Ação contra Alcolumbre sobre jatinho patina sem dados de empresa beneficiada por emenda
Uma ação aberta contra o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Amapá por suposto abuso de poder econômico deve ser arquivada por falta de informações prestadas à Justiça.
O caso investiga se Alcolumbre usou dois jatinhos da empresa Saúde Link, beneficiada com recursos de emenda do parlamentar, durante a sua campanha ao Senado em 2022, sem declarar na prestação de contas eleitorais.
A empresa, no entanto, afirmou à Justiça que não tem a lista de passageiros que voaram em suas aeronaves no período investigado. Argumentou, além disso, que aviões particulares não estão sujeitos a requisitos de documentação e registro de passageiros estabelecidos pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
“Por essa razão, as informações e documentos solicitados não podem ser apresentados, uma vez que o mesmo não mais detém e/ou está na posse dos mesmos”, respondeu a empresa.
Alcolumbre é favorito para vencer a eleição para a presidência do Senado, no dia 1º de fevereiro. O parlamentar do Amapá já presidiu a Casa de 2019 a 2020, quando passou a acumular influência política no Congresso e na distribuição de emendas parlamentares, principalmente para seu estado.
A investigação pelo uso dos aviões foi aberta a pedido de Rayssa Furlan (MDB), candidata derrotada por Alcolumbre na eleição de 2022. Ela acusou o parlamentar de usar os jatinhos, sem prestar contas em sua declaração de gastos, e pediu a cassação de seu mandato. O senador nega as acusações da adversária.
No processo, foram anexados documentos da FAB (Força Aérea Brasileira) que mostram rotas das aeronaves citadas, entre Macapá e Brasília, além de pouso e decolagem no aeródromo Hangar Comandante Salomão Alcolumbre, que pertence à família do senador.
Procurada, a assessoria de Alcolumbre não respondeu se o senador usou ou não as aeronaves citadas no processo. Afirmou, apenas, que a data de julgamento ainda precisa ser confirmada pelo tribunal.
A empresa foi responsável por executar o programa Mais Visão, iniciado em 2020 por um convênio do Governo do Amapá com a ONG Centro de Promoção Humana Frei Samarate, conhecida como Capuchinhos.
Uma publicação no portal do governo do estado afirma que o programa recebeu R$ 6,4 milhões em emendas de Alcolumbre. Neste caso, a verba indicada pelo senador é destinada ao órgão público responsável pela execução da ação —o Governo do Amapá.
Na mesma página, há também uma foto do senador com o então governador Waldez Góes, aliado do parlamentar e atual ministro da Integração e Desenvolvimento Regional do governo Lula (PT).
Em seu site oficial, o senador se intitula idealizador do Mais Visão, com registros de sua visita a um posto de atendimento no município de Tartarugalzinho (AP). O programa também foi explorado em seu material de campanha em 2022.
Além disso, a publicação afirma que a implantação do Mais Visão “só se tornou realidade por causa da destinação das emendas parlamentares do senador Davi para o projeto”.
“Eu costumo dizer que o Mais Visão é um dos meus sonhos mais especiais, que se tornaram realidade para o estado porque ele devolve para as pessoas a visão, a autoestima, a autoconfiança, a independência e a autonomia”, afirma o senador no texto.
O Mais Visão também se tornou alvo de uma investigação do Ministério Público do Amapá depois que pacientes perderam o globo ocular devido a uma infecção adquirida num mutirão de cirurgias do programa. De 141 pessoas atendidas, 104 apresentaram complicações pós-operatórias, incluindo 40 casos graves.
Em setembro do ano passado, o juiz relator do caso no TRE do Amapá, Carlos Augusto Tork, afirmou que “várias diligências foram determinadas com vistas à obtenção das informações requeridas nos autos da ação”.
Ele acrescentou que, apesar dos esforços da Justiça, “várias delas mostraram-se infrutíferas pela impossibilidade de fornecimento dos dados ou por inércia dos órgãos oficiados”.
A Anac afirmou, no processo, que a lista de passageiros não é requerida a operadores privados e que as áreas técnicas da agência não mantêm informações nominais sobre passageiros transportados, “não sendo possível atender” à solicitação feita pelo juiz do caso.
A Infraero também respondeu que não tinha as informações, pois, conforme regulamentação da Anac, “os
administradores de aeroportos não têm a obrigação de realizar a identificação civil de passageiros”.
O hangar do estado do Amapá e o Aeroporto Internacional de Brasília também informaram não ter imagens das câmeras que pudessem registrar o pouso e desembarque dos passageiros das aeronaves.
O Ministério Público Eleitoral apontou que a demora e a falta de provas não justificavam “o prolongamento da instrução processual, sobretudo diante da necessidade de observância da razoável duração do processo eleitoral”, de acordo com o juiz.
No dia 13 de dezembro, Tork determinou a inclusão da ação na “primeira sessão” após o recesso do tribunal, “a ser realizada no mês de fevereiro de 2025”. Ainda não há data definida para o julgamento, mas ela ocorrerá após a eleição da presidência no Senado, da qual Alcolumbre deve sair vitorioso.
A assessoria de Alcolumbre afirmou que ainda aguardava a confirmação do tribunal sobre uma data para o julgamento.
Nos autos do processo, a defesa do senador declarou que o aeródromo Salomão Alcolumbre não é utilizado exclusivamente pela família do parlamentar e que, em busca no Instagram, “é notável a presença de centenas de fotografias, quase todas relacionadas à prática de paraquedismo” no local.
Também afirmou que já foram realizadas dezenas de diligências, sem que fosse apontado sequer um indício do suposto uso indevido e que, “diante da não obrigatoriedade de lista de passageiros por parte da empresa, enquanto operadora privada, o pedido se mostra também inócuo”.
“Não há qualquer prova ou indício de utilização de avião pelo candidato Davi”, disse.
A empresa e o governo do estado não responderam aos contatos do portal, feitos por email e por telefone.
No processo, a defesa da Saúde Link afirmou que a exigência de uma prova impossível de ser produzida, em razão de ela não existir, “afasta qualquer possibilidade de responsabilização ou mesmo condenação pelo crime de desobediência de ordem judicial”.