Ódio entre Renan e Lira é herança familiar e se acirrou em eleições

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Arthur Lira e Renan Calheiros: a disputa que extrapolou as fronteiras de Alagoas

Arthur Lira (PP), presidente da Câmara, não suporta o senador Renan Calheiros (MDB). O sentimento é recíproco. A briga entre eles foi uma “herança” familiar, extrapolou os limites de Alagoas, onde começou, e interfere até na política nacional.

O que aconteceu

Hoje em dia, Renan e Lira não saem nem em foto juntos. Embora ambos sejam próximos do governo Lula, conversar é difícil e só com intermediação de gente graúda. Mas nem sempre foi assim.

Tudo começou com um desentendimento de Renan com o pai do deputado federal, o ex-senador Benedito de Lira (PP), o Biu. O racha aconteceu durante uma campanha eleitoral há mais de uma década.

Renan e Biu nunca foram propriamente aliados, mas tampouco eram inimigos. Em 2010, Arthur Lira tentava a Câmara pela primeira vez. Renan tentou levar Biu —deputado federal em alta na época— para compor sua chapa ao Senado. Parecia natural: ambos eram base de Lula e apoiavam Dilma Rousseff (PT). Juntos, seriam imbatíveis.

Só que Biu decidiu entrar na chapa à reeleição do então governador, Teotônio Vilela (PSDB), e enfrentar Renan. Ambos pouparam ataques durante a campanha, mas a eleição de Biu enfureceu o adversário, que ficou em segundo e viu o PP crescer em Alagoas.

A situação azedou de vez quando Biu anunciou que iria disputar o comando do estado em 2014. Renan Calheiros lançou o filho, Renan Filho (MDB), atual ministro dos Transportes, para concorrer contra ele.

Os três protagonizaram uma campanha recheada de ataques. Biu trouxe à tona temas pessoais sobre a família adversária, o que foi considerado inaceitável pelos Calheiros. Renanzinho foi eleito em primeiro turno, com 52% dos votos contra 33% do ex-senador, sacramentando a força política da família.

A relação nunca melhorou, só escalou. Arthur Lira cresceu, ganhou destaque nacional e “herdou” a rixa. Biu ficou no cenário político mais regional. Em 2022, a eleição foi novamente truculenta e recheada de ofensas dos dois lados.

Disputa regional vira nacional

Renan é a principal figura alagoana na política nacional desde o impeachment de Fernando Collor (PTB), que ele ajudou a eleger e depois ajudou a derrubar. O senador reinou quase sem concorrentes até 2019, quando Jair Bolsonaro (PL) assumiu a Presidência e viu em Lira um aliado de primeira ordem.

As coisas não andavam tão bem para o senador em 2018, ano que consagrou o bolsonarismo nas urnas. Renan só foi eleito ao quarto mandato com uma ajudinha do filho, que surfava em popularidade e foi reeleito com 78% dos votos.

Já Lira era uma estrela em ascensão. Naquele ano, ele teria sua melhor votação desde que chegara à Câmara, em 2011, superada apenas por 2022, quando foi o primeiro colocado do estado, com quase 220 mil votos.

Ao ver o adversário crescer, Renan tentou de tudo para que Lira não fosse eleito presidente da Câmara em 2021, sem sucesso. Com o apoio de Bolsonaro, Lira ganhou mais poder e se transformou no expoente máximo do centrão.

Como uma dobradinha, Bolsonaro terceirizou os assuntos internos do Legislativo e Lira gerenciou como ninguém o chamado “orçamento secreto”. Defensor da Câmara, o deputado acabou ganhando o apoio inclusive de parlamentares que não compõem seu grupo político.

Neste ano, Renan tentou evitar a aliança de Lula com Lira, em busca da reeleição para o comando da Casa. Sofreu nova derrota e agenda da Câmara continua nas mãos do rival até 2025. Entre aliados, é consenso que ele nunca digeriu esse fato.

Mas a volta de Lula à Presidência também deu livre acesso ao Planalto para Renan, que vê sua força em Alagoas voltar a crescer. No ano passado, ajudou a emplacar o sucessor do filho, Paulo Dantas (MDB), no governo do estado, em uma disputa direta contra Collor e indireta contra Lira e Bolsonaro. Hoje, é indiscutível o predomínio de seu grupo no estado.

O novo capítulo: Braskem

O rompimento de uma mina em Maceió atiçou a briga entre os grupos. Governo do estado e prefeitura entraram em litígio judicial pelo acordo sobre o terreno atingido pela Braskem.

Ambos estão de olho num crescimento eleitoral em 2024 e 2026. Lira apoia o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), o JHC, que fez o acordo com a mineradora, enquanto Renan é o seu maior crítico. Nesta semana, o governo de Alagoas anunciou a desapropriação da área de cinco bairros afetados pela mineração.

Os dois grupos se reuniram pela primeira vez na última terça (12), no Palácio do Planalto, para tentar resolver a situação com intermédio de Lula, mas não houve progresso. Em um encontro tenso, JHC e Renan se interromperam em diversos momentos, segundo relatos. Não houve foto oficial divulgada.

Lira defendeu o acordo, que repassou R$ 1,7 bilhão à prefeitura e cedeu à Braskem a área atingida, enquanto Renan chamou o documento de “ilegal”, pois não houve um repasse justo à população e a mineradora “foi presenteada” com o terreno.

A CPI da Braskem, que inicia os trabalhos em fevereiro no Senado, foi um raro momento de consenso entre os dois —contra o governo. Renan foi um dos principais chanceladores da investigação, também apoiada por Lira. Ambos veem a chance de protagonismo na luta pelo estado.

Quem não gostou tanto foi Lula, responsável pela Petrobras. Experiente, a cúpula governista conhece bem o jargão de que “CPI a gente sabe como começa, mas nunca como termina”.

Eleição de 2026 depende de disputa em 2025

Renan e Lira devem se enfrentar —ou, numa reviravolta, se alinhar, brincam as más línguas— na disputa ao Senado em 2026. Até lá tem muito chão pela frente, podendo mudar o cenário já em 2025, nas eleições legislativas.

Lira mira em fazer seu sucessor na presidência da Câmara. O deputado sabe que, por melhor que seja a relação com Lula, sua influência no governo é diretamente proporcional ao poder que tem na Casa. Ex-presidentes todo-poderosos à frente da Mesa Diretora, como Eduardo Cunha (MDB), foram esquecidos ao perderem o comando dela.

Aliados tentam cacifá-lo para um possível ministério de Lula após deixar a presidência, o que o manteria em evidência. Fontes próximas do petista, por sua vez, questionam o que Lula ganharia em troca —por isso, manter a influência na Casa é tão necessário.

Já Renan vislumbra um terceiro mandato na presidência do Senado. Já dialoga com petistas e indica ao governo que vai cobrar o preço do longo apoio ao longo dos anos mais difíceis do partido, desde a derrota de Dilma. Entretanto, ele sabe que esbarra diretamente na candidatura de Davi Alcolumbre (União-AP), que tem costurado excelente relação com o presidente.

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