China está gastando bilhões para ajudar a recuperar países da Ásia, África e Europa

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Foto: Reprodução

Por Jessie Yeung

Na última década, a China emprestou grandes somas a governos da Ásia, África e Europa, aumentando sua influência global por meio de seu megaprojeto de infraestrutura, tornando-se um dos maiores credores do mundo.

Agora, um novo estudo diz que Pequim também se tornou um importante credor de resgate de emergência para esses mesmos países, muitos dos quais estão lutando para pagar suas dívidas.

Entre 2008 e 2021, a China gastou US$ 240 bilhões resgatando 22 países que são “quase exclusivamente” devedores do projeto Belt and Road (Cinturão e Rota, da tradução em inglês), incluindo Argentina, Paquistão, Quênia e Turquia, segundo o estudo publicado terça-feira (28) por pesquisadores do Banco Mundial, Harvard, Instituto Kiel e o laboratório de pesquisa norte-americano AidData.

Embora os resgates da China ainda sejam menores do que os fornecidos pelos Estados Unidos ou pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que regularmente concede empréstimos de emergência a países em crise, ela se tornou um ator importante para muitos países em desenvolvimento.

A ascensão de Pequim como administradora de crises internacionais parece familiar: os EUA adotaram uma estratégia semelhante por quase um século, oferecendo resgates para países com dívidas altas, como os da América Latina durante a crise da dívida dos anos 1980, disse o relatório.

“Vemos paralelos históricos com a época em que os EUA começaram sua ascensão como uma potência financeira global, especialmente na década de 1930 e após a Segunda Guerra Mundial”, afirmou.

Mas também há diferenças.

Por um lado, os empréstimos da China são muito mais secretos, com a maioria de suas operações e transações escondidas do público. Isso reflete o sistema financeiro mundial se tornando “menos institucionalizado, menos transparente e mais fragmentado”, disse o estudo.

O banco central da China também não divulga dados sobre empréstimos ou acordos de swap cambial com outros bancos centrais estrangeiros. Os bancos e empresas estatais da China não publicam informações detalhadas sobre seus empréstimos a outros países.

A equipe de pesquisa, em vez disso, baseou-se em relatórios anuais e demonstrações financeiras de outros países que têm acordos com bancos chineses, reportagens, comunicados de imprensa e outros documentos para compilar seu conjunto de dados.

“São necessárias muito mais pesquisas para medir os impactos dos empréstimos de resgate da China – em particular, as grandes linhas de swap administradas pelo PBOC (Banco Popular da China)”, disse Brad Parks, coautor do estudo.

“Pequim criou um novo sistema global para empréstimos de resgate transfronteiriços, mas o fez de maneira opaca e descoordenada.”

Empréstimos da China

Em 2010, menos de 5% da carteira de empréstimos no exterior da China apoiou países em dificuldades financeiras, segundo o relatório.

Em 2022, esse número havia subido para 60% – refletindo o aumento das operações de resgate de Pequim e o afastamento dos investimentos em infraestrutura que caracterizaram sua campanha do Cinturão e Rota no início de 2010, disse.

A maioria dos empréstimos foi realizada nos últimos cinco anos do estudo, de 2016 a 2021.

Do total de US$ 240 bilhões em empréstimos de resgate, US$ 170 bilhões vieram da rede de linhas de swap do PBOC – o que significa acordos entre bancos centrais para trocar moedas. Os outros US$ 70 bilhões foram emprestados por bancos e empresas estatais chinesas, incluindo empresas de petróleo e gás.

A maioria dos países que sacam das linhas de swap da China estavam em profunda crise financeira, com problemas exacerbados pela pandemia de Covid-19, constatou o relatório.

Por exemplo, a Argentina entrou em default em 2014 e 2020 após lutar por décadas com sua dívida nacional. Enquanto isso, o Paquistão viu sua moeda cair à medida que as reservas cambiais diminuíam.

O Sri Lanka também pediu dinheiro emprestado à China em 2021 — antes de sua crise econômica e política explodir no ano seguinte, com bens básicos como combustível e remédios racionados e multidões saindo às ruas em protestos violentos.

Mas os resgates da China não são baratos. O PBOC exige uma taxa de juros de 5%, em comparação com 2% para empréstimos de resgate do FMI, disse o estudo.

E a maioria dos empréstimos é concedida a países de renda média considerados mais importantes para o setor bancário da China, enquanto os países de baixa renda recebem pouco ou nenhum dinheiro novo e, em vez disso, são oferecidos reestruturações de dívidas.

“Pequim está tentando resgatar seus próprios bancos. É por isso que entrou no arriscado negócio de empréstimos de resgate internacional”, disse a coautora do estudo, Carmen Reinhart, no post da AidData.

Iniciativa Belt and Road

Por uma década, a Iniciativa do Belt and Road de Pequim despejou bilhões de dólares em projetos de infraestrutura todos os anos: pavimentando rodovias de Papua Nova Guiné ao Quênia, construindo portos do Sri Lanka à África Ocidental e fornecendo infraestrutura de energia e telecomunicações para pessoas da América Latina ao Sudeste Ásia.

Anunciado pela primeira vez em 2013 sob o comando do líder chinês Xi Jinping, a iniciativa foi vista como uma extensão da forte ascensão do país ao poder global.

Em março de 2021, 139 países haviam aderido à iniciativa, respondendo por 40% do PIB global, conforme o Conselho de Relações Exteriores, um think tank dos EUA. O BRI atingiu quase US$ 1 trilhão em investimentos chineses, segundo o Ministério das Relações Exteriores da China.

Mas os déficits de financiamento e a resistência política paralisaram alguns projetos, enquanto outros foram prejudicados por incidentes ambientais, escândalos de corrupção e violações trabalhistas.

Também há preocupação pública em alguns países com questões como o excesso de dívida e a influência da China. Acusações de que o Cinturão e Rota é uma ampla “armadilha da dívida” projetada para assumir o controle da infraestrutura local, embora amplamente rejeitadas pelos economistas, mancharam a reputação da iniciativa.

A reportagem entrou em contato com o PBOC para comentar, mas até a publicação da matéria não obteve resposta.

Em janeiro, o ministro das Relações Exteriores da China, Qin Gang, rejeitou as acusações de que a China estaria criando uma “armadilha da dívida” na África, um dos principais destinatários dos investimentos do Belt and Road.

Em uma declaração citando Qin, o ministério afirmou que “a China sempre se comprometeu a ajudar a África a aliviar sua dívida”, e apontou para os acordos de alívio da dívida de Pequim com várias nações africanas.

Qin defendeu o BRI novamente no início deste mês, chamando-o de “bem público”.

“A China deveria ser a última a ser acusada da chamada armadilha da dívida”, disse ele, culpando os aumentos dos juros nos EUA pelo agravamento da dívida nos países em desenvolvimento.

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