Bolsonaristas ampliam adesões a anistia com teor de projeto no escuro; entenda

O líder do PL, Sóstenes Cavalcante, e o deputado Hélio Lopes (PL-RJ), recolhem assinaturas dos deputados no Aeroporto de Brasília para a urgência do projeto da Anistia. - Gabriela Biló/Folhapress
Nas últimas semanas, o PL, partido de Jair Bolsonaro, fez pressão para aumentar as adesões à urgência do projeto de lei que anistia os envolvidos no 8 de janeiro, com o objetivo de que o texto possa tramitar de modo mais célere.
O apoio não foi coletado, entretanto, a partir do endosso a um texto já articulado e amadurecido.
Deputados consultados pelo jornal Folha de S.Paulo que já apoiaram a urgência ou que estiveram à frente das articulações –parte deles sob reserva– fazem afirmações na linha de que o texto será debatido posteriormente. Também não há uma fala única a respeito de qual versão da proposta seria a base das discussões.
Há quem diga que a tendência é que o texto siga a linha de parecer apresentado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) no ano passado ou que parta do texto originalmente apresentado em 2022. Além disso, há divergências sobre a abrangência da anistia que deveria ser aprovada.
Versões apresentadas até aqui poderiam, em tese, beneficiar também o ex-presidente.
Na segunda-feira (14), o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), protocolou no sistema da Casa o requerimento de urgência do projeto que prevê anistia aos condenados pelos ataques golpistas do 8 de janeiro.
Após uma semana de obstrução de votações e de ato na avenida Paulista, em São Paulo, com discursos mirando o presidente da Casa, o PL decidiu recuar da estratégia de emparedamento, que usaria táticas como expor o nome de deputados para pressioná-lo a apoiar o projeto.
Motta, por sua vez, tenta construir um consenso entre os Três Poderes para reduzir a pressão pela aprovação da proposta —vista como uma afronta ao STF (Supremo Tribunal Federal) e possível gatilho de uma crise institucional.
Já Bolsonaro, após conversa com Motta na quarta-feira passada (9), mandou seu partido estudar alternativas para diminuir resistências ao projeto na Casa, frente à avaliação de que deputados acham que as penas impostas pelo Supremo foram duras, mas que é preciso punir quem tenha depredado as sedes dos três Poderes.
O substitutivo apresentado na CCJ em 2024, que atualmente não tem validade, já excluía da anistia crimes como lesão corporal e dano a coisa com valor artístico ou histórico. Ele tinha sido apresentado pelo relator Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), deputado alinhado a Bolsonaro, antes de Arthur Lira (PP-AL) decidir criar uma comissão especial e retirar o caso da CCJ.
Ele previa anistia aos que participaram de manifestações em 8 de janeiro e também “a todos que participaram de eventos subsequentes ou eventos anteriores”, desde que mantivessem correlação com os eventos citados.
Entre deputados que assinaram a urgência ouvidos pela reportagem, há quem classifique o debate sobre qual seria a abrangência e os limites da anistia como ainda muito vago. Segundo o gabinete de outro parlamentar, a urgência deveria ser entendida como relativa ao tema da anistia, e não à redação do projeto. Um outro diz que, caso a proposta vá ao plenário, pretende apresentar uma emenda para impedir que a anistia se aplique a Bolsonaro.
Caberia a Motta indicar o relator da proposta no plenário, que é quem apresentaria um novo texto substitutivo a partir das negociações na Casa. Valadares é cotado, mas não é o único nome.
Questionado por esta reportagem sobre em que medida haveria já um acerto sobre o texto do projeto nas conversas para coleta de assinaturas, Sóstenes disse que ainda não tinha chegado a essa discussão.
“Não, nem cheguei nisso ainda, nós estamos enfrentando uma batalha tão grande que primeiro é pautar urgência. Texto se discute a posterior”, afirmou um dia antes de ter atingido a meta.
Ele discorda, porém, que haja indefinição: “Não acho que tem indefinição. Anistia, por si só, a palavra fala”. E adiciona que, como todo e qualquer texto, ao passar pelo plenário, ele pode ter “ajustes para ampliar a anistia ou para minorar”.
Questionado se o projeto incluiria Bolsonaro, ele respondeu: “Lógico que não. Ele não é transitado em julgado, ele não tem condenação. Como é que nós vamos anistiar alguém que não está condenado ainda?”.
O deputado Capitão Augusto (PL-SP) também afirmou que o primeiro passo agora é aprovar o requerimento de urgência, para depois então trabalhar para obter consenso em torno de uma proposta. Pessoalmente, ele diz defender que a proposta inclua anistia ao ex-presidente Bolsonaro.
Valadares também afirma que o texto ainda será discutido. Segundo ele, os pontos mais consensuais iriam na linha de anistiar as pessoas das penas de golpe de Estado e de abolição do Estado democrático de Direito, mas não da punição por depredação.
Questionado se a anistia incluiria também aqueles que ainda não foram condenados, ele respondeu considerar um absurdo análises que tinham chegado a ele de que eventual medida nesse sentido seria inconstitucional.
O requerimento de urgência foi feito em projeto de lei apresentado pelo então deputado Major Vitor Hugo (PL-GO) ainda em 2022, com foco original em anistiar participantes dos atos em rodovias e em frente a quartéis após as eleições daquele ano.
Ele prevê “anistia a todos os que tenham participado de manifestações em qualquer lugar do território nacional do dia 30 de outubro de 2022 ao dia de entrada em vigor” da lei. A esse texto estão apensadas outras seis propostas.
O advogado e professor de direito penal da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Frederico Horta aponta que, caso se adote redação como no substitutivo da CCJ, Bolsonaro estaria incluído.
“A lei da anistia vai estabelecer um universo de pessoas conforme o tipo de imputação e conforme uma delimitação de tempo”, diz ele, destacando que a proposta abarcava também atos anteriores ao 8 de janeiro.
Horta afirma ainda que a anistia não se restringiria a pessoas que já foram condenadas —diferentemente de instrumentos como o indulto e a graça—, abarcando inclusive pessoas que ainda não foram processadas ou denunciadas. Ele diz considerar, porém, que, no caso concreto, a proposta possivelmente seria declarada inconstitucional.