Economista de Lula prevê bônus a famílias na renegociação de dívida
Por Guilherme Amado
O economista Guilherme Mello, coordenador do grupo de economia da fundação do PT para a campanha de Lula, afirmou que um eventual governo petista herdaria um cenário econômico “caótico” do mandato de Jair Bolsonaro. Em entrevista à coluna, o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) detalhou um programa de renegociação de dívidas não bancárias em estudo na campanha. Haveria incentivos para empresas que oferecessem os maiores descontos e também a famílias que pagassem em dia.
“O legado que Bolsonaro deixa não é um cenário só preocupante. É caótico. Você não tem nem clareza sobre o tamanho dos problemas econômicos. Os investimentos em educação e saúde caem. O orçamento secreto, por outro lado, tem R$ 20 bilhões para o ano que vem. Estão destruindo e privatizando o orçamento público”, disse Mello.
O professor também criticou o Auxílio Brasil, propôs a volta do Bolsa Família e defendeu uma reforma tributária que taxa os mais ricos.
Leia os principais trechos da entrevista:
Como avalia a economia agora? O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 1,2% no último trimestre.
Não é um crescimento robusto. Com Bolsonaro, entre 2019 e 2021, a economia cresceu uma média de 0,5% ao ano. Ou seja, é uma estagnação. Aumentaram a pobreza, a desigualdade, a miséria e a fome. Estamos acostumados com o péssimo. Aí quando começa a crescer um pouquinho mais, o pessoal fala: “Olha, está indo bem”. Além da reabertura da economia pós-Covid, o governo usou e abusou de um conjunto grande de recursos públicos para turbinar um crescimento para fazer campanha, o que é ilegal. As perspectivas para o ano que vem estão em 0,5%, algo baixíssimo, exatamente a média de 2019 a 2021. Ou seja: num ano eleitoral, você joga tudo e, no ano após a eleição, volta à pasmaceira anterior. O modo de Paulo Guedes e Bolsonaro de gerir a economia não gera crescimento.
Mesmo sem orçamento, Jair Bolsonaro prometeu nos últimos dias um Auxílio Brasil de R$ 800.
O governo Bolsonaro diz que vai manter o Auxílio Brasil em 2023, mas mandou a lei orçamentária sem sequer os R$ 600 do auxílio. Basta lembrar de 2020, quando veio o auxílio emergencial na pandemia. Em janeiro de 2021, eles cortaram o benefício. Foi de R$ 600 para zero. Ficou assim por quatro meses.
Num eventual governo Lula, a expectativa é encontrar uma herança difícil na economia?
O legado que o Bolsonaro deixa não é um cenário só preocupante. É caótico. Você não tem nem clareza sobre o tamanho dos problemas econômicos. Recentemente o Ibre [Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas] calculou em R$ 430 bilhões o tamanho dos gastos extras que o governo Bolsonaro deixaria para 2023. Isso é quase metade da suposta economia prevista para dez anos com a aprovação da reforma da Previdência. A cada dia, o governo anuncia algo diferente, sem estudo, simplesmente para agradar nas vésperas da eleição. Isso sem falar na baixa transparência. O orçamento secreto tem R$ 20 bilhões para o ano que vem. Ao mesmo tempo, cai o investimento em saúde, em educação, em ciência… Uma parte expressiva do investimento em saúde é composta de emendas parlamentares, ou seja, sem planejamento. Estão destruindo e privatizando o orçamento público. Há muito a ser feito. Estamos elaborando propostas com impacto imediato na vida das pessoas, que melhoram a qualidade do orçamento público e dialogam com a retomada do crescimento.
A posição contrária de Lula em relação ao teto de gastos está mantida?
Sim. É óbvio que o teto de gastos deu errado. Não tem como ser mantido. O desenho do novo arcabouço fiscal, assim como a reforma tributária, exige muita negociação, não é uma decisão do governo federal, depende do novo Congresso. Estamos sugerindo os princípios com base na literatura, na história e na experiência internacional de Europa, América Latina e Ásia. O foco é retomar o crescimento, priorizar os gastos públicos de qualidade, com credibilidade e sustentabilidade. Quem acabou com o teto de gastos foi o Bolsonaro, que já anunciou que vai mudar o teto pela quinta vez se for reeleito. Não tem mais credibilidade alguma. O teto só serve para esmagar os gastos sociais e os investimentos públicos, que caem ano após ano, enquanto o orçamento secreto continua crescendo. O teto não controla gastos, impede o crescimento robusto e preserva gastos de baixa qualidade e transparência.
Lula prometeu a volta do Bolsa Família, com um aumento de R$ 150 para crianças de até seis anos. De onde viriam esses recursos?
Há múltiplas possibilidades. Por isso estamos propondo uma reforma tributária. Nosso objetivo é recuperar um desenho adequado para a distribuição de renda. O desenho atual é ruim, como reconhecem todos os especialistas. O governo paga o mesmo benefício para um homem solteiro e para uma mãe com alguns filhos. Cria desigualdades gritantes. Além disso, cria incentivos: agora, toda família tem um incentivo para o casal se separar e receber mais de um Auxílio Brasil. Cresceu muito o número de homens solteiros registrados como família unipessoal no Cadastro Único.
A reforma tributária oneraria os mais ricos?
Sim. Hoje, os mais pobres pagam mais impostos, proporcionalmente à renda, do que os mais ricos. Quem ganha até três salários mínimos paga mais imposto do que o empresário que ganha R$ 80 mil. Defendemos aumentar a tributação sobre a renda dos muito ricos e reduzir a tributação sobre o consumo dos trabalhadores. Com isso, você consegue beneficiar 96% da população e passa a tributar pessoas que hoje são menos tributadas do que a média da população. Você simplifica o sistema e distribui renda. Defendemos a retomada da tributação de lucros e dividendos, a atualização da tabela do imposto de renda, para retomar uma política de correção da tabela. Desde que o PT saiu do poder, em 2016, a tabela do imposto de renda não foi corrigida em nenhum ano. Isso faz com que os mais pobres passem a ser mais tributados.
A campanha pretende retomar também a política de valorização do salário mínimo?
Exato. Um vencedor recente do Nobel de Economia, Alan Krueger, ressaltou a importância do salário mínimo como uma espécie de farol dos rendimentos do trabalho. Ou seja, mesmo quem não tem um salário atrelado ao mínimo se beneficia com o aumento. Porque sinaliza um ganho de rendimento para outras categorias. Se o ganho do salário mínimo é zero, o que acontece? É a realidade de hoje: uma queda da média salarial.
O Desenrola, programa de renegociação de dívidas não bancárias para quem ganha até três salários mínimos, precisa da participação do setor financeiro. O setor estaria disposto?
Sim. A ideia é que as empresas que oferecerem os maiores descontos terão preferência para ter acesso aos fundos de crédito. A proposta é uma espécie de Parceria Público-Privada (PPP). O setor público, que vai coordenar, entra capitalizando um fundo garantidor de crédito, para praticamente eliminar o risco de inadimplência e garantir ao setor privado que pode oferecer taxas melhores. As empresas entram oferecendo desconto, prazo e taxa adequados na renegociação de dívidas. E as famílias vão contribuir também, ao pagarem essa renegociação. Temos também a previsão de dar bônus de adimplência. Quem paga certinho vai ter um incentivo no final por terem honrado o compromisso que assumiram.
Como avalia o último mês da campanha? Bolsonaro tem subido, ao passo que Lula tem mantido o patamar de intenção de votos.
Tenho muita esperança. Entendo que a população brasileira compreendeu que o pacote de bondades eleitoreiras do governo Bolsonaro na reta final não é confiável. Ao contrário de Lula, que foi presidente por oito anos e fez essas políticas públicas de maneira perene, não na véspera da eleição. Lula transmite um nível de credibilidade e fala das questões que estão afligindo a vida das pessoas. Lula já passou por isso, foi trabalhador, passou fome, tem uma obsessão em resolver esses temas. Enquanto o Bolsonaro discute disfunção erétil, o Lula está discutindo como resolver fome e desemprego. As pessoas estão cansadas com esse modo de o Bolsonaro governar, afrontando a democracia, as instituições, usando a máquina pública em benefício próprio. Ainda é possível que, no primeiro turno, um grupo de eleitores fale: “Vou votar no Lula porque isso aqui precisa acabar”.