Limitar apostas para beneficiários do Bolsa Família diverge de regulamentação da Fazenda; entenda
A ideia de limitar as apostas para beneficiários do Bolsa Família provoca divergências dentro do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No entorno do presidente, há quem defenda a limitação, mas auxiliares avaliam que a medida teria viés discriminatório e inconstitucional. A própria regulação que vem sendo construída pelo Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria de Prêmios e Apostas, segue um caminho bem diferente.
Lula determinou ao ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, que indique providências para evitar que o dinheiro do Bolsa Família seja usado nas bets. O ministro determinou a criação de um grupo de trabalho para apresentar propostas ao Palácio do Planalto até a próxima quarta-feira (2).
Wellington Dias defende que o cartão do Bolsa Família, que funciona como um cartão de débito, seja bloqueado para apostas esportivas. Outra possibilidade é limitar o valor de apostas pelos beneficiários ou ainda transferir a titularidade do programa para outra pessoa da família, caso o titular seja apostador.
O presidente e o ministro estavam em Nova York, participando das atividades da ONU (Organização das Nações Unidas), quando o Banco Central divulgou um estudo mostrando que as famílias do Bolsa Família movimentaram cerca de R$ 3 bilhões em um mês com as apostas esportivas – gasto médio de R$ 600 por família.
O próprio BC, no entanto, informou que o valor retido pelas casas – ou seja, o prejuízo dos apostadores – foi de aproximadamente R$ 450 milhões, o que dá cerca de R$ 90 por família.
Regulamentação no Ministério da Fazenda
A primeira lei que autorizou o funcionamento das bets foi aprovada em 2018, no último ano do governo de Michel Temer (MDB). O texto aprovado no Congresso previa a regulamentação em um prazo de dois anos, mas não houve qualquer avanço regulatório durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), quando Paulo Guedes era o ministro da Fazenda. Nesse mesmo período, houve um crescimento vertiginoso das bets no país.
O assunto só voltou a ser discutido em 2023. Em junho do ano passado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou uma Medida Provisória sobre o assunto. A matéria caducou, mas as propostas do governo foram incorporadas num outro projeto de lei, aprovado em dezembro de 2023, estabelecendo uma série de novas regras para o setor. A lei determinou que a regulamentação complementar ficaria a cargo do Ministério da Fazenda.
Essa regulamentação vem sendo elaborada pelo Ministério da Fazenda desde o início do ano por meio de portarias regulatórias. As portarias só começam a valer em 1º de janeiro de 2025. Uma delas trata das regras para evitar o jogo compulsivo. O texto obriga as bets a exigir dos apostadores que informem seu CPF, tenham conta bancária em seu próprio nome e acessem os sistemas de apostas por meio de reconhecimento facial.
A portaria ainda determina que as bets façam um perfil de cada apostador baseado nas informações sobre a renda do usuário. As casas são obrigadas a emitir alertas aos usuários que estiverem comprometendo um valor excessivo dos seus rendimentos nas apostas. Se mesmo com o alerta eles continuarem apostando, aí as bets são obrigadas a bloquear temporariamente as apostas deste usuário. O próximo passo é o cancelamento da conta.
O grande desafio, nesse formato, é a fiscalização. As bets serão obrigadas a repassar os dados dos usuários ao Ministério da Fazenda, bem como detalhar de que forma vão estruturar a ferramenta de alerta e de bloqueio aos usuários compulsivos.
Outra portaria publicada pela Secretaria de Prêmio e Apostas trata dos meios de pagamento das apostas. O texto proíbe o uso do cartão de crédito, mas não estabelece veto à utilização do cartão do Bolsa Família. Há portarias, ainda, que tratam do combate a fraudes, à lavagem de dinheiro e regras de propaganda.
A partir de outubro, o Ministério da Fazenda irá notificar a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para retirar do ar as bets que não se credenciaram no Sigap (Sistema de Gestão de Apostas).
A ideia da Fazenda era derrubar essas páginas somente em janeiro do ano que vem. A antecipação foi provocada pelas denúncias de fraudes e lavagem de dinheiro envolvendo algumas casas de aposta.
Até agora, cerca de 120 bets se inscreveram. Cada uma delas precisa apresentar uma lista de aproximadamente 100 documentos. Se aprovadas, as casas vão pagar uma outorga de R$ 30 milhões para poder atuar no mercado a partir do ano que vem.