Assassinato de Rabin, há 30 anos, traz paralelos com o dilema atual de Israel; entenda
Retrato do ex-primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin na Praça Rabin, em Tel Aviv, durante vigília com 25 mil velas - Jack Guez - 29.out.2020/AFP
Enquanto ainda vivem as consequências dos atentados terroristas de 7 de outubro de 2023, israelenses e palestinos se lembram nesta semana de um outro evento: o assassinato de Yitzhak Rabin, em 4 de novembro de 1995. As duas datas, que mudaram a história do Oriente Médio, estão conectadas.
Nos anos 1990, o então primeiro-ministro israelense Rabin negociava a paz com os palestinos. Assinou, em 1993, os Acordos de Oslo, que levaram à criação da Autoridade Nacional Palestina. A possibilidade de um Estado palestino parecia real. Isso até o israelense Yigal Amir baleá-lo nas costas, em Tel Aviv — aquele disparo reverbera até hoje, 30 anos depois.
O assassinato de Rabin foi um entre tantos atos de terrorismo cometidos por extremistas israelenses e palestinos naquela época, diz Gershom Gorenberg. Como resultado, a solução para o conflito tornou-se cada vez mais inviável. As correntes radicais de ambos os lados se fortaleceram.
“O objetivo desses ataques era levar as pessoas aos extremos e impedir que encontrassem uma solução moderada”, diz Gorenberg. Historiador e jornalista, ele é autor de diversos livros, entre eles “The Accidental Empire” (o império acidental), que trata dos assentamentos israelenses.
No ano seguinte, quando os israelenses voltaram às urnas, o sucessor de Rabin, Shimon Peres, perdeu as eleições para Binyamin Netanyahu. Desde então, com alguns intervalos, Netanyahu seguiu no comando do país —e distanciou seu governo cada vez mais das negociações de paz.
A carreira de Rabin abrangeu a história moderna de Israel. Lutou na guerra de 1948, que levou ao estabelecimento do Estado e à expulsão de 700 mil palestinos. Participou também da Guerra dos Seis Dias, em 1967, que culminou na ocupação israelense da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Em 1974, foi eleito premiê pela primeira vez, governando até 1977. Mas foi o segundo mandato, iniciado em 1992, que marcou sua trajetória. Pela sua liderança nos Acordos de Oslo, tanto Rabin quanto o líder palestino Yasser Arafat (1929-2004) receberam o Prêmio Nobel da Paz de 1994.
A possibilidade de paz com os palestinos gerou atritos na sociedade israelense, com a oposição de forças da direita e de ultraortodoxos. Em 1994, um colono americano-israelense matou 29 pessoas em uma mesquita de Hebron. O grupo terrorista Hamas, surgido na década anterior, também se opunha às negociações de paz e tentava impedi-las com seus atentados.
Desde o assassinato de Rabin, a centro-esquerda israelense foi incapaz de produzir um novo líder carismático, diz o jornalista Ehud Yaari, que cobre a região desde os anos 1960. A exceção foi Ehud Barak, que foi primeiro-ministro de 1999 a 2001, o último da esquerda até hoje no país.
Barak, que havia integrado o gabinete de Rabin, tentou implementar seu próprio plano de paz em 2000. Os tempos eram outros, porém, com muito mais ceticismo de ambos os lados. A proposta de Barak, além disso, não satisfez Arafat, que a recusou. Entre diversas razões, porque Israel não permitiria o retorno dos refugiados palestinos.
Nesse sentido, a hegemonia de Netanyahu é mais um sintoma do enfraquecimento da centro-esquerda do que do fortalecimento da direita, afirma Yaari. Hoje, para governar, Netanyahu precisa do apoio de uma série de facções da ultradireita messiânica, o que torna sua coalizão frágil.
Israel caminha agora para eleições em algum momento do próximo ano. A data ainda não foi acordada, mas, por lei, deve ocorrer ainda em 2026. Resta ver se, desta vez, os oponentes de Netanyahu vão conseguir reconquistar o eleitorado. Não há, por ora, um nome claro na esquerda.
Para Yaari, aquela ideia proposta por Rabin nos anos 1990 —dois Estados convivendo em paz— permanece válida. “A visão de que temos que dividir esta terra ainda é poderosa”, afirma. Será bastante mais difícil implementá-la, porém. Em parte, devido à força dos radicais.
“Há hoje muito mais desconfiança e um histórico mais longo de conflito do que em 1995”, diz Gorenberg. “Mas a proposta de Rabin ainda é a maneira mais prática e mais esperançosa para imaginarmos um mundo que permita que israelenses e palestinos deem um futuro a seus filhos.”
