Estudo revela detalhes sobre como eram feitas as múmias egípcias

0

Arqueólogos restauram uma múmia encontrada em tumba na cidade egípcia de Luxor — Foto: Stringer/AFP

Cientistas descobriram uma antiga unidade de embalsamento no Egito. A descoberta, sem precedentes, permite entender melhor o complexo processo pelo qual as múmias eram feitas, bem como a própria língua egípcia.

A unidade, localizada a cerca de 30 km ao sul do Cairo, data de entre 664 e 525 a.C. e consiste em uma estrutura acima do solo e de várias peças subterrâneas de até 30 metros de profundidade.

As substâncias encontradas foram identificadas como vindas de lugares tão longínquos como o Sudeste Asiático, o que revela como era ampla a rede comercial necessária para o processo de embalsamento.

Receita desconhecida

Até agora, os cientistas haviam obtido informações sobre a mumificação sobretudo a partir de velhos textos em papiros, de historiadores gregos e das próprias múmias egípcias.

Essas fontes indicavam que embalsamento era um processo complexo que envolvia diferentes misturas de óleos especiais, resinas e betume.

Porém, apesar de os cientistas serem capazes de determinar mais ou menos por que e onde algumas dessas substâncias eram usadas para embalsamar, eles não conseguiam fazer isso para todos os ingredientes.

Os textos antigos até davam os nomes dos ingredientes, mas traduzir termos relacionados a velhas substâncias é algo desafiador. Assim, até hoje se debate a quais substâncias alguns nomes se referem.

E apesar de os pesquisadores poderem analisar as substâncias encontradas nas múmias antigas, eles frequentemente não podiam determinar onde, por que ou como elas foram usadas.

Num estudo publicado na quarta-feira (1º) na revista Nature, os autores encontraram e analisaram exatamente o que pesquisadores precisavam para preencher as lacunas de conhecimento: 31 recipientes de cerâmica, ainda cheios de substâncias, de uma oficina de embalsamento de 600 a.C. Alguns tinham até mesmo as instruções de como e onde aplicar substâncias específicas.

Por exemplo, num pote dizia que a substância deveria ser usada para embalsamar a cabeça. Outro, explicava aos embalsamadores que deveriam usar a substância para obter um odor “agradável”.

“Antes desse [estudo], tínhamos nomes de coisas, mas nunca realmente soubemos o que elas eram, e supúnhamos que elas fossem isso ou aquilo”, explica a professora de egiptologia Salima Ikram, da Universidade Americana no Cairo, que não participou da pesquisa.

Esta ilustração mostra um sacerdote durante um processo de embalsamamento em uma câmara subterrânea em Saqqara, Egito. — Foto: Nikola Nevenov via AP
Esta ilustração mostra um sacerdote durante um processo de embalsamamento em uma câmara subterrânea em Saqqara, Egito. — Foto: Nikola Nevenov via AP

Descobertas centrais

O estudo, que foi conduzido em Saqqara, uma grande necrópole antiga localizada a 30 km ao sul do Cairo, reuniu arqueologistas, especialistas em línguas antigas e químicos.

“Nós [classificamos os ingredientes] identificando as substâncias químicas dentro dos vasos e as relacionando com os nomes do lado de fora”, explicou o professor de arqueologia Philipp Stockhammer, da Universidade Ludwig Maximilian, de Munique.

Essas correlações permitiram aos pesquisadores entender melhor compreensões anteriores de termos egípcios antigos como antiu, que tradicionalmente era associado à mirra, e sefet, que tradicionalmente era descrito como um óleo não identificado.

Agora os pesquisadores descobriram que antiu não era mirra, mas uma mistura de óleos de coníferas com gordura animal – um unguento – e que sefet também era um unguento perfumado contendo aditivos de plantas, como óleo de cipreste ou elemi.

Os cientistas também identificaram resinas tropicais, como elemi, que podem vir de tão longe quanto do Sudeste Asiático ou de florestas tropicais africanas, e dâmar, também do Sudeste Asiático. Ambas eram conhecidas por seus perfumes agradáveis e propriedades bactericidas e fungicidas.

“Isso nos mostra que a indústria do embalsamento foi basicamente impulsionadora dos primórdios da globalização, porque significa que você realmente tinha de transportar essas resinas por longas distâncias desde o Sudeste Asiático”, comenta Stockhammer.

Esta ilustração mostra um processo de embalsamamento em uma câmara subterrânea em Saqqara, Egito. — Foto: Nikola Nevenov via AP
Esta ilustração mostra um processo de embalsamamento em uma câmara subterrânea em Saqqara, Egito. — Foto: Nikola Nevenov via AP

Colaboração entre Egito e Europa

Os recipientes tinham de ser preparados e analisados, mas as leis do Egito não permitem que pesquisadores removam exemplares antigos do país.

Assim, os cientistas colaboraram com o Centro Nacional de Pesquisas, no Cairo, para fazer as análises no Egito. A falta desse tipo de colaboração é o motivo por que ainda não havia sido possível realizar pesquisas desse tipo, explica uma das autoras do estudo, Susan Beck.

Análise das substâncias

Para analisar as amostras, os pesquisadores borrifaram os vasos de cerâmica com solventes e extraíram os ingredientes de embalsamento. Depois, eles os analisaram com um processo conhecido como espectrometria de massa por cromatografia em fase gasosa.

“Imagine uma impressão digital química do recipiente e cada ingrediente também tendo sua própria impressão digital”, explicou outro autor, Stephen Buckley, professor de arqueologia na Universidade de York e na Universidade Eberhard Karls, em Tübingen, na Alemanha.

Basicamente, o processo separa os componentes e, então, encontra impressões digitais moleculares dos seus elementos, o que permite aos pesquisadores identificar a receita de embalsamento original, explica.

Esta foto mostra vasos de uma oficina de embalsamamento em Saqqara, Egito. — Foto: M. Abdelghaffar/Saqqara Saite Tombs Project, University of Tübingen via AP
Esta foto mostra vasos de uma oficina de embalsamamento em Saqqara, Egito. — Foto: M. Abdelghaffar/Saqqara Saite Tombs Project, University of Tübingen via AP

About Author

Deixe um comentário...