Volkswagen é acusada de trabalho escravo durante a ditadura, e MPT pede R$ 165 mi em indenização

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Volkswagen Polo 2024 — Foto: Divulgação/VW

A Volkswagen está sendo processada sob a acusação de trabalho escravo nas décadas de 1970 e 1980. A ação civil pública foi formalmente apresentada pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) ao Judiciário nesta quarta-feira (4) e pede indenização no valor de R$ 165 milhões.

A montadora é acusada de trabalho escravo, tráfico de pessoas e violações dos direitos humanos dos trabalhadores na fazenda Vale do Rio Cristalino, conhecida como fazenda Volkswagen, no município de Santana do Araguaia (PA), entre os anos de 1974 e 1986.

A propriedade pertence à CVRC (Companhia Vale do Rio Cristalino Agropecuária Comércio e Indústria), uma subsidiária da Volkswagen, e era usada pela empresa para criação de gado e extração de madeira durante a ditadura militar.

Procurada, a montadora disse que não foi notificada e não comenta processos em andamento.

“A Volkswagen do Brasil informa que ainda não foi formalmente notificada, razão pela qual não teve acesso ao teor da ação iniciada pelo Ministério Público Federal do Trabalho e não comenta processos em andamento”, diz nota.

Segundo o processo, que tem 125 páginas, o local era um “dos maiores empreendimentos rurais da região amazônica, iniciado na década de 1970 e subsidiado pelo governo militar, sobretudo por meio da Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) e do Basa (Banco da Amazonia S/A)”.

As denúncias chegaram ao MPT em 2019, levadas pelo padre Ricardo Rezende Figueira, que foi coordenador da CPT (Comissão Pastoral da Terra) para a região do Araguaia e Tocantins da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) na época.

No pedido feito à Justiça, os procuradores pedem prioridade no julgamento da ação, solicitam que a empresa reconheça as violações ocorridas e peça desculpas públicas à sociedade brasileira, além de pagar a multa. O valor deve ser direcionado para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) ou para alguma entidade “socialmente relevante”, com a finalidade de repor os bens lesados.

Na época, segundo a denúncia, a fazenda mantinha cerca de 300 empregados diretos, incluindo profissionais para funções administrativas, vaqueiro, segurança e fiscais, entre outras. Para o serviço de roçagem e derrubada, no entanto, o trabalho era feito de forma análoga à escravidão por trabalhadores sem vínculos empregatícios.

A fazenda Volkswagen tinha mais de 139 mil hectares. A vegetação nativa foi transformada em áreas de pasto por meio de queimadas e desmatamentos feitos por empreiteiros chamados de “gatos”, diz o processo. Esses profissionais seriam os responsáveis por recrutar os lavradores em pequenos municípios no interior dos estados de Mato Grosso, Goiás e no que é hoje o Tocantins.

“As denúncias de tráfico de pessoas e trabalho escravo se referem, em particular, a esses lavradores aliciados por empreiteiros a serviço da CVRC para roçar e derrubar mata na fazenda Volkswagen”, diz o MPT.

Os “gatos” ofereceriam trabalho para vários homens, em especial adolescentes, com promessas como bom salário, vínculo de emprego com a montadora e outras vantagens. Era comum deixar dinheiro adiantado com a família dos trabalhadores.

Os jovens eram levados em paus de arara, que eram vigiados por homens armados. Ao chegar ao local, muitas vezes, eram vendidos para outros “gatos”, proibidos de ir e vir e forçados a trabalhar sob o argumento de que já tinham dívidas de transporte e até mesmo de comida com a fazenda.

As frentes de trabalho ficavam a cerca de 80 km da entrada da fazenda. Eram comuns, segundo a denúncia, violência, jornadas extenuantes, golpes de facão, humilhações e até disparo de armas de fogo. Há relatos de desaparecimentos.

Ao chegar à fazenda, de acordo com o MPT, os profissionais eram obrigados a comprar uma lona e construir a própria moradia precária. A comida era comprada em uma cantina no local e eles nunca conseguiam quitar as dívidas, dizem os relatos.

“Os peões comiam de pé, ou sentados no chão, a comida que haviam cozinhado de madrugada. Toda a água consumida vinha de um córrego de duvidosa potabilidade. Não havia instalações sanitárias nos barracos ou na frente de trabalho. Os trabalhadores ficavam expostos a todo tipo de intempérie e a animais selvagens e peçonhentos. Quase todos foram infectados por malária e muitos sofriam acidentes de trabalho com foices, facões e motosserra”, diz a denúncia.

A Volkswagen foi procurada pelo MPT durante o período de inquérito e foi oferecida a oportunidade de fechar um acordo, com o pagamento da multa de R$ 165 milhões. Em março de 2023, porém, a montadora se retirou da mesa de negociação.

Veja a nota da Volkswagen enviada em 2023

O Ministério Público Federal do Trabalho iniciou um processo administrativo contra a Volkswagen do Brasil, em 2019, e notificou a empresa apenas três anos após o início das investigações.

A Volkswagen do Brasil rejeita todas as alegações apresentadas nos registros da presente investigação sobre a Fazenda Vale do Rio Cristalino e não concorda com as declarações unilaterais dos fatos apresentados por terceiros.

A empresa reforça o compromisso com a responsabilidade social, continua comprometida com os valores éticos e continuará participando e contribuindo para as adequadas condições de trabalho dos seus empregados, bem como para a evolução positiva da sociedade.

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