Armas: nova bancada da bala critica decreto de Lula. “Catastrófico”
Redação 9 de janeiro de 2023 0Por Daniela Santos
Ativistas pró-armas reagiram ao decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que revoga medidas do governo Jair Bolsonaro (PL) e impõe restrições ao acesso a armas no país. O documento, entre outras determinações, suspende novos registros de caçadores, colecionadores, atiradores (CACs) e de clubes de tiros, proíbe o chamado porte de trânsito e restringe a quantidade de armas e munições que uma pessoa pode adquirir.
“O que podemos antecipar é que dentro de menos de um ano, o setor deixa de existir por total asfixia econômica”, avalia Marcos Pollon (PL-MS), deputado federal eleito por Mato Grosso do Sul e fundador do Proarmas, uma das principais associações da área.
Em linhas gerais, o que prevê o decreto:
— Suspende os registros para a aquisição e transferência de armas e de munições de uso restrito por caçadores, colecionadores, atiradores e particulares;
— Restringe os quantitativos de aquisição de armas e de munições de uso permitido;
— Suspende a concessão de novos registros de clubes e de escolas de tiro;
— Suspende a concessão de novos registros de colecionadores, de atiradores e de caçadores;
— Institui grupo de trabalho para apresentar nova regulamentação à Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento.
O documento define um prazo de 30 dias para a indicação dos membros titulares do grupo e mais 60 para a conclusão dos trabalhos — período que pode ser prorrogado. A nova regulamentação ainda precisa passar por avaliação do ministro da Justiça.
Inviabilidade
Pollon afirma que as novas regras vão inviabilizar a prática do tiro desportivo, a venda de armas e o funcionamento dos clubes. Critica, ainda, a demora para a estabelecer uma nova regulamentação para o tema. “Com essa ausência de regulamentação por, pelo menos seis ou sete meses, o setor vai sangrar até deixar de existir”, argumenta.
Ele também condena a falta de diálogo do novo governo com representantes da área sobre o impacto das medidas na indústria. “O que mais assusta é a total ausência de respeito aos preceitos democráticos e a condenação de mais de três milhões de empregos à total destruição econômica”, sustenta.
Com a nova medida, o total de munições que o CAC pode adquirir passou de 5 mil para 600. Além disso, a quantidade de armas permitidas por pessoa foi de 60 — sendo 30 de uso restrito — para três, proibindo a compra e venda de equipamentos de uso restrito.
O governo também determinou o registro de todas as armas no sistema da Polícia Federal, o Sistema Nacional de Armas (Sinarm). A medida abarca inclusive os CACs, que cadastravam seus equipamentos no sistema do Exército. Na prática, o controle passa a ser também dos policiais federais, que costumam ser mais rigorosos sobre a aprovação dos registros.
Porte de trânsito
Um dos pontos mais criticados pelos entusiastas de armas é a extinção do chamado porte de trânsito. Na legislação anterior, os CACs podiam se deslocar entre a residência e os clubes de tiro com armas municiadas. Com o novo decreto, essa autorização cai.
Na prática, o trecho era interpretado como um “porte de arma para CACs”, já que quando se era abordado pela polícia, por exemplo, era possível justificar que se estava a caminho de um clube de tiro.
Em um artigo de novembro, o Laboratório de Dados Fogo Cruzado mostrou em um artigo que alguns estabelecimentos do tipo começaram a funcionar 24 horas, o que serviria de justificativa para esse porte em trânsito.
O policial civil e deputado federal eleito Paulo Bilynskyj (PL-SP) afirma que a decisão desestimula a prática do tiro esportivo. “Como é que o atirador vai de casa até o clube com duas, três, quatro armas dentro do carro sem nenhuma para poder se defender. O que vai acontecer? O cidadão de bem não vai mais para o clube”, argumenta.
“É catastrófico. Nenhum governo democrático que respeita as liberdades individuais do cidadão desarma o seu povo”, defende Bilynskyj.
Setor paralisado
No mesmo sentido, Sérgio Bittencourt, presidente da Confederação Brasileira de Tiro Defensivo e Caça (IDCS) e dono de um clube de tiro e de uma loja de armas em Minas Gerais, pontua que o porte de trânsito trazia segurança para o atirador. “A questão da ida ao clube de tiro dessa forma [com a arma sem munição] traz risco para a própria sociedade. Porque basta o bandido ir para a porta do clube e roubar as armas.”
Ele diz que já sente os efeitos do decreto no estabelecimento que gerencia. Entre os 18 funcionários, nove entraram em aviso prévio após a determinação do novo governo. O faturamento caiu cerca 80% a 90% em relação ao normal.
O empresário aponta a limitação dos equipamentos e a proibição do porte de trânsito como as principais medidas que afetaram o setor. Segundo ele, em uma prova de tiro são gastas entre 150 a 300 munições. Além disso, os esportistas costumam comprar diferentes tipos de armas que desempenham funções distintas.
“A maior parte das pessoas que são CACs estão engessadas porque já estouraram os limites que foram impostos. Por isso, o segmento deu essa parada toda”, afirma Bittencourt.
“Você não consegue vender arma porque a Polícia Federal indefere todos os pedidos. O camarada que iria adquirir uma arma pelo Exército não consegue ser CAC. Então, você ficou com o segmento todo estrangulado”.
O empresário defende ainda a despolitização do tema. “Cabe ao governo tratar isso como uma forma de controle, que é necessário, mas sem politizar a coisa. O próprio governo poderia fazer os ajustes que achar necessário, mas sem tratar o segmento com revanchismo.”
Bancada da bala
Um levantamento do Fórum de Segurança Pública apontou o crescimento 28,5% da bancada da bala na Câmara dos Deputados. Entre 2018 e 2022, o número de parlamentares policiais ou oficiais das Forças Armadas passou de 28 para 36.
No levantamento feito pelo fórum, 17 dos 36 deputados são do PL. Estão nessa relação políticos reeleitos, casos de Capitão Augusto (SP) – coordenador da bancada – e General Girão (RN). além de nomes novos, como o General Pazuello (PL-RJ) e a volta de Alberto Fraga (PL-DF).
Somando esse grupo com os CACs, e outros defensores dessas ideias, a bancada pode chegar até 50 deputados.
O deputado federal eleito Marcos Pollon defende que, assim que assumir o mandato, no início de fevereiro, vai adotar “todas as medidas cabíveis” para frear os impactos do decreto no mercado de armas.
Estudiosos discordam
Apesar das críticas do segmento, especialistas em segurança pública, no entanto, veem o decreto como uma ação importante para barrar a violência cometida por armas de fogo.
“(O decreto) dá sinalizações importantes, sobre vedar acesso a armas de uso restrito, proíbe porte de trânsito. Já sinaliza para reduções de quantidades de armas e munições (trazendo exceções para atletas que de fato competem e precisam de mais munições), e cria um GT com liderança do MJSP que é uma grande mensagem sobre o impacto deste tema no crime organizado e segurança pública”, afirmou Bruno Langeani, autor do livro “Armas de Fogo no Brasil: Gatilho da violência” e gerente do Instituto Sou da Paz.
O policial federal Roberto Uchoa, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, defendeu a proibição do porte de trânsito em entrevista ao Boletim Metrópoles, no dia 2 de janeiro. “Esse decreto faz com que, imediatamente, cerca de 700 mil pessoas deixem de circular armadas pelas cidades”, disse.
Explosão de CACs
Em agosto, um levantamento dos institutos Igarapé e Sou da Paz, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), aponta que o número de armas de fogo nas mãos dos caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) atingiu a marca de um milhão no Brasil.
De acordo com a pesquisa, durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL), entre 2019 e 2022, o aumento de armas nas mãos dos CACs foi de 187% em relação a 2018.
Todo o arsenal registrado está dividido entre 673,8 mil CACs, segundo registros militares. São, aproximadamente, 15 armas para cada colecionador, atirador ou caçador no Brasil.