Lula perde carisma, e ‘horror da ditadura’ não pode ser esquecido, diz professor de Direito da USP

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O jurista Fábio Konder Comparato em simulação de julgamento da Lei de Anistia em 2014 - Marlene Bergamo - 18.mar.14/Folhapress

O advogado Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP e um dos principais juristas do país, afirma que Luiz Inácio Lula da Silva já não tem o carisma de outrora e que o PT já deveria começar a preparar o ministro Fernando Haddad (Fazenda) para sucedê-lo na Presidência.

Referência da esquerda sobretudo na área de direitos humanos, após um início de carreira voltado também ao direito comercial, Comparato atuou na defesa de presos políticos e por reparação aos perseguidos pela ditadura.

Esteve à frente de causas simbólicas dos familiares e mortos e desaparecidos, como as da família Almeida Teles e Luiz Eduardo Merlino contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e de Inês Etienne Romeu contra a União Federal. Assinou também a ação da OAB no Supremo Tribunal Federal sustentando que a Lei da Anistia não poderia impedir a punição de crimes contra a humanidade perpetrados na ditadura.

“Vivemos uma situação em que é importantíssimo que haja uma figura carismática no governo. E, infelizmente, o Lula está perdendo o seu carisma. E eu penso que talvez fosse o caso de se começar a atuar no sentido de fazer do Fernando Haddad uma espécie de bom sucessor do Lula”, disse Comparato.

“Agora, eu não sei como se pode fazer isso, porque antigamente havia partidos políticos, hoje não existem mais partidos, existem personalidades. E as personalidades que contam na política vão diminuindo, podemos contá-las com os dedos de uma só mão.”

Segundo o jurista, os atuais partidos já não têm força para fazer a sociedade avançar. “Precisamos criar um grupo de políticos, de intelectuais e gente com capacidade e experiência para reformular as atividades daquilo que nós chamávamos outrora esquerda, que pressuponha uma oposição ao que parece ser a única realidade política atual, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, que é a direita.”

Comparato deu as declarações no contexto do posicionamento de Lula em relação ao passivo da ditadura. Ele disse que discorda da recente declaração do presidente de que a ditadura “faz parte da história” (“não vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar esse país para frente”, afirmou Lula) e da determinação do petista para que órgãos do governo não lembrem os 60 anos do golpe, neste 31 de março.

“Eu acho que não se pode esquecer esse horror. E, sobretudo, é preciso levar em consideração o fato de que toda a juventude brasileira nasceu depois do golpe não viveu nada daquilo. Qualquer que seja a nossa posição quanto ao governo Lula, é preciso não esquecer o horror do golpe de 64. É preciso, antes de mais nada, não perder este horror na nossa memória coletiva.”

Ainda assim, observou Comparato, é preciso que Lula tenha diálogo com os militares e, nesse sentido, o advogado defende que o presidente siga “os conselhos do ministro José Múcio [Defesa]”.

“Evidentemente, ele está mais ligado aos militares do que o presidente, mas, sobretudo, ele parece consciente de que nós estamos vivendo um momento difícil. E a minha impressão é de que o Lula não tem consciência disso. É preciso que haja um interregno, uma conversa séria do governo com o grupo militar.”

Comparato considera que os desdobramentos quanto às tentativas de golpe por parte de Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados e aos ataques de 8 de janeiro “têm que continuar como o ministro Alexandre de Moraes determinou. Ou seja, nós não podemos esquecer esse assunto. É preciso pelo menos iniciar os processos penais”.

Aos 87 anos, Comparato não advoga mais, e diz que não tem saído de casa por questões de saúde. Mas continua, apesar das limitações, a tomar parte no debate público. Ao conversar com a reportagem por telefone no último dia 20, acabara de participar de uma reunião por vídeo da Comissão Arns, da qual é um dos ilustres integrantes —como diz fazer semanalmente.

“Eu estou sujeito àquela praga que se chama velhice. De qualquer maneira, eu espero que outras pessoas mais jovens tenham a convicção de que nunca se pode esquecer os horrores de governos ditatoriais que duraram pelo menos duas décadas no Brasil.”

 

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