Lula e o PT querem conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado, vencendo eleições sucessivamente
Populistas moderados também são um risco para a democracia
Por Augusto de Franco
A esta altura, os chefes de governo dos países democráticos liberais já têm indicações suficientes para avaliar o caráter político de Lula e do governo do PT. Basta que examinem meia dúzia de pontos:
1 – Elogios a Putin, não adesão às sanções à ditadura russa, recusa em ajudar a resistência ucraniana e tentativa de inculpar Volodomyr Zelensky pela guerra.
2 – Elogios aos regimes ditatoriais de Cuba e da China e admiração declarada pelo Partido Comunista Chinês.
3 – Tentativa de responsabilizar os Estados Unidos pelo impeachment de Dilma Rousseff (considerado falsamente como um golpe de Estado), pela operação Lava Jato, pela prisão de Lula e de outros dirigentes petistas que cometeram crimes.
4 – Recusa em condenar as ditaduras venezuelana e nicaraguense e as violações de direitos humanos cometidas por esses regimes.
5 – Criação artificial de dificuldades para sabotar a adesão do Brasil à OCDE.
6 – Autorização para navios de guerra iranianos, fortemente armados, atracarem no Brasil.
Sim, bastam esses seis pontos. Quem assim procede, se quisermos chamar de democrata porque adota a via eleitoral, só pode ter um caráter iliberal ou não liberal.
O problema é o que se pode concluir dessas evidências ou sinais. Seria um erro avaliar que Lula é um líder autoritário, mais ou menos como um Bolsonaro com o sinal trocado. Seria também um erro avaliar que ele é um líder extremista. Pois Lula não é nada disso. É apenas um populista de esquerda (ou neopopulista), mas isso não é pouca coisa se entendermos bem o que realmente significa.
Os cientistas políticos travam debates sobre o papel das instituições e sistemas de governo para evitar a ascensão de líderes populistas radicais (ou extremistas). Mas é preciso estudar os prejuízos para a democracia causados por líderes populistas moderados (não extremistas) como Lula.
Vejamos.
Lula não é populista-autoritário (é neopopulista ou populista de esquerda, como são ou foram Hugo Chávez, Evo Morales e Luis Arce, Manuel Zelaya e Xiomara Castro, Rafael Correa e Lenín Moreno, Fernando Lugo, Maurício Funes e Salvador Cerén, Cristina Kirchner e Alberto Fernández, López Obrador e Pedro Castillo).
Lula não é um líder isolado, mas um chefe partidário (ele tem mais votos do que o PT, mas isso não significa que ele não seja o PT – e, mais do que isso, o dono do PT).
O PT (Lula) não persegue minorias sociais (só minorias políticas).
O PT (Lula) não quer derruir as instituições (só quer ocupá-las, fazendo maioria no seu interior).
O PT (Lula) não quer destruir nossa democracia eleitoral (só não quer que ela vire uma democracia liberal).
O PT (Lula) não é extremista (pelo contrário, é moderado, mas isso não significa que não seja hegemonista).
O PT (Lula) não é revolucionário em termos clássicos (mas também não é social-democrata, como querem vendê-lo os universitários que ajudam a lavar a reputação do partido: Lula não é um Olaf Scholz, da Alemanha, assim como Dilma não foi nada parecida com uma Sanna Marin, da Finlândia).
O PT (Lula) não quer dar um golpe de Estado em termos tradicionais (quer conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido, vencendo eleições sucessivamente para se delongar no governo).
O PT (Lula) aderiu sinceramente à via eleitoral (e ama de paixão as eleições, encarando-as, porém, como um meio para tomar e reter o poder, não como parte do metabolismo normal das democracias e por isso nunca se deu muito bem com a rotatividade democrática).
O PT (Lula) não é simpático à ditaduras (com exceção das ditaduras de esquerda, como Cuba, Venezuela, Nicarágua e Angola).
O PT (Lula) não condena claramente a agressão militar de Putin contra a Ucrânia (pelo contrário, acha que o ditador russo cumpre um papel importante ao enfrentar o imperialismo americano).
O PT (Lula) não aprova a coalizão de democracias liberais (EUA, Canadá, União Europeia, Japão, Coréia do Sul, Austrália, Nova Zelândia) para conter o expansionismo da ditadura russa (pelo contrário, é mais simpático às autocracias chinesa e indiana, aliadas de Putin).
O PT (Lula) sempre fala em autodeterminação dos povos e soberania dos países (e isso vale até para as ditaduras de esquerda, mas não para democracias como a da Ucrânia e de Taiwan).
O PT (Lula) se diz contra a guerra (mas pratica a política como continuação da guerra por outros meios, na base do “nós” contra “eles”).
O PT (Lula) se diz favorável à paz e à tolerância (mas acha que a polarização elites x povo deve ser encorajada e que as minorias políticas antipopulares não devem ser toleradas e devem mesmo ser deslegitimadas quando impedem a realização das políticas populares).
O PT (Lula) se diz contra as milícias digitais que divulgam fake news (mas financiou, muitas vezes com dinheiro público, via estatais, uma rede suja de dezenas de sites e blogs para divulgar uma realidade paralela favorável ao partido).
O PT (Lula) é contra o negacionismo científico (mas não contra o negacionismo histórico-político, uma vez que afirma falsamente que não houve mensalão, não houve petrolão, não houve aparelhamento do Estado por militantes petistas e ainda mente dizendo que nunca quis controlar a mídia tradicional).
O PT (Lula) não se recusa a fazer alianças (mas, sobretudo quando a chefia do Estado está em jogo, só se o partido estiver na cabeça).
O PT (Lula), diz que a democracia brasileira está em risco (mas não constituiu um governo de coalizão – uma verdadeira frente ampla democrática – para afastar tão grave perigo e reconstruir o país e sim uma frente de esquerda hegemonizada pelo PT, com alianças fisiológicas para ter maioria no Congresso e dois enfeites de “frente ampla”, Geraldo Alckmin e Simone Tebet, para efeitos de propaganda).
Bem… dizer mais o quê? Se tudo isso não for suficiente para decifrar o caráter político de Lula e do PT, o que será?
Augusto de Franco é escritor