As controversas relações entre Elon Musk e líderes estrangeiros
Por Sam Cabral, da BBC
Ele se “impressionou muito” com Emmanuel Macron. Narendra Modi já o considera “um fã”. E Benjamin Netanyahu mudou o roteiro de uma das suas viagens para encontrá-lo.
Diversos líderes estrangeiros em viagens recentes aos EUA, incluindo em visitas oficiais de Estado a convite da Casa Branca, adicionaram reuniões com Elon Musk às suas agendas.
Só neste ano, o homem mais rico do mundo se reuniu com os chefes da França, Itália, Índia, Coreia do Sul – e, apenas nos últimos dois dias, teve encontros com os líderes da Turquia e de Israel.
Mas embora o bilionário esteja mais popular do que nunca, não há “amor” entre ele e a administração de Joe Biden.
E à medida que o alcance político de Musk se expande, inclusive na abordagem de questões geopolíticas sensíveis, cresce o desconforto relativo ao poder de Musk.
Encontros com líderes
Alguns líderes estrangeiros buscam dar um impulso econômico e desenvolver a indústria de veículos eléctricos em seus países com a instalação de novas fábricas da Tesla ou com investimentos em infraestrutura a partir dos serviços de internet por satélite da SpaceX, desenvolvidos pelo projeto chamado de Starlink.
Outros marcaram reuniões para discutir o X, a rede social de propriedade de Musk anteriormente conhecida como Twitter, ou o futuro da inteligência artificial.
O presidente francês, Emmanuel Macron, cortejou o magnata da tecnologia em três encontros desde dezembro, em uma ofensiva impulsionada pelo desejo da instalação de uma nova grande fábrica da Tesla em seu país.
Apelos semelhantes vieram da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, em junho, e do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, no último domingo, em Nova York.
E embora Musk estivesse em Nova York antes da Assembleia Geral das Nações Unidas desta semana, o primeiro-ministro israelense Netanyahu se deslocou até a Califórnia para uma reunião com ele sobre IA na segunda-feira (18/9).
O encontro teve ainda como pano de fundo a rivalidade latente de Musk com a Liga Antidifamação (ADL, na sigla em inglês), uma organização judaica americana de direitos civis.
A ADL e outros grupos divulgaram relatórios indicando que o discurso de ódio cresceu dramaticamente no X desde que Musk comprou a rede social no ano passado e mudou suas regras de moderação.
Netanyahu – que já tuitou admiração pela “genialidade e impacto de Musk na humanidade” – encorajou o bilionário em sua conversa transmitida ao vivo na segunda-feira a “encontrar o equilíbrio” entre proteger a liberdade de expressão e punir o discurso de ódio.
Não foi a primeira vez que Musk teve que responder por preocupações com o X desde que assumiu.
Sua reunião com o primeiro-ministro indiano Modi, em junho, ocorreu na esteira da alegação do ex-CEO do Twitter, Jack Dorsey, de que o governo indiano havia ameaçado banir a rede social no país se a empresa não cumprisse as ordens judiciais locais de remoção de conteúdos.
Funcionários da era pré-Musk da empresa resistiram em grande parte a tais exigências, mas Musk disse que não seria possível.
“Se não obedecermos às leis do governo local, seremos encerrados, por isso o melhor que podemos fazer é respeitar a lei de qualquer país, mas é impossível fazermos mais do que isso ou seremos bloqueado e nosso povo será preso”, disse ele aos repórteres após a reunião com Modi.
A crescente influência política de Musk
Embora muitas destas reuniões tenham se concentrado nos interesses comerciais de Musk, elas ocorrem em um momento em que ele exerce – cada vez mais, segundo ele mesmo – influência sobre a geopolítica global.
Declarações recentes do empresário nascido na África do Sul chegaram a ser interpretadas como uma afronta aos interesses dos EUA, bem como aos do Ocidente global em geral.
Na semana passada, ele deixou as autoridades taiwanesas furiosas ao fazer comentários aparentemente improvisados sobre o conceito de “uma só China” de Pequim, insinuando que a ilha autogovernada é “análoga ao Havaí ou algo parecido, uma parte integrante da China’.”
O ministro das Relações Exteriores de Taiwan, Joseph Wu, respondeu no X: “Escute, Taiwan não faz parte da RPC (República Popular da China) e certamente não está à venda!”.
A briga alimentou as acusações dos críticos de Musk de que ele é rápido em concordar com as exigências de outros países, mesmo quando são adversários dos EUA.
“Espero que Elon Musk também possa pedir ao Partido Comunista da China que libere o X para uso do seu povo”, escreveu Wu. “Talvez ele pense que proibi-lo seja uma boa política, como desligar a Starlink para impedir o contra-ataque da Ucrânia contra a Rússia.”
A alegação sobre o Starlink – de que Musk “pediu secretamente aos seus engenheiros para desligarem a cobertura” para evitar um ataque ucraniano à frota naval russa na Crimeia – preocupou os aliados dos EUA.
O biógrafo Walter Isaacson afirmou, em um trecho de seu livro sobre Musk, que o dono do X desligou intencionalmente o sistema de comunicação Starlink, usado pelas tropas da Ucrânia, no momento que drones submarinos do país atacavam frotas da Rússia na região da Crimeia.
Mas em meio à forte resistência de Musk, Isaacson recuou em suas afirmações quando o livro chegou às prateleiras, escrevendo no X que a cobertura do Starlink na Crimeia sequer chegou a ser habilitada.
Nem Isaacson nem Musk responderam aos pedidos de comentários da BBC sobre o tema.
O livro de Isaacson, no entanto, afirma em outro trecho que, antes de Musk tomar a sua decisão, o embaixador da Rússia nos EUA “lhe disse explicitamente que um ataque ucraniano à Crimeia levaria a uma resposta nuclear”.
E depois de ter tuitado uma proposta de paz no ano passado que levou uma autoridade ucraniana a questionar se ele havia “sido hackeado pelos russos”, o cientista político Ian Bremmer afirmou que Musk tem mantido contato direto com o Kremlin.
“Elon Musk me disse que havia conversado diretamente com Putin e com o Kremlin sobre a Ucrânia. Ele também me disse quais eram os limites do Kremlin na guerra”, escreveu ele no X.
Musk negou a afirmação, mas Bremmer a reiterou. “Há muito tempo admiro Musk como um empresário único e que muda o mundo, algo que já disse publicamente. Mas ele não é um especialista em geopolítica.”
No mês seguinte, quando questionado se Musk representava uma ameaça à segurança nacional dos EUA, o presidente Biden respondeu que a sua “cooperação e/ou relações técnicas com outros países merecem ser analisadas”.
Esta é a ponta do iceberg de uma relação complexa. Enquanto a Casa Branca tende a evitar mencionar a Tesla em seus pronunciamentos sobre a indústria de veículos elétricos, Musk trava discussões com alguns dos principais democratas americanos nas redes sociais, dizendo que ele “não pode mais apoiar” o partido e flertando com os principais adversários republicanos.
Ashlee Vance, biógrafo de Musk que acompanha sua vida há mais de uma década, argumenta que Musk tem se sentido frustrado e subestimado.
“Ele é um cara que gosta de falar muito, ele acha que está sempre certo e não gosta que as coisas fiquem no seu caminho”, disse Vance à BBC.
A mudança da imagem pública de Musk
O grande sucesso da Tesla e da SpaceX ajudou Musk a passar de um gênio inovador a uma celebridade.
“Nesse período de cerca de 25 anos, pode-se argumentar que ele realizou mais do que qualquer outro ser humano”, disse Vance.
“Ele se destaca na história por fazer isso em diferentes setores em uma escala incomparável.”
Mas a riqueza crescente e a evolução política de Musk ao longo dos últimos anos também se articularam com uma imagem pública mais controversa e polarizadora, impulsionada em parte pela sua personalidade online agressiva.
“Ele sempre foi um cara que tinha muita certeza de suas opiniões e não tinha pudor de expressá-las”, disse Vance.
“Ele costumava jogar dos dois lados para beneficiar suas empresas. Ele era bastante metódico, não falava muito sobre política e, sempre que falava, era sobre questões como a mudança climática.”
Desde 2017 ou 2018, porém, o bilionário começou a transformar sua personalidade pública, diz ele.
“Ele diz tudo o que lhe vem à cabeça. Ele está alienando as pessoas sem motivo. Ele está se prejudicando num momento em que suas empresas estão realmente indo muito bem.”
“Pessoalmente, ele não é o personagem do Twitter”, continuou Vance. “Com o tempo, ele se tornou mais sociável, é extremamente racional e interessante e é uma pessoa muito diferente.”
Noam Cohen, ex-colunista de tecnologia do New York Times e autor de The Know-It-Alls: The Rise of Silicon Valley as a Political Powerhouse and Social Wrecking Ball (‘Os Sabe-tudo: a ascensão do Vale do Silício como uma potência política e uma bola de demolição social’, em tradução literal), tem uma visão um pouco diferente.
Ele acredita que a ambição e a visão singulares de Musk fizeram dele um super-realizador nos negócios, bem como uma força “quase governamental”.
Segundo ele, Musk combinou o “físico” – grandes fábricas, muitos funcionários e produtos valiosos – com o “digital” – o controle sobre como a informação se espalha.
E nenhum outro titã da tecnologia, como Mark Zuckerberg ou Jeff Bezos, conseguiu se igualar, diz Cohen.
“Se ele não tivesse comprado o Twitter, estaríamos falando dele? Se ele fosse apenas o dono de uma empresa multinacional, seria normal que, se quisesse abrir fábricas na China, se reunisse com lideranças locais.”
E, no entanto, acrescenta Cohen, Musk caiu em muitas das mesmas armadilhas que os seus colegas do Vale do Silício.
“Eles basicamente veem o mundo da mesma maneira: estamos cada um por si, não há rede de segurança social, você tem que trabalhar duro e só os melhores chegam ao topo”, disse Cohen.
“É uma combinação de ganância e uma mentalidade básica que vê a inteligência como o fator mais importante e acredita que as pessoas mais inteligentes deveriam governar o mundo.”
Cohen diz que o fato de Musk e outros magnatas não eleitos poderem tomar decisões unilaterais com consequências geopolíticas significativas é um alerta sobre os riscos da concentração de riqueza e o declínio da democracia.
“É aceitável que ele esteja em uma posição onde possa decidir se os satélites serão ligados ou não? É aceitável que ele decida os temas do debate público?” ele perguntou.
“Só porque você é bom em programação ou negócios, isso significa que você é bom em estabelecer regras sobre como o mundo deveria funcionar?”