Vladimir Putin. Foto: Mikhail Svetlov /Getty Images

Por Shira Ovide

Embora muitas empresas internacionais de tecnologia e outras indústrias estejam parando de trabalhar na Rússia depois da invasão da Ucrânia, não está claro quanto tempo vai durar a solidariedade corporativa para isolar o país. Basta olhar para crises passadas.

Em 2018, agentes da Arábia Saudita assassinaram e desmembraram o jornalista Jamal Khashoggi, do “The Washington Post”, levando à rápida condenação do reino depois que as agências de inteligência dos EUA descobriram que este aprovara o assassinato planejado. Algumas poucas empresas estrangeiras e potências tecnológicas desistiram de negócios com a Arábia Saudita. Mas, depois de cerca de seis meses, muitas estavam de volta.

A situação na Arábia Saudita e na Rússia é diferente, mas ambas destacam um problema para as corporações globais, particularmente as empresas de tecnologia cujos serviços digitais transcendem fronteiras: você deve trabalhar em um país onde o comportamento do governo é inaceitável?

Muitos executivos de tecnologia americanos abraçaram a crença de que as interconexões econômicas e culturais entre nações, indústrias e cidadãos ajudam a prevenir conflitos e melhoram as condições de vida de todos. Mas, como escreveu minha colega Patricia Cohen, a guerra da Rússia é o mais recente desafio ao ideal de engajamento global para a manutenção da paz.

Empresas poderosas – particularmente as de tecnologia, com seu perfil público e suas riquezas descomunais – estão cada vez mais sob pressão de seus clientes, funcionários ou autoridades eleitas para retirar seus negócios e pressionar por mudanças nas leis ou normas governamentais em todo o mundo.

Os varejistas globais têm sido pressionados por alegações de que lucraram com o trabalho forçado no território chinês de Xinjiang. Os opositores das restrições ao aborto no Texas exigiram que empresas como a Uber e a Tesla se posicionassem contra a lei. Os defensores da liberdade de expressão exortaram o Facebook e o Twitter a desafiar as proibições do governo indiano aos cidadãos que se opõem às novas leis agrícolas.

As empresas às vezes se encontram em posição de escolher princípios em vez de lucros, normalmente com chances incertas de mudança sistêmica.

Depois da morte de Khashoggi, alguns líderes do setor de tecnologia e de outros decidiram se distanciar da Arábia Saudita.

O Google e a Amazon pareceram suspender as negociações com autoridades do governo saudita para construir centros de dados computadorizados. A Fundação Bill & Melinda Gates cancelou uma promessa a uma organização sem fins lucrativos liderada pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, o governante de fato do reino. A Endeavor, agência de Hollywood, devolveu US$ 400 milhões do fundo de investimento da Arábia Saudita.

Em muitos casos, as empresas internacionais reduziram seu perfil público e retomaram os laços com a Arábia Saudita quando o assunto esfriou. Havia muito dinheiro em jogo.

Responder ao governo da China é o maior desafio para as empresas globais. Pequim impôs uma ampla lei de segurança nacional em 2020 que aproximou Hong Kong da censura e da vigilância digital chinesas. A Apple, o Google, o Facebook, a Amazon e outras responderam ameaçando se retirar da cidade.

Meu colega Paul Mozur me disse que as empresas de tecnologia basicamente permaneceram em Hong Kong, em parte porque parece que seus piores temores – ataques às empresas e prisão de funcionários por não cumprimento da lei – não são prováveis. Ele observou que elas continuaram avaliando cada movimento ou sinal do governo.

Cada país apresenta desafios únicos para as corporações globais e seus negócios. O presidente russo Vladimir Putin iniciou uma guerra não provocada contra um país vizinho, e a maior parte do mundo se uniu em apoio à Ucrânia. A retirada coletiva das empresas da Rússia – por escolha ou, no caso do Facebook, por ter sido bloqueada pelo governo – também é diferente de sua ausência em países há muito isolados como o Irã e a Coreia do Norte.

Karen E. Young, membro sênior do Instituto do Oriente Médio, apontou que a Arábia Saudita e a Rússia eram diferentes em outro aspecto: “O governo e a liderança saudita entenderam muito rapidamente a importância de estar integrados aos mercados internacionais. Putin parece disposto a jogar isso fora.”

Jeffrey Sonnenfeld, da Escola de Administração de Yale, escreveu na “Fortune” que o que chamou de “grande retirada de negócios” da Rússia pode levar a uma mudança de liderança. Ele mencionou que quando empresas internacionais cortaram laços com a África do Sul décadas atrás, suas ações ampliaram as sanções de governos internacionais e ajudaram a acabar com o regime de apartheid do país.

Gregory Fairchild, reitor do campus norte da Universidade da Virgínia, cuja pesquisa se concentra em estratégia corporativa e ética, declarou que líderes autocráticos na Rússia e em outros países podem estar calculando que governos e corporações estrangeiras não sustentarão o afastamento e as punições: “A duração da indignação está ligada ao ciclo de notícias. Muitos líderes têm provas suficientes de que não nos importaríamos por muito tempo.”

c. 2022 The New York Times Company

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