Bice, o pitbull que ajuda crianças a lidarem com traumas da guerra na Ucrânia

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Um dos meninos que participaram da terapia posa com Bice, Kiev, Ucrânia, dezembro de 2022 — Foto: AP Photo/Vasilisa Stepanenko

Por Eduardo Castillo, Associated Press

Bice é um pitbull terrier americano com um trabalho importante e delicado na Ucrânia — confortar crianças traumatizadas pela guerra com a Rússia.

O brincalhão cachorro cinza de 8 anos chegou no início de dezembro a um centro de reabilitação nos arredores da capital ucraniana, pronto para iniciar suas funções.

Enquanto Bice esperava em um corredor, dentro do que parecia ser uma sala de aula com pinturas e alguns livros, uma dúzia de crianças estavam sentadas ao redor de uma mesa ouvindo Oksana Sliepova, uma psicóloga.

“Quem tem cachorro?”, ela perguntou e várias mãos se levantaram ao mesmo tempo enquanto o espaço se enchia de gritos de “eu, eu, eu!”.

Um jovem disse que seu cachorro se chamava Stitch; “Tanque”, disse outro menino, acrescentando que ele tem um total de cinco, mas esqueceu todos os nomes. Todos caíram na gargalhada.

As sete meninas e nove meninos, com idades variando de 2 a 18 anos, parecem como crianças em idade escolar curtindo a aula. Mas eles têm histórias particulares. Alguns testemunharam os soldados russos invadirem suas cidades natais e espancarem seus parentes. Outros são filhos, filhas, irmãos ou irmãs de soldados que estão nas linhas de frente ou foram mortos nelas.

Eles se reúnem no Centro de Reabilitação Social e Psicológica, um centro comunitário administrado pelo estado onde as pessoas podem obter ajuda para lidar com experiências traumáticas após a invasão da Rússia em fevereiro. Os funcionários fornecem terapia psicológica regular para qualquer pessoa que tenha sido afetada de alguma forma pela guerra.

No passado já trabalharam com cavalos, mas agora contam com o apoio de outro amigo de quatro patas: um cãozinho.

Localizado em Boyarka, um subúrbio a cerca de 20 quilômetros a sudoeste de Kiev, o centro foi criado em 2000 como parte de um esforço para dar apoio psicológico às pessoas afetadas, direta ou indiretamente, pela explosão na usina nuclear de Chernobyl em 1986.

Agora, concentra-se nas pessoas afetadas pela guerra. Hoje em dia, quando algumas áreas estão sem energia após os ataques russos à infraestrutura de energia ucraniana, o prédio de dois andares é um dos poucos lugares com luz e aquecimento.

Com as crianças reunidas, algumas usando chapéus festivos de Natal azuis ou vermelhos, Sliepova perguntou cautelosamente se queriam conhecer alguém. “Sim”, eles responderam. A porta se abriu. Os rostos das crianças brilharam. Eles sorriram.

E entrou Bice, o terapeuta que abana o rabo.

Darina Kokozei, dona e cuidadora do cachorro, pediu que as crianças viessem uma a uma, para pedir que ele fizesse uma ou duas brincadeiras. Ele sentou. Ele se levantou sobre as patas traseiras. Ele estendeu uma pata e rolou. Em seguida, um abraço em grupo e algumas guloseimas saborosas para o cãozinho.

Por mais de 30 minutos, Bice deixou que todos o tocassem e abraçassem, sem nunca latir. Era como se nada mais importasse naquele momento, como se não houvesse nada com que se preocupar — como, digamos, uma guerra devastando seu país.

Crianças traumatizadas pela guerra brincam com um Bice no Centro de Reabilitação Social e Psicológica em Boyarka, perto de Kiev, Ucrânia, dezembro de 2022 — Foto: AP Photo/Vasilisa Stepanenko
Crianças traumatizadas pela guerra brincam com um Bice no Centro de Reabilitação Social e Psicológica em Boyarka, perto de Kiev, Ucrânia, dezembro de 2022 — Foto: AP Photo/Vasilisa Stepanenko

Esta é a primeira vez que Sliepova trabalha com um cachorro como parte de suas terapias. Mas ela disse: “Li muita literatura que diz que trabalhar com cães, com reabilitadores de quatro patas, ajuda as crianças a reduzir o estresse, aumentar a resistência ao estresse e reduzir a ansiedade”.

As crianças não pareciam estressadas, mas é claro que a realidade ainda está por aí.

Ela observou como algumas têm medo de barulhos altos, como, quando alguém fecha uma janela ou quando ouvem o som de um jato, alguns se jogam no chão ou começam a perguntar se há um abrigo antiaéreo por perto.

Entre as crianças estavam um irmão e uma irmã de Kupyansk, cidade na região leste de Kharkiv, que testemunharam soldados russos invadindo sua casa com metralhadoras, agarrando seu avô, colocando um saco em sua cabeça e espancando-o, disse Sliepova.

“Cada criança é psicologicamente traumatizada de maneiras diferentes”, disse ela.

Durante a terapia, as mães de algumas das crianças permaneceram quase o tempo todo sentadas junto a uma das paredes, olhando e ouvindo à distância. Quando Bice chegou, algumas tiraram fotos dos filhos.

Lesya Kucherenko estava com seu filho de 9 anos, Maxim. Ela disse que não consegue parar de pensar na guerra e no que poderia acontecer com seu filho mais velho, um paraquedista de 19 anos lutando na cidade de Bakhmut, na região leste de Donetsk, que é uma das frentes mais ativas atualmente.

Maxim sorria enquanto brincava com Bice, mas estava sempre olhando para sua mãe e virava a cabeça para vê-la de vez em quando.

Kucherenko disse que às vezes começa a chorar ao pensar em seu filho soldado. Pouco antes desta sessão, ela recebeu uma ligação dele. Ele disse que estava bem e, só de lembrar disso, ela começou a chorar. No segundo seguinte, Maxim estava lá, perguntando por quê.

“Você vê? Ele está me confortando — não eu a ele”, disse ela.

Quanto ao canino, qual é a melhor mensagem que Bice passa para as crianças?

A dona Kokozei precisa pensar por apenas alguns segundos e responde: “Liberdade”.

“Liberdade de problemas e felicidade”, acrescenta ela.

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