Direita se vê cobrada por escala 6×1: ‘Vamos ser a favor do trabalhador’
Quando o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) compartilhou na terça-feira (12) um vídeo no Instagram, algo incomum aconteceu: a maioria dos comentários lhe era negativa. Muitos, abertamente hostis, vinham de gente da esquerda que viu uma janela de oportunidade para o esculhambar na praça virtual.
Outros partiram de apoiadores. Este foi curtido 30 mil vezes: “Nikolas, gosto muito do seu trabalho, mano, mas vamos ser a favor do trabalhador CLT. Eles sofrem muito com essa escala, não têm vida, mano”.
Parlamentares à direita têm sido cobrados pela posição contrária à PEC (proposta de emenda à Constituição) que institui o fim da escala 6×1 (quando o trabalhador só tem um descanso semanal).
Nos bastidores políticos, mesmo dentro desse polo, há quem admita que a esquerda vem levando a melhor nesse debate. O clima é de “parece que o jogo virou”, já que o campo progressista era acusado de estar fora de sintonia com os anseios econômicos da população, sobretudo na postura por vezes reticente com o discurso empreendedor.
Há quem celebre o fato de Erika Hilton (PSOL-SP) ser a autora do projeto, torcendo para que seu partido, de alta voltagem progressista, e também sua identidade (é uma das duas primeiras deputadas federais trans do país), turbinem uma indisposição conservadora. Reconhecem privadamente, contudo, que a proposta tem empolgado boa parte de suas bases eleitorais.
Na terça (12), Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG), da tropa bolsonarista do Senado, foi à tribuna para divergir dos colegas da direita sobre o modelo trabalhista na berlinda.
“Meu pai sempre trabalhou não foi 6×1, foi 7×0”, discursou. Ele “não ia aos jogos de futebol quando eu jogava bola”, ou às suas apresentações “quando eu era cantor”. Também “não parava um dia” para ajudá-lo nos estudos. “Não é porque ele não queria, não. É porque ele não tinha tempo, é porque sempre trabalhou.”
Cleitinho diz que seu sonho era ver o pai descansar. “Ele ia fazer 70 anos e ia aposentar, aí ele morreu. Meu pai teve que morrer para descansar.”
Segundo ele, há muitos eleitores de direita favoráveis a acabar com o regime de um único repouso semanal. “É uma pauta que não deveria nem ter lado, esquerda ou direita. É uma pauta que interessa ao trabalhador. É popular, e o povo tem que cobrar mesmo.”
Até dá para “alterar e melhorar o texto” sugerido por Hilton, diz. Mas que há demanda popular pelo tema, não tem como negar. “O eleitor de direita também acha viável essa questão de acabar com a escala 6×1”, afirma Cleitinho. “Principalmente se for 5×2.”
Fernando Rodolfo (PL-PE) foi exceção no partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, o PL, ao apoiar a PEC. Nas redes, perfis de esquerda pedem “acolhimento” ao deputado “solitário”.
Ele afirma que endossou a proposta porque trabalhou em esquema 6×1 a vida toda antes de se eleger. “Evidentemente que alguns deputados não gostaram de minha posição, por ter gerado um certo desconforto, mas isso é natural da politica.”
“Vamos reunir e traçar estratégia”, disse Nikolas ao jornal Folha após ser questionado sobre como a direita deveria reagir diante da popularidade da ideia de ampliar os dias de folga no trabalho. Horas depois, ele usou as redes para marcar posição.
“Não sou contrário ao fim da jornada 6×1 e não farei populismo barato”, postou. Também endossou uma proposta que os conservadores vêm encampando para bater de frente com a de Hilton.
O deputado Mauricio Marcom (Podemos-RS) está colhendo assinaturas para propor uma PEC que dá aos trabalhadores a opção de escolher sua jornada. Ela não altera o total de horas na semana, que segue limitada a oito horas diárias.
Mas segue, segundo ele, um modelo híbrido entre Brasil e Estados Unidos (“o maior case do mundo”), que mantém direitos trabalhistas mas permite flexibilidade maior —por exemplo, seria possível trabalhar 22 horas semanais, ganhando proporcional, caso empregado e patrão estejam de acordo.
“Esse modelo, inspirado nos EUA, permite que o trabalhador ajuste seu trabalho às suas necessidades, sem perder direitos”, diz Nikolas. “Menos burocracia, mais liberdade. É disso que precisamos, e não projetos lacradores para brincar com o sentimento do trabalhador.”
Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) também pondera que é hora de “ser estratégico, aproveitar o momento, propor pagamento por horas trabalhadas e deixar o trabalho mais à vontade”.
Ex-presidente da bancada evangélica, ele repete argumento que virou mantra entre direitistas: “A esquerda sem sintonia nenhuma com a sociedade” está “desesperada tentando achar uma pauta”. Para ele, os adversários se iludem se acham que a encontraram. “Este é um tiro de morte no coração da economia.”
Há esforço para carimbar a proposta como uma ideia de jerico dos progressistas, que levaria a efeitos nocivos na economia, seja no aumento de preços, seja na incapacidade de preservar empregos com a nova escala.
Bolsonaro foi por toada parecida ao sugerir, em entrevista ao portal Metrópoles, que a iniciativa tem origem suspeita. Partidos como PT, PSOL e PCdoB “estão desconectados do povo” e “querendo voltar à origem”, afirmou. “Como? Pegando muita gente desinformada, lá na na base do mercado de trabalho, ou desempregada, falando: ‘Olha, vamos passar para quatro dias por semana e três de folga’.”
“Este é um tiro de morte no coração da economia” — Deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), sobre a PEC que propõe o fim da escala 6×1.
Para Fabio Wajngarten, braço direito de Bolsonaro, o governo atual é analógico, retrógrado e antiquado, o que leva a um distanciamento da população.
“Parafraseando Natanael na Bíblia, eu pergunto: pode alguma coisa boa vir do PSOL, um partido de extrema-esquerda?”, diz Marco Feliciano (PL-SP). “A esquerda morreu na última eleição, e querem ressuscitar a ‘PEC do Desemprego’.”
Natanael foi o apóstolo inicialmente cético quando escutou sobre Jesus de Nazaré: Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?”.
“Quem realmente é de direita”, segundo Feliciano, “não cobra esse tipo de pauta”.
Há controvérsias. A reação de André Fernandes (PL-CE) foi lida como escorregadia por pares parlamentares. Ele escreveu no X: a quem se pergunta por que ele não assinou PEC ou se pronunciou a respeito na Câmara, é porque “me licenciei do cargo para focar na campanha”. Ele concorreu a prefeito de Fortaleza, disputa acirrada que perdeu para Evandro Leitão (PT).
A pressão popular tem feito alguns deputados cederem. Amom Mandel (Cidadania-AM) começou contrário à diminuição da jornada, especulando impactos negativos na economia.
Voltou atrás e assinou a PEC. Justificou dizendo que pediu estudos técnicos para sua equipe, unânime ao defender que ratificasse a proposta.
Antes, havia sido alvejado na internet com críticas como: “Maluco ganha R$ 40 mil para ir três vezes por semana na Câmara, mas defende escala 6×1 para o povão que ganha R$ 1.400”.