Valores obtidos com vendas “ingressavam no patrimônio pessoal” de Bolsonaro, diz PF

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Jair Bolsonaro. Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Por Fernanda Pinotti

Investigação da Polícia Federal (PF) aponta que há indícios de que Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados atuavam para desviar presentes recebidos por ele ou por autoridades brasileiras em seu nome, de maneira a vendê-los e repassar os valores obtidos ao ex-presidente.

São citados como parte deste esquema dois ex-ajudante de ordens de Bolsonaro –tenente-coronel Mauro Cid e tenente Osmar Crivelatti–, o pai de Cid, general Mauro Lourena Cid; o assessor de Bolsonaro Marcelo Camara; e o então chefe do Gabinete de Documentação Histórica da Presidência, Marcelo da Silva Vieira.

As hipóteses criminais levantadas pela PF apontam que eles “uniram-se, com unidade de desígnios, com o objetivo de desviar, em proveito do ex-Presidente JAIR MESSIAS BOLSONARO, presentes (ao menos três conjuntos de alto valor patrimonial) por ele recebidos em razão de seu cargo, ou por autoridades brasileiras em seu nome, entregues por autoridades estrangeiras.”

“Após serem apropriados pelo ex-Presidente da República, formalmente ou não, os bens foram levados, de forma oculta, para os Estados Unidos da América, na data de 30 de dezembro de 2022, por meio de avião presidencial e encaminhados para lojas especializadas nos estados da Flórida, Nova Iorque e Pensilvânia, para serem avaliados e submetidos à alienação, por meio de leilões e/ou venda direta”, diz o relatório da PF.

Ainda segundo a PF, os recursos adquiridos com a venda ficavam “acautelados e sob responsabilidade do general da reserva MAURO CESAR LOURENA CID, pai de
MAURO CESAR BARBOSA CID, e posteriormente transferidos, em dinheiro espécie, para a posse de JAIR MESSIAS BOLSONARO.”

O uso de dinheiro em espécie, manuseado por pessoas próximas a Bolsonaro, sem utilização do sistema bancário formal, teria como objetivo ocultar a origem e a propriedade dos valores que ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente.

O pai de Mauro Cid, Mauro Lourena Cid, teria atuado como pessoa responsável por guardar os objetos dados como presentes oficiais de autoridades estrangeiras a Bolsonaro em sua residência, na cidade de Miami. Junto com seu filho, ele teria encaminhado os objetos para os estabelecimentos comerciais especializados, para que fossem vendidos ou leiloados.

Além disso, também seria Mauro Cid pai o responsável por receber os recursos decorrentes das vendas destes bens, em nome de Jair Bolsonaro.

Principais pontos da investigação

A decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes destaca os principais pontos da investigação da PF:

  • Há possibilidade de que o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) da Presidência da República tenha sido utilizado para desviar, para o acervo privado do ex-Presidente da República, presentes de alto valor, mediante determinação de JAIR BOLSONARO;
  • Há indícios de que alguns presentes recebidos por JAIR MESSIAS BOLSONARO em razão do cargo teriam sido desviados sem sequer terem sido submetidos à avaliação da GADH;
  • Há indícios de que JAIR MESSIAS BOLSONARO e sua equipe utilizaram o avião presidencial, no dia 30/12/2022, para evadir do país os bens de alto valor desviados, levando-os para os Estados Unidos;
  • Os referidos bens teriam sido encaminhados para lojas especializadas em venda e em leilão de objetos e joias de alto valor, situadas nas cidades de Miami/FL, Nova Iorque/NY e
    Willow Grove/PA.
  • Os recursos decorrentes da venda desses bens seriam encaminhados em espécie para JAIR MESSIAS BOLSONARO, evitando, de forma deliberada, não passar pelos mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal, possivelmente para evitar o rastreamento pelas autoridades competentes.

Quais objetos foram desviados?

Conforme o relatório: “A investigação identificou, portanto, até o momento, que esse modus operandi foi utilizado para retirar do país pelo menos quatro conjuntos de bens recebidos pelo ex-Presidente da República em viagens internacionais, na condição de chefe de Estado”.

Estão elencados abaixo os quatro conjuntos:

  1. Conjunto de itens masculinos da marca Chopard (chamado de “kit ouro rosé”) contendo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe (“masbaha”) e um relógio recebido pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, após viagem a Arábia Saudita, em outubro de 2021;
  2. Kit de joias (chamado de “kit ouro branco”), contendo um anel, abotoaduras, um rosário islâmico (“masbaha”) e um relógio da marca Rolex, de ouro branco, entregue ao ex-Presidente da República JAIR BOLSONARO, quando de sua visita oficial à Arábia Saudita em outubro de 2019;
  3. Uma escultura de um barco dourado, sem identificação de procedência até o presente momento, e uma escultura de uma palmeira dourada, entregue ao exPresidente, na data de 16 de novembro de 2021, quando de sua participação oficial no Seminário Empresarial da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, ocorrido na cidade de Manama, no Barhein;
  4. Um relógio da marca Patek Philippe, possivelmente recebido pelo ex-Presidente da República JAIR BOLSONARO, quando de sua visita oficial ao Reino do Bahrein em 16 de novembro de 2021.

Operação para resgatar os bens

A investigação da Polícia Federal ainda demonstra que, após o início da divulgação de matérias jornalísticas relatando o recebimento de joias da Arábia Saudita por parte do governo de Jair Bolsonaro, os envolvidos “estruturaram uma verdadeira operação para resgatar os bens, que estavam em estabelecimentos comerciais nos Estados Unidos, para retornarem ao Brasil e serem devolvidos ao governo brasileiro, tudo para cumprir uma decisão exarada pelo Tribunal de Contas da União”.

  1. O conjunto de itens masculino da marca Chopard (“kit ouro rosé”), teria sido resgatado do estabelecimento FORTUNA AUCTIONS, localizado no estado de Nova York e encaminhado, por meio do serviço de transporte de mercadorias da empresa UPS, para um endereço na cidade de Orlando/FL, local em que o ex-Presidente JAIR BOLSONARO estava hospedado. Em seguida, o kit foi transportado para o Brasil e entregue, na data de 24 de março de 2023, na agência da Caixa Econômica Federal, na cidade de Brasilia/DF;
  2. O segundo kit de joias (“kit ouro branco” formado por anel, abotoaduras, um rosário islâmico), exceto o relógio da marca Rolex de ouro branco, foi recuperado de um estabelecimento localizado na cidade de Miami/FL. MAURO CESAR CID desembarcou no dia 27 de março de 2023, pela manhã, na cidade de Fort Lauderdale/FL, pegou o kit de joias e no final do mesmo dia 27 retornou ao Brasil. Ao chegar no aeroporto da cidade de Brasilia/DF, MAURO CID entregou o kit de joias a OSMAR CRIVELATTI, assessor do ex-Presidente da República JAIR BOLSONARO. Já o relógio da marca Rolex, de ouro branco, que compunha o mesmo kit, teria sido recuperado do estabelecimento Precision Watches, localizado na cidade de Willow Grove, Pensilvânia/EUA, por uma pessoa ainda não identificada. O conjunto foi devolvido na data de 04 de abril de 2023, em uma agência da Caixa Econômica Federal;
  3. O conjunto formado por uma escultura de um barco dourado e uma escultura de uma palmeira dourada foi encaminhado para diversas lojas especializadas nos Estados Unidos para avaliação e tentativa de venda, no entanto, por não ter o valor monetário esperado pelos investigados, tornou-se frustrada as tentativas de alienação, ficando os bens sob guarda de MAURO CESAR LOURENA CID;
  4. O relógio da marca Patek Philippe Calatrava foi levado para os Estados Unidos e vendido para o estabelecimento comercial PRECISION WATCHES na data de 13 de junho de 2022, juntamente com o relógio Rolex do segundo kit, pelo montante de US$ 68.000,00. Até o momento, não há indícios de que tenha sido recuperado pelos investigados.

O que diz a defesa de Bolsonaro

O advogado Fábio Wajngarten, que atua na defesa de Jair Bolsonaro, disse que ele e seus colegas do time jurídico do ex-presidente não sabiam da operação de recompra de um relógio Rolex nos Estados Unidos.

De acordo com Wajngarten, que foi secretário de comunicação do governo Bolsonaro, ele estava dando uma orientação jurídica a Cid sobre como proceder, mas desconhecia o paradeiro das joias.

“A defesa não sabia. Eu estava ali para orientá-los a se antecipar a uma decisão que o TCU tomaria, pegar as joias e entregar. Só isso. Eu não sabia onde elas estavam”, afirmou.

Questionado o motivo de não ter perguntado o paradeiro das joias, Wajngarten afirmou que não cabia a ele essa pergunta naquele momento.

A reportagem aguarda posicionamentos dos demais envolvidos.

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