Justiça determina despejo de famílias em assentamento de João Pessoa, e entidades denunciam violações de direitos

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Famílias são despejadas de assentamento de João Pessoa — Foto: Manu Correia

Por Phelipe Caldas

Começou a ser cumprido na manhã da quinta-feira (23) um mandado de reintegração de posse de uma área da Praia do Sol, em João Pessoa, conhecida como Assentamento Margarida Maria Alves (veja vídeo clicando aqui). Trata-se de um terreno de aproximadamente 50 hectares que nos últimos tempos já vinha passando por um processo de conflito fundiário. A medida é do juiz Romero Carneiro Feitosa, da Vara de Feitos Especiais de João Pessoa, e a Polícia Militar da Paraíba e a Guarda Municipal de João Pessoa foram acionadas em caráter de urgência para despejar as famílias que moravam no local.

Em meio à ação policial, contudo, instituições como a Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DPE-PB), a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano e a Comissão Estadual de Combate à Violência no Campo e na Cidade denunciam que foram impedidos de acompanhar a reintegração de posse, o que é uma prerrogativa desses órgãos.

O conflito acontece porque a Companhia Industrial do Sisal reivindica a propriedade do terreno, mas esse acabou sendo ocupado por mais de 80 famílias em situação de vulnerabilidade social que alegavam que a área estava abandonada e sem possuir função social. As famílias ocuparam o local, desenvolveram a agricultura familiar e construíram suas residências, quando a empresa acionou a Justiça para reaver a área. No ato de despejo, algumas famílias já não moravam no local.

A defensora pública Fernanda Peres da Silva, que é coordenadora do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da DPE-PB, explicou que o caso vinha sendo discutido no âmbito do Tribunal de Justiça da Paraíba por meio da Comissão de Conflitos Fundiários, e que nos últimos tempos estavam sendo realizadas audiências de conciliação entre as partes para uma solução pacífica do impasse. Ela explicou, inclusive, que já havia uma liminar expedida em favor da Companhia, de forma que os debates giravam em torno da forma mais adequada de se fazer a desocupação. Até que, na manhã da quinta-feira (23), a decisão judicial atropelou o diálogo.

“Repentinamente tomamos conhecimento de que isso já estava em curso”, explicou.

Outro ponto que é fruto de críticas é justamente a montagem de barreiras policiais que impediram a aproximação da DPE-PB e das outras entidades. “Tentei por mais de uma hora ter acesso ao assentamento e isso não me foi autorizada”, denunciou.

Barreiras policiais impediram que entidades ligadas aos direitos humanos acompanhassem a reintegração de posse — Foto: Gleyson Melo/Comissão Estadual de Combate à Violência no Campo e na Cidade
Barreiras policiais impediram que entidades ligadas aos direitos humanos acompanhassem a reintegração de posse — Foto: Gleyson Melo/Comissão Estadual de Combate à Violência no Campo e na Cidade

Presidente da Comissão Estadual de Combate à Violência no Campo e na Cidade, Gleyson Melo explicou que uma reintegração de posse tem que ser feita à luz do dia, com o acompanhamento de defensores públicos e representantes da sociedade civil organizada, justamente para se evitar excessos. Mas, ele garante, esse direito simplesmente foi negado. “A presença dessas pessoas são previstas em lei para garantir que não haja violação de direitos e para garantir a lisura do processo”, ponderou.

Apesar disso, ele diz que houve desrespeito a esses preceitos básicos, o que pode tornar todo o processo nulo. “Houve grave violação dos direitos fundamentais”.

Gleyson Melo diz que há precedentes de reintegrações de posse que aconteceram de forma violenta, autoritária e repressiva, e justo por isso é necessário o acompanhamento legal do outro lado da contenda. “A presença da Defensoria Pública em casos de despejo de vulneráveis é obrigatória. Um direito básico está sendo negado”, completou, destacando que a Comissão vai tomar as medidas cabíveis no âmbito administrativo e processual. E que vai inclusive acionar o Conselho Nacional de Justiça contra o juiz Romero Carneiro Feitosa.

Na decisão, o juiz tinha dado um prazo para a “saída voluntária” das famílias, e que depois as forças de segurança poderiam ser acionadas. Foi o que aconteceu. A ação, assim, começou ainda nas primeiras horas da manhã.

A Polícia Militar da Paraíba chegou com o apoio da Tropa de Choque, utilizando-se de bombas de efeito moral. Tratores e caminhões também foram utilizados para derrubar muros e casas. Os imóveis foram todos destruídos e objetos pessoais levados. A informação é de que as famílias vão ser levadas para um abrigo da Prefeitura Municipal de João Pessoa.

Casas de assentamento foram destruídas com ajuda de trator — Foto: Manu Correia
Casas de assentamento foram destruídas com ajuda de trator — Foto: Manu Correia

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