Supremo de ações que questionam a constitucionalidade das emendas parlamentares.
O foco inicial dos processos era a transparência das emendas de relator —mecanismo criado pelo Congresso durante o governo Jair Bolsonaro (PL) para concentrar a destinação de recursos para redutos eleitorais de políticos como moeda de troca em negociações.
Foi Dino quem decidiu, em 1º agosto, suspender o pagamento das emendas de comissão e das emendas Pix até que haja “prévia e total rastreabilidade”. O bloqueio às emendas foi confirmado pelo plenário do Supremo, por unanimidade.
“Não é desejo do Supremo manter a execução das emendas congeladas ad aeternum [para sempre]. Mas, por outro lado, não é possível restabelecer a execução das emendas parlamentares sem que a Constituição não seja cumprida”, disse Dino na quarta (30).
O Congresso deve votar no início de novembro um projeto de lei que vai estabelecer novos critérios para as emendas parlamentares. O objetivo é atender às decisões do Supremo e liberar a verba para 2025.
Os detalhes da proposta, porém, ainda são discutidos pela cúpula do Congresso.
Após a palestra, Dino disse a jornalistas que as preocupações do Supremo com o aumento do valor das emendas parlamentares já foram repassadas aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O alerta foi repassado em reunião, em agosto, entre os ministros do STF e os parlamentares. “Cabe ao Congresso, eventualmente, nesse novo projeto de lei, tratar sobre o assunto”, disse.
A eleição municipal de domingo foi a primeira que sofreu um grande impacto da mudança iniciada no governo de Bolsonaro que deu aos congressistas papel inédito na destinação das chamadas emendas parlamentares.
A medida resultou na distribuição total de mais de R$ 80 bilhões em emendas para os 5.569 municípios brasileiros desde o início das gestões dos atuais prefeitos, de 2021 a 2024.
Quase a totalidade dos 116 gestores mais beneficiados com emendas em seus quatro anos de mandato foi reeleita no primeiro turno. Segundo a análise da reportagem, que mostra uma taxa de reeleição de 98% para eles, só dois desse grupo não tiveram sucesso.