Corte de Trump em pesquisas de saúde afeta busca por tratamento, universidades e emprego; veja relato de brasileiros nos EUA

Donald Trump em coletiva na Flórida — Foto: REUTERS/Brian Snyder
Desde o início do governo Trump, cortes e medidas rigorosas têm impactado a ciência nos EUA. O país é o maior produtor de pesquisas médicas, o que gera impacto mundial. Recentemente, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), principais financiadores desses estudos, anunciaram um corte bilionário.
A medida afeta a pesquisa, o atendimento a pacientes, os empregos e até as universidades. Embora tenha sido revertida na Justiça, pesquisadores brasileiros no país relatam um cenário de incerteza.
➡️ O NIH é um dos principais financiadores federais de pesquisas em saúde, mantendo estudos sobre para tratamentos do câncer, transplantes e vacinas, entre outros, com pesquisadores de ponta – já que suas bolsas estão entre as mais concorridas do país.
Na sexta-feira passada (7), os NIH anunciaram uma mudança na política de bolsas, reduzindo o limite de gastos para o que chamam de “custos indiretos” para 15%. Esses custos englobam energia, água, laboratório, equipamentos e equipe administrativa, por exemplo. O impacto imediato é de US$ 4 bilhões.
➡️ O governo alegou que a mudança tem o objetivo de focar o dinheiro na pesquisa em si. Mas pesquisadores brasileiros que estão no país afirmam que é impossível seguir com os estudos sem a infraestrutura necessária.
O impasse impacta não só os pesquisadores, mas também as universidades, a economia e empregos diretos e indiretos ligados à bioindústria. Em alguns estados americanos, todo um ecossistema de indústrias conectadas às pesquisas gera milhares de postos de trabalho.
A medida anunciada na sexta-feira (7) entraria em vigor já na segunda-feira (10), pegando todos de surpresa, mas acabou sendo suspensa pela Justiça em 22 estados.
O que é a medida e quais os impactos
O NIH reúne mais de vinte institutos que abordam diversas áreas da saúde. O órgão financia pesquisas responsáveis por avanços em saúde pública, vacinas, tratamentos contra o câncer, cirurgias, medicamentos para o coração e diabetes, entre outras áreas. É um nome de grande relevância para a pesquisa no país e um dos principais meios federais para obtenção de orçamento para estudos – além de ser um dos mais concorridos.
💵 No ano passado, o NIH injetou US$ 35 bilhões em pesquisas em instituições pelo país. Quando uma pesquisa é aprovada, o orçamento pode ser utilizado de duas formas:
- ➡️ Custo direto: engloba material, equipamentos específicos e até salários das equipes de pesquisadores. Segundo o instituto, essa é a maior parte do custo.
- ➡️ Custo indireto: inclui infraestrutura, como ar-condicionado, eletricidade, recursos de computação, descarte de resíduos perigosos, equipes administrativas e tudo o que dá suporte para a execução das pesquisas. Esses valores também são destinados às universidades, onde muitos desses laboratórios estão localizados.
Até a última sexta-feira (7), não havia um limite estabelecido para os custos indiretos. Segundo o NIH, a média desse tipo de gasto é de 30%, mas, em algumas instituições, o percentual ultrapassa 60%.
Essa variação ocorre porque nem todas as universidades no país possuem a infraestrutura específica de que os pesquisadores precisam, e itens como energia, espaço e equipamentos podem ter custos diferentes. Assim, cada universidade e instituição de pesquisa historicamente negociou sua taxa de custo indireto com os NIH e outras agências federais de financiamento.
➡️ No caso de Harvard, por exemplo, de cada US$ 1 de financiamento recebido, a universidade fica com US$ 0,69.
Em 2024, dos US$ 35 bilhões destinados a pesquisas em 2,5 mil instituições, US$ 9 bilhões foram gastos com custos indiretos.
Com o anúncio, o NIH decidiu limitar todas as pesquisas financiadas, já valendo para esta semana, sem dar tempo para que pesquisadores e instituições se preparassem para a mudança.
“Não aplicaremos este limite retroativamente à data inicial de emissão das bolsas atuais para IHEs, embora acreditemos que teríamos autoridade para fazê-lo”, escreveu o órgão.
Após a repercussão, o órgão usou as redes sociais para afirmar que a nova taxa ainda era maior do que a permitida por instituições privadas – outra importante fonte de financiamento.
No entanto, empresas e instituições privadas adotam essas taxas justamente porque a maioria dos grandes centros recebe financiamento federal, que prevê uma margem maior. No caso da fundação mantida por Bill Gates, por exemplo, o limite é de 10%. Mas, em seu site, a fundação explica que mantém essa taxa porque a maioria das instituições beneficiadas também recebe financiamento federal.
Quais são os impactos?
O NIH estimou que o impacto orçamentário da medida será de US$ 4 bilhões já neste ano. Desde o anúncio, a decisão vem sendo criticada pela comunidade científica e por autoridades estaduais, que destacam alguns pontos:
- Impacto direto nas pesquisas em andamento e futuras
A medida entraria em vigor já nesta semana, o que significa que pesquisadores com orçamentos previamente aprovados precisariam rever seus custos e ajustar as contas. Isso pode resultar, por exemplo, na reestruturação de equipes e até em cortes.
Outro ponto crítico é que as pesquisas iniciais seriam as mais prejudicadas. Professores em início de carreira e pós-doutores atuam nesses laboratórios apoiando equipes para avançarem em seus estudos e estruturarem suas próprias pesquisas. Com os cortes, muitos podem não ser mantidos, o que pode significar menos cientistas e, consequentemente, menos pesquisas no país.
- Impacto nas universidades e institutos
Especialistas apontam que essa mudança altera a estrutura da produção científica nos EUA. Desde os anos 1940, as instituições recebem a verba para custos indiretos do orçamento federal, o que contribui para a manutenção dos laboratórios e incentiva a abertura de novos espaços para pesquisas. Com esse corte bilionário, programas acadêmicos podem ser impactados.
🔴 No processo contra a medida, os procuradores explicam que a Universidade da Califórnia seria uma dos mais afetadas, pois recebe US$ 2 bilhões em fundos de pesquisa do NIH. O valor mantém centros de tratamento de câncer e têm financiado pesquisas inovadoras, incluindo a invenção da edição genética e o primeiro tratamento de radiação para câncer, segundo o processo movido contra a medida.
🔴 O presidente de Harvard, Alan M. Garber, declarou que a verba indireta é essencial para a manutenção de laboratórios importantes e que “reduzir esse financiamento cortaria a atividade de pesquisa em Harvard e em quase todas as universidades de pesquisa do nosso país”.
🔴 A universidade de Yale, que segundo o NIH retém 67,5% com custos indiretos, disse que a medida coloca em risco as pesquisas em saúde e atendimentos.