Limitar ações de partidos no STF pode amenizar ativismo judicial, dizem juristas
Por Leonardo Desideri
A tendência de judicialização da política, que ganhou força nos últimos anos especialmente pela iniciativa de partidos de esquerda levando ao Judiciário questões que caberiam aos Poderes Legislativo e Executivo, pode ser confrontada com uma reação do Congresso em breve. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que considera propostas para reduzir o uso das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) por partidos políticos.
No começo de novembro, durante evento organizado por um banco, Lira defendeu a necessidade de “subir o sarrafo” para limitar as possibilidades das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) no Supremo. Ele disse já ter apresentado uma proposta neste sentido ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
“Já falei com o presidente Pacheco algumas vezes: nós temos erros na formulação de quem pode fazer ação direta de inconstitucionalidade no Brasil. Não pode um tema ser aprovado na Câmara com 480 votos favoráveis, ser aprovado no Senado com 75 de 80, e um partido com um representante entrar com ADI, e essa ADI ser julgada no Supremo e, muitas vezes, um parlamentar modificar a vontade de quinhentos e tantos”, afirmou.
Lira não só apontou o problema, mas também revelou que se discutem propostas concretas para solucioná-lo: “Já propus ao presidente Pacheco que o Congresso apresente que nós temos que subir o sarrafo da proposição de ADIs. Ou seja, partido político, para apresentar ADI, respeitar a democracia, tem que pelo menos ter 20%, ou apoio de 20% [de representantes no Congresso], para propor que aquela lei aprovada pela sua totalidade seja modificada”.
Ações Diretas de Inconstitucionalidade são pedidos para que o Supremo julgue a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo federal ou estadual. No julgamento das ADIs, o STF faz uma análise abstrata da matéria questionada, sem avaliar a aplicação a um caso concreto. A decisão tem efeito vinculante aos poderes Judiciário e Executivo em todas as esferas, além de ser retroativa, com impactos em diversos setores.
Na visão do jurista Adriano Soares da Costa, especialista em Direito Eleitoral, a ideia de Lira é bem-vinda, porque há partidos políticos usando o Judiciário como alternativa a seu fracasso eleitoral. Há, afirma Costa, uma “burla do sistema democrático de representatividade partidária”. Para ele, as legendas “tentam superar a sua condição de representação minoritária nas Casas Legislativas, obtendo decisões judiciais substitutivas da legislação que não conseguem implementar pela via democrática e política”.
O jurista recorda em especial do que ocorreu durante o governo Bolsonaro, quando partidos de esquerda como o PSOL e o PT fizeram, segundo ele, “largo uso de ações constitucionais típicas para implementar políticas públicas conforme a sua ideologia ou para evitar medidas governamentais que, por meio democrático, não conseguiriam obstar”.
“O STF passou a ingressar em matérias tipicamente de natureza legislativa provocado pelos partidos políticos e sem exercer a autocontenção da atividade jurisdicional, em ativismo exagerado e impróprio. Foi por ação do PSOL, por exemplo, que o STF fez uma intervenção federal anômala e indevida na segurança pública do Rio de Janeiro, impedindo operações policiais nas favelas tomadas pela criminalidade, com a população refém da bandidagem. O Estado do Rio de Janeiro passou a ser tutelado pelo STF na área da segurança, desse modo, por iniciativa original de um partido político minoritário”, comenta.
Ideia de Lira pode ser reação não só aos partidos de esquerda, mas também ao Novo
A ideia de Lira desagradou não só à esquerda, que tem entrado com a maioria das ADIs que chegam ao Judiciário, mas também ao partido pequeno de direita do Congresso, o Novo.
A líder da legenda, Adriana Ventura (SP), afirmou à reportagem que tirar o direito de qualquer partido de acionar o STF por meio de ADIs seria mais um “ataque à democracia brasileira”. “Não podemos cercear o direito de um partido representar seus eleitores em nada, muito menos em ações importantes que implicam em defender a Constituição”, comentou, fazendo a ressalva de que concorda que é preciso aperfeiçoar o rito de análise das ADIs.
Recentemente, junto com o Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), o Novo levou ao Supremo a ADI 7426, questionando novas regras do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que proíbem associar a atividade profissional da psicologia com crenças religiosas. Segundo o partido, as normas ferem diretamente a laicidade do Estado e afrontam princípios da Constituição como a dignidade da pessoa humana e a liberdade de consciência e de crença. O caso, distribuído ao ministro Alexandre de Moraes, ainda não foi a julgamento.
Janaina Paschoal, ex-deputada estadual (PRTB-SP) e doutora em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), é favorável à discussão sobre limitar as ADIs, mas levanta dúvidas sobre a intenção de Lira ao suscitar o tema somente agora. Para ela, isso pode ser “uma forma de blindar o governo Lula, por exemplo, da combatividade de um partido como o Novo”.
“Eu sou muito crítica a essa cultura de infantilização do Poder Legislativo. Sempre fui. Isso sem contar o risco de um partido político ser usado como escritório de advocacia. Não obstante, acho intrigante que ninguém tenha levantado essa discussão no governo anterior, quando [o senador] Randolfe [Rodrigues (REDE-AP)] peticionava ao STF dia sim, dia também”, comenta. “Tenho dúvidas se o objetivo é mesmo limitar o ativismo judicial”, acrescenta.
Ela recorda que Lira já era presidente da Câmara com Bolsonaro no poder, e questiona: “Somente agora isso o incomodou? Resgate as inúmeras iniciativas da Rede, inclusive com assessores do Senado advogando nos feitos. Jamais vi Lira criticar.”
Mesmo com essas ressalvas, Janaina acredita que a discussão sobre as ADIs e a judicialização da política “precisa ser feita”.