Inquérito do golpe: relatório final da PF chega à PGR, que pode denunciar Bolsonaro e aliados; próximos passos

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O ex-presidente Jair Bolsonaro em Juiz de Fora (MG) na sexta-feira (6) - Eduardo Anizelli/Folhapress

A Procuradoria-Geral da República (PGR) recebeu oficialmente na quarta-feira (27) o relatório final da Polícia Federal que indicia o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), enviou o relatório para a PGR na terça-feira (26).

Segundo as investigações da PF:

  • Bolsonaro tinha consciência, domínio e participação ativa no plano
  • O golpe não se consumou porque comandantes não cederam a pressões
  • Ataques à democracia culminaram no 8 de janeiro

De posse do relatório, uma das possibilidades na PGR é a apresentação de uma denúncia, ou seja, uma acusação formal de crimes na Justiça.

Isso só deve acontecer de fato a partir de fevereiro de 2025, segundo integrantes da procuradoria afirmaram ao portal g1.

Isso, porque o relatório tem quase 900 páginas e faltam poucos dias para o início do recesso de fim de ano, que coloca a análise em marcha lenta.

Se decidir por acusar formalmente o grupo no STF, a Procuradoria não precisa necessariamente seguir as conclusões da PF.

Ou seja, na prática, pode ampliar ou diminuir o rol de crimes, entender que foram configurados outros delitos, concluir de forma diferente sobre a contribuição de cada um dos denunciados para os atos ilícitos.

Entenda os cenários possíveis para as apurações envolvendo a tentativa de golpe de Estado em 2022.

Qual é o papel da PGR em uma investigação criminal?

A PGR é o órgão de cúpula do Ministério Público Federal, que atua em casos criminais que tramitam no Supremo Tribunal Federal. Em um caso penal, cabe ao MP propor a abertura de processo contra envolvidos em atos ilegais.

Os procuradores podem usar como base as investigações da Polícia Federal. É o que vai acontecer neste caso, já que a PF produziu um relatório de 884 com uma apuração sobre supostas ações antidemocráticas de 37 pessoas.

O que acontece quando o relatório da PF segue para a PGR?

O relatório da PF foi enviado pelo ministro Alexandre de Moraes na terça-feira (26). Uma vez com a PGR, o documento vai passar pela avaliação do procurador Paulo Gustavo Gonet Branco e da equipe de seu gabinete.

O que a PGR pode fazer?

A PGR pode tomar uma das seguintes medidas:

  • denunciar o ex-presidente e os outros 36 envolvidos;
  • pedir mais apurações à polícia;
  • arquivar o caso;

A lei dá 15 dias para que o Ministério Público se pronuncie. Na prática, esse prazo pode ser flexibilizado: se o MP pede mais apurações, ele é interrompido.

O que significa denunciar?

Denunciar é dizer à Justiça que alguém praticou crime. Na maior parte dos delitos da lei penal, essa tarefa é do Ministério Público.

No documento, o MP expõe os detalhes dos acontecimentos, a identificação dos acusados e a atuação de cada um, quais são as infrações e nomes de testemunhas a serem ouvidas, se for o caso. Pede que a Justiça abra uma ação penal para esclarecer os fatos.

Se a acusação é feita, será aberto prazo de 15 dias para que os denunciados enviem uma resposta escrita.

Concluída esta etapa, o relator libera o caso para que o recebimento da denúncia seja julgado de forma colegiada. Se ela for aceita, os denunciados se tornam réus e passam a responder a ações penais na Corte. Mas, desta decisão, cabe recurso.

A ação penal aberta segue para instrução processual. Neste momento, serão colhidas as provas (depoimentos, dados, interrogatório).

Concluída esta fase, o caso será julgado. Os ministros então definirão se os envolvidos devem ser condenados ou absolvidos. E, se condenados, qual a pena de cada um.

Na denúncia, a PGR é obrigada a propor condenação dos mesmos indiciados e crimes que a PF apontou?

Não. A PGR não está obrigada a seguir estritamente as mesmas conclusões da PF. Pode avaliar que as condutas se enquadram em infrações penais diferentes; reduzir ou ampliar este rol de delitos. O MP também pode ainda concluir que é o caso de arquivamento em relação a um ou outro indiciado.

Também pode propor a forma de aplicação das penas – se pela soma de cada uma das punições ou pela aplicação da pena mais grave, aumentada de uma fração.

A PGR pode pedir mais investigações à polícia?

Sim. Ao analisar o relatório da PF, a Procuradoria-Geral da República pode avaliar que precisa de mais dados sobre algum ponto da apuração.

O pedido de diligências complementares é enviado ao Supremo e cabe ao relator decidir se elas vão ocorrer. Em caso positivo, o prazo que a PGR tem para decidir o que fazer (pela lei, inicialmente 15 dias) é interrompido.

O caso, então, volta à PF para as providências necessárias.

E se a PGR entender que é caso de arquivamento?

Neste caso, a PGR pode concluir, a partir dos dados da PF, que não há elementos mínimos de crime ou que o grupo seja autor das infrações penais.

Se isso acontecer, a PGR encaminha suas conclusões ao Supremo, para análise do relator. A partir deste requerimento, Moraes decide se é, efetivamente, o caso de arquivamento.

Mesmo em uma situação de arquivamento, se surgirem novas provas, o caso pode ser reaberto.

Denúncia criminal contra Bolsonaro ‘é muito provável’, dizem criminalistas

O indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas pela Polícia Federal (PF), suspeitos de planejar um golpe de Estado, apresenta acusações robustas e provavelmente vai gerar uma denúncia criminal contra os investigados, segundo criminalistas entrevistados pela BBC News Brasil.

O relatório final das investigações, com 884 páginas, reúne indícios de como o grupo pretendia evitar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente em janeiro de 2023 para manter Bolsonaro no poder e convocar novas eleições.

Segundo a PF, o plano envolveria até a possibilidade de matar Lula, seu vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A PF diz ainda que a tentativa só não foi levada adiante devido à falta de apoio dos então comandantes do Exército (general Freire Gomes) e da Aeronáutica (tenente-brigadeiro Baptista Júnior) — em contraste com o endosso recebido do comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, ao plano golpista.

O relatório da PF foi enviado na terça-feira (26) para a Procuradoria-Geral da República (PGR) por Moraes, relator das investigações no STF.

Agora, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, vai avaliar se há elementos suficientes para apresentar uma denúncia criminal contra os investigados no Supremo ou se é preciso mais investigações.

Caso haja denúncia, o STF decidirá se autoriza o início de um processo, que poderá levar a condenações criminais e eventuais prisões.

Para os criminalistas Mauricio Dieter, professor da Universidade de São Paulo (USP), e Celso Vilardi, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), é “muito provável” que os investigados sejam denunciados, inclusive Bolsonaro.

“Eu diria que é extremamente provável uma denúncia, porque, no mundo jurídico que a gente vive, raramente você vê indiciamentos com contornos tão nítidos como esse”, disse Dieter à reportagem.

O professor lista elementos que dão densidade à investigação, como a análise da movimentação dos suspeitos pelo rastreamento dos celulares; as informações trazidas pela delação premiada do Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro; os depoimentos dos comandantes do Exército e da Aeronáutica implicando Bolsonaro; e documentos prevendo as etapas do suposto golpe.

Segundo Dieter, o fato de Moraes ter encaminhado o relatório à PGR indica que o ministro não viu ilegalidades na investigação da PF.

“Estamos falando aqui de uma investigação muito criteriosa, com georreferência [dos celulares], com delação premiada, com testemunhos robustos, com coerência de narrativa, com áudios degravados, com linha do tempo bem definida, com divisão de tarefas, com documentos recuperados, com transferência de valores”, lista o professor da USP.

“Há evidências sólidas, inclusive contra Bolsonaro. Se não houver denúncia, a gente vai dizer assim: ‘bom, esse é Ministério Público mais criterioso do mundo e não é Ministério Público o brasileiro'”, ressaltou.

Celso Vilardi, da FGV, ressalta que a apresentação da denúncia criminal não demanda provas cabais da atividade criminosa, mas a existência de indícios suficientes de autoria do crime.

É somente no processo criminal, que se inicia após eventual recebimento de denúncia, que ocorre a produção de provas, com espaço para a defesa rebater as acusações.

Por isso, ele também avalia que existem elementos suficientes para a PGR denunciar os suspeitos, inclusive Bolsonaro.

“É muito provável que o procurador vá acolher o relatório da Polícia Federal, se não no todo, mas na maior parte”, disse Vilardi à BBC News Brasil.

Embora a PF não tenha identificado uma gravação ou mensagem de Bolsonaro falando expressamente no plano golpista, o professor considera importante outros elementos, como os depoimentos dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, apontando a participação do então presidente.

“Eu acho que não é possível se falar em cogitação [de golpe de Estado]. Por tudo o que vi até agora, considero que há presença de indícios consistentes, sim, de uma tentativa de golpe”, reforça.

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