Entenda como Macron impôs a impopular reforma previdenciária por decreto, sem a aprovação do Parlamento
Por Sandra Cohen
Emmanuel Macron decidiu recorrer, na quinta-feira (16/3), ao artigo 49.3 da Constituição francesa, que permite ao Executivo aprovar uma lei sem a votação da Assembleia Nacional. A resolução, no entanto, não foi fácil para o presidente francês.
O caso em questão é a controversa reforma previdenciária, rejeitada por três quartos dos franceses, que eleva a idade da aposentadoria de 62 para 64 anos.
Macron e sua premiê, Élizabeth Borne, sabiam o quão antidemocrático seria lançar mão desse mecanismo, introduzido em 1958 na Constituição, com a Quinta República, e utilizado 87 vezes, desde então. Como definiu a presidente da Associação Francesa de Direito Constitucional, Anne Levade, recorrer ao 49.3 é o reconhecimento do fracasso, ou seja, de que o governo não obteve a maioria.
Descrito pela imprensa francesa como arma nuclear legislativa, o instrumento costuma ser a última opção do Executivo. Permite que o primeiro-ministro assuma a responsabilidade do governo perante a Assembleia Nacional, dispensando a votação de projetos de lei.
Por outro lado, oferece um risco: os parlamentares podem revidar e apresentar um voto de desconfiança contra o governo, assinado por 10% dos membros, e arquivar o projeto. Nesse caso, o governo deve renunciar. Caberia, então, ao presidente dissolver a Assembleia e convocar eleições antecipadas.
Macron e Borne declararam que preferiam não acionar o artigo, mas acabaram recorrendo a ele. No mundo ideal criado pelo presidente, a reforma previdenciária passaria pelos trâmites normais, sem as manifestações gigantescas e greves que vêm paralisando o país nas últimas semanas e despejando toneladas de lixo nas ruas.
O projeto impopular passou no Senado, mas tudo indicava que o governo não teria a maioria dos votos necessários na câmara baixa.
A aliança centrista de Macron depende do partido Republicanos para aprovar sua reforma e seus membros estão claramente divididos.
Uma derrota seria humilhante para o presidente e o transformaria num pato manco, apenas um ano depois de ter garantido um segundo mandato. A vitória no Parlamento tampouco o deixaria em situação confortável, já que as centrais sindicais prometeram renovar protestos e greves. Mas a imposição da reforma, por decreto, lhe tira a credibilidade e deve desencadear uma tempestade política sem precedentes sobre o governo.