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Por David Robson*, BBC

Quando você é responsável por uma criança pequena, até o ambiente mais idílico pode ser uma zona de risco.

Nos primeiros anos, existe o risco de ser atropelado, cair em um lago ou piscina ou ser mordido por um cão (mais frequentemente, o próprio animal da família).

A lista de potenciais perigos muda conforme a idade da criança: álcool, drogas, violência e problemas de saúde mental sem tratamento podem arriscar o bem-estar de adolescentes e jovens adultos. Acidentes de trânsito também permanecem sendo um risco importante.

E existem os perigos invisíveis, como a poluição do ar, que, frequentemente, é muito difícil de detectar e combater.

Todos nós, em algum momento, precisamos ser capazes de avaliar riscos para poder navegar pelo mundo com segurança, sem orientação dos nossos pais ou responsáveis. Sem esse conhecimento, estaremos muito mais propensos a tomar decisões insensatas, que podem resultar em problemas de saúde e dificuldades financeiras — e até em infrações criminais.

Como as crianças aprendem essas lições? E o que os pais e responsáveis podem fazer para traçar um caminho mais seguro para seus filhos no mundo e talvez também selecionar alguns truques para eles?

Com cada vez mais literatura disponível sobre a psicologia do risco, podemos finalmente responder essas questões. Os psicólogos agora identificaram por que, muitas vezes, as crianças deixam de identificar riscos elementares, as razões por que os adolescentes parecem estar brincando com seu futuro em alguns momentos de busca por emoções e as barreiras educacionais que podem impedir que as pessoas aprendam, até na idade adulta, a avaliar riscos racionalmente.

Cada estágio de desenvolvimento precisa de uma abordagem diferente. Mas, com a orientação correta, é possível ensinar as crianças e adolescentes a desenvolver alta “capacidade de tomada de decisões”, com enormes consequências para o resto das suas vidas.

“Esses conhecimentos que definem nosso destino podem ser ensinados”, afirma o psicólogo Joshua Weller, da Universidade de Leeds, no Reino Unido, especializado em tomada de riscos. “Eles podem ser cultivados e desenvolvidos com muitos métodos diferentes.”

O piso de vidro

Os bebês humanos nascem com conhecimento inato surpreendentemente pequeno, mesmo sobre os riscos mais básicos. Como muitos pais sabem por experiências assustadoras, os bebês que estão aprendendo a engatinhar tentam jogar-se para fora da cama ou de uma mesa de troca de fraldas sem um momento sequer de hesitação.

Estudos indicam que o medo de altura vem apenas com a experiência, à medida que a criança aprende a prestar mais atenção à sua visão periférica. Somente com algumas semanas de movimentos independentes, eles começam a mostrar sinais de ansiedade (como aumento da frequência cardíaca), por exemplo, quando observam uma queda abrupta através de um piso de vidro.

Como esponjas sociais, as crianças pequenas, muitas vezes, aprendem a reconhecer o perigo por terceirização, observando as expressões faciais e a linguagem corporal dos demais.

Chris Askew, da Universidade de Surrey, no Reino Unido, mostrou a crianças com oito anos de idade fotografias de três marsupiais australianos incomuns — o gato-marsupial, o quokka e o cuscuz-malhado. Eles foram associados a uma foto de um rosto assustado, sorrindo ou a nenhuma foto.

Nos testes que se seguiram, eles relataram sentir mais medo dos animais que haviam sido associados aos rostos assustados e apresentaram muito menos disposição de abrir uma caixa apresentada como se, dentro delas, estivesse o animal em questão.

E os efeitos foram duradouros, pois outros testes revelaram, meses depois da exposição original, que eles ainda eram mais propensos a associar àqueles animais palavras que descrevem medo.

Mas o simples reconhecimento do perigo costuma não ser suficiente para manter a criança em segurança, pois o cérebro em desenvolvimento pode não ter a rapidez suficiente para reagir imediatamente ao problema.

Pesquisas indicam que nós só aprendemos a integrar totalmente nossos sentidos, como a visão e a audição, com cerca de 10 anos de idade. Isso dificulta o reconhecimento, por exemplo, da velocidade de aproximação de um carro.

O cérebro em desenvolvimento das crianças mais jovens também tende a se distrair mais facilmente. Isso significa que elas podem simplesmente esquecer os possíveis riscos.

Quando o assunto são temas como a segurança na rua, os pais são frequentemente aconselhados a estabelecer rotinas, como sempre olhar para a esquerda e para a direita diversas vezes antes de atravessar a rua ou esperar o sinal verde no semáforo para pedestres. Essa prática repetida deverá fazer com que esses comportamentos se tornem habituais, sendo eventualmente adotados pelas crianças sem necessidade dos lembretes constantes.

Aumentando a racionalidade

Orientar as crianças através da adolescência também apresenta suas próprias dificuldades.

O cérebro dos adolescentes é conhecido por sofrer grandes mudanças estruturais, que parecem aumentar a sensibilidade da sua sinalização de dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer.

Houve época em que se achava que isso tornaria os adolescentes mais impulsivos do que as crianças mais jovens, pois eles buscam ativamente situações de risco que possam oferecer maior dosagem de dopamina. Mas experimentos de laboratório, que tentaram examinar os processos cognitivos envolvidos na avaliação de risco, indicam que esta é uma profunda injustiça com os adolescentes.

Os estudos, muitas vezes, assumem a forma de apostas. Eles podem receber um pião multicolorido com uma seta no meio, por exemplo. Se o pião parar na cor correta, eles têm a chance de ganhar US$ 10 (cerca de R$ 53), mas existe uma chance de 50% de não ganharem nada. Ou eles podem optar por um pagamento menor, mas garantido, de US$ 5 (cerca de R$ 26,50).

Ao contrário da expectativa de que os adolescentes inevitavelmente são conduzidos pelo risco, esses estudos demonstram que os adolescentes tendem a ser mais cautelosos, optando, muitas vezes, pelas somas pequenas de ganho garantido, em comparação com seus companheiros mais jovens.

“Quando oferecemos aos adolescentes a oportunidade de evitar correr riscos, na verdade, eles escolhem a opção segura com mais frequência que as crianças”, afirma Ivy Defoe, professora do departamento de educação e desenvolvimento infantil da Universidade de Amsterdã, na Holanda.

Defoe publicou recentemente um relatório analisando os estudos científicos existentes sobre a tomada de riscos pelos adolescentes. E os resultados a levaram a concluir que os adolescentes não são necessariamente predispostos a rebelar-se. Muitas vezes, é apenas questão das situações que eles estão enfrentando.

À medida que os adolescentes ganham independência dos olhos atentos dos pais, existem muito mais oportunidades de agir impetuosamente, seja tentando roubar, experimentando drogas ilegais, entrando em uma gangue, tendo sexo sem proteção ou disputando corridas de rua com os amigos.

“O acesso a situações que levam a riscos aumenta dramaticamente durante a adolescência e o início da idade adulta”, explica Defoe. E, às vezes, é difícil resistir à tentação.

Capacidade de tomada de decisões

Ao tentar ajudar os adolescentes a gerenciar sua liberdade recém-descoberta, vale a pena lembrar que existem diferenças consideráveis de avaliação de risco entre os indivíduos de qualquer idade.

Em laboratório, existem grandes variações no desempenho das pessoas em tarefas referentes a apostas, por exemplo. Por isso, embora os adolescentes médios podem não ser conduzidos pelo perigo, uma parte considerável, muitas vezes, pode ignorar essa cautela.

Em muitos casos, este pode ser o resultado de técnicas de raciocínio geralmente fracas. Para pesquisar esta possibilidade, os psicólogos também desenvolveram um teste mais abrangente da “capacidade de tomada de decisões” (DMC, na sigla em inglês).

O teste inclui questões que avaliam a capacidade de seguir regras lógicas básicas ponderando os prós e os contras de diferentes opções. Ele também mede inclinações cognitivas comuns que podem desvirtuar a compreensão de risco de uma pessoa.

O teste pode apresentar aos participantes, por exemplo, duas afirmações separadas sobre preservativos. Uma diz o seguinte:

Imagine que um tipo de preservativo tem índice de falha de 5%. Ou seja, se você tiver sexo com alguém que seja portador do vírus HIV, há 5% de possibilidade que esse tipo de preservativo deixe de evitar que você seja exposto ao vírus.

Enquanto a outra diz:

Imagine que um tipo de preservativo tem índice de sucesso de 95%. Ou seja, se você tiver sexo com alguém que seja portador do vírus HIV, há 95% de possibilidade que esse tipo de preservativo evite que você seja exposto ao vírus.

As duas afirmações seriam apresentadas separadamente, em diferentes partes do texto, e, em cada caso, os participantes precisam determinar se os preservativos são uma forma adequada de reduzir o risco de contágio.

As duas afirmações expressam a mesma informação de risco, mas muitas pessoas afirmam que os preservativos do primeiro exemplo são ineficazes e que os do segundo grupo são eficientes. Isso é conhecido como o “viés do enquadramento”.

Esse tipo de inconsistência nas suas respostas indica que você pode não estar acostumado a avaliar informações estatísticas de forma crítica, concentrando-se nos detalhes específicos do que está sendo apresentado. Na verdade, você confia na essência com base na forma de apresentação, o que pode ser enganoso.

Outras questões testam a consistência da percepção de risco das pessoas. Pode-se pedir aos participantes, por exemplo, que adivinhem suas chances de morrer no próximo ano ou nos próximos 10 anos.

Logicamente falando, a probabilidade fornecida para a primeira questão deve ser menor do que a segunda, já que o risco de morrer aumenta ao longo do tempo. Mas nem todas as respostas refletem essa situação. Novamente, elas podem refletir uma incapacidade geral de pensar com lógica sobre as probabilidades.

Por fim, pergunta-se aos participantes seu conhecimento geral sobre riscos comuns e sua confiança nas respostas.

Alguém que tivesse certeza do seu conhecimento sem nada que o justificasse receberia nota menor do que outra pessoa que reconhecesse sua imprudência. Isso é importante, pois, muitas vezes, a nossa incapacidade de avaliar nossas próprias capacidades nos coloca nas situações mais perigosas.

Todas essas questões podem soar um tanto acadêmicas, mas o desempenho das pessoas sobre a escala de capacidade de tomada de decisões, no jargão da psicologia, tem “validade ecológica”. “Ele prevê muitos resultados ao longo do caminho”, explica Weller, que realizou vários desses estudos.

Quando o teste de capacidade de tomada de decisões é realizado em adolescentes, por exemplo, os que apresentam notas mais baixas tendem a fazer mais uso de drogas e exibir comportamentos transgressores, como desrespeitar frequentemente as normas da escola. E, quando o teste é realizado em adultos, ele parece prever tudo, desde perder um voo até contrair uma doença sexualmente transmissível ou pedir falência.

É importante observar que isso depende muito do seu QI. A capacidade de tomada de decisões não é apenas uma medida do poder cerebral bruto, mas especificamente de como alguém é capaz de avaliar as situações.

Aprendendo a pensar

As pesquisas de Ivy Defoe e Joshua Weller indicam que os pais e professores podem precisar de uma abordagem mais sofisticada para orientar os adolescentes e pré-adolescentes para enfrentar os riscos da vida. Em vez de simplesmente impor regras fixas que eliminam a exposição das crianças ao risco, pode ser mais útil, a longo prazo, ajudá-los a aprimorar suas técnicas de pensamento e tomada de decisões.

Talvez o mais importante seja o incentivo do autocontrole e da regulação emocional, pois muitos perigos resultam da impulsividade. Práticas como mindfulness (atenção plena) podem ser úteis, bem como práticas metacognitivas, como ensinar as crianças a imaginar as consequências das suas ações.

Ao longo do processo, os pais podem incentivar o uso de pensamento crítico — estratégicas como procurar evidências que contradigam suas premissas. E as escolas também podem ajudar as crianças e os jovens a aprender a tomar decisões melhores.

Em um teste entre alunos do 10° ano escolar em Oregon, nos Estados Unidos, professores e alunos de história examinaram eventos importantes em termos das decisões enfrentadas por figuras históricas, por exemplo, assumindo o papel de metalúrgicos decidindo se irão ou não entrar em greve por melhores salários.

O estudo concluiu que a abordagem melhorou o desempenho acadêmico dos estudantes, bem como suas avaliações no teste de capacidade de tomada de decisões.

Weller enfatiza a necessidade de uma abordagem em múltiplas frentes. “Não acho que exista uma única coisa que deve ser receitada”, afirma ele.

O objetivo é usar todos os meios possíveis para fazer com que as crianças e adolescentes comecem a pensar nos riscos de forma mais analítica.

Afinal, quando atingirem a idade adulta, eles devem estar preparados para lidar mais racionalmente com os perigos da vida — e, eventualmente, usar essas técnicas para também proteger seus próprios filhos.

* David Robson é escritor de ciências e autor do livro O efeito da expectativa: como o seu pensamento pode transformar sua vida (em tradução livre do inglês), publicado no Reino Unido pela editora Canongate e, nos EUA, pela Henry Holt. Sua conta no Twitter é @d_a_robson.

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