Dilma recebe medalha de Xi Jinping em Pequim, mas expõe saudade do Brasil

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O líder chinês, Xi Jinping, com a Medalha da Amizade entregue à ex-presidente Dilma Rousseff, em Pequim, em 29 de setembro de 2024 - Florence Lo/Reuters

Com transmissão ao vivo, o líder chinês, Xi Jinping, entregou no domingo (29) no Grande Salão do Povo, em Pequim, a Medalha da Amizade para a ex-presidente Dilma Rousseff, hoje no comando do Novo Banco de Desenvolvimento (Banco do Brics), em Xangai.

A honraria é a principal da China designada a estrangeiros e foi concedida pela primeira vez ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, em 2018. A filha da ex-presidente, Paula, veio ao país a convite de Pequim e acompanhou a cerimônia três fileiras atrás de sua mãe.

Xi descreveu Dilma como “representante excepcional” dos “muitos velhos amigos e bons amigos que compartilham os mesmos interesses com o povo chinês, 75 anos depois” do estabelecimento da República Popular da China, que deu início ao regime comunista. A data é comemorada nesta terça (1º). Acrescentou que “o povo chinês nunca esquecerá aqueles que fizeram contribuições notáveis para o desenvolvimento da China e fortaleceram seus laços”.

Dilma era presidente quando recebeu Xi para a cúpula do Brics, em 2014, ano em que o grupo formado à época por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul lançou o projeto do banco.

Declarando-se “profundamente honrada”, ela disse, também em discurso, que a homenagem “é prova dos fortes laços entre nossos povos e países” e, ao final, improvisou a frase “o povo da China e o povo do Brasil são amigos”. No mais, concentrou elogios no líder chinês. “Sua liderança tem sido fundamental na promoção da governança global e no estímulo a uma ordem internacional mais justa e equitativa.”

Esse trecho do discurso de Dilma chamou a atenção da TV estatal. “Uma coisa me impressionou, a menção a uma nova ordem internacional que seja mais justa”, disse o comentarista John Gong, da Universidade de Negócios Internacionais e Economia, de Pequim. “Muitos no Ocidente estão prestando atenção. É uma declaração ressonante da senhora Rousseff de que os países em desenvolvimento líderes, como a China e o Brasil, estão se levantando.”

Toda a cúpula do Partido Comunista estava presente. Antes de Dilma e Xi, o veterano de guerra Huang Zongde discursou, exaltando ao final “que o Exército de Libertação Popular alcance novas e grandes vitórias”. Xi saudou Huang e os demais homenageados chineses, de áreas como artes e educação, como heróis e modelos, no momento da celebração dos 75 anos do regime.

A ex-presidente Dilma Rousseff na Casa de Hóspedes Diaoyutai, em Pequim, em 29 de setembro de 2024
A ex-presidente Dilma Rousseff na Casa de Hóspedes Diaoyutai, em Pequim, em 29 de setembro de 2024, após receber homenagem – Nelson de Sá/Folhapress

Cinco horas depois de receber a medalha, Dilma conversou com jornalistas brasileiros baseados em Pequim, na histórica Casa de Hóspedes Diaoyutai, e revelou a saudade que sente do Brasil. Ela mora há um ano e meio em Xangai e seu mandato no banco vai até o início de julho do ano que vem.

“Eu lembro sempre do Caetano, ‘Cadê o meu Sol dourado?'”, disse ela, que completa 77 anos em dezembro. “Porque o nosso país tem um Sol dourado, e eu quero ele. Ou você acha que eu quero passar, perto da minha velhice… Vocês ainda não estão nessa idade, de saber que você vai morrer. Chegar no Rio ali, você desce no Santos Dumont, olha para aquela baía, não dá uma alegria de viver?”

Lembrada de que Xangai também é quente, respondeu: “Não, meu filho, é porque tem o Sol dourado. O Sol dourado é diferente. O Caetano tinha toda razão. A gente tem uma coisa forte, nacional.” O verso é parte da canção “If You Hold a Stone”, de 1971, quando o músico estava no exílio, na ditadura militar.

Dilma deu a cultura como exemplo. “Ontem nós vimos uma percussão. A chinesa é completamente diferente da nossa. A nossa é tambor, a deles é prato. A nossa é o Olodum, aquela batida que parece que entra pela sua perna. A deles é o prato. Então, nós estranhamos. É muito estridente. Eu sempre acho que o Olodum é o máximo.”

Questionada se poderia fazer um balanço hoje, ao ser homenageada pela cúpula pelo PC chinês, em relação à jovem revolucionária que foi nos anos 1960, ela declarou ver problema na pergunta. “O Brasil tem que ter cuidado, ninguém pode viver baseado na visão da Guerra Fria, todo esse esquema anticomunista dos anos 1950.”

“Respeito o Partido Comunista da China, o que eles construíram aqui, mas não acho que o Brasil tem que ser comunista. A China tem uma coisa muito interessante, um caminho especificamente chinês. O Brasil tem de ter um caminho propriamente brasileiro. Agora, não é o caminho do anticomunismo. Não pode mais o que aconteceu no Chile, com Salvador Allende, na Argentina, no Brasil, no Uruguai.”

Em relação ao discurso eleitoral anticomunista de candidatos como Pablo Marçal, em São Paulo, afirmou que “os meios de comunicação não devem incentivar isso”. Ela disse acreditar que o Brasil esteja em situação semelhante à da Europa e dos Estados Unidos, com o crescimento da ultradireita, que vê “um comunista escondido atrás de todo arbusto”.

“Aqui [na China] teve uma grande articulação entre o pensamento marxista e toda a civilização de cinco mil anos. Por que é que dão tanta importância à educação? Confúcio é a base dessa valorização imensa da educação. A China é isso. O Japão, também.”

Segundo ela, “todo mundo que prega essa mentalidade da Guerra Fria, o anticomunismo antigo, tem outros interesses”. E sugeriu visitar a cidade onde mora: “Andando numa rua de Xangai, você não acha que comunista come criancinha. Acho bom andar numa rua de Xangai”.

Sobre o Banco do Brics, durante a entrevista, a ex-presidente buscou se distanciar do discurso contra a moeda americana, nas ações da instituições. “Acho que não é desdolarização. É o uso de diferentes moedas. Você amplia a sua cesta de moedas, como ampliou com o euro, em determinado momento. O que se está vendo é uma multiplicação de plataformas em moedas locais.”

Ela falou, porém, sobre um “problema seriíssimo”. Hoje em dia, “as grandes dívidas estão nos países avançados, Japão e EUA têm um percentual elevado da dívida do mundo”, o que gera concentração de liquidez. “O que tentamos com moeda local é justamente resolver esse problema, que ocorre em todos os emergentes.”

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