Pai de Liana Friedenbach diz que usaram sua história para discurso de ódio e que redução da maioridade penal é estupidez

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Liana Friedenbach. Foto: Reprodução

Por Maria Carolina Trevisan

Não há como superar a morte de um filho. A dor é ainda mais aguda quando há violência. O pai de Liana Friedenbach, assassinada em 2003, reagiu à tristeza atuando na política. O advogado Ari Friedenbach foi vereador e candidato a deputado estadual. Um dos principais motivos que o moveu a continuar vivendo foi o amor pelo filho mais novo. “Ele tem direito de ter um pai”, emociona-se em entrevista ao UOL News.

Ari conta que, logo depois do crime, certos políticos se aproximaram de forma “atroz”. O objetivo deles era usar a morte de Liana para reduzir a maioridade penal. Ele mesmo, ainda em estado de choque, fez campanha pela antecipação da responsabilização de adolescentes envolvidos em crimes hediondos. Mas reviu sua posição pouco tempo depois.

“Quiseram se apropriar da minha história de uma forma que eu absolutamente abominava, especialmente o [ex-presidente Jair] Bolsonaro. O embate foi diretamente com ele”, conta.

Em 2016, ele publicou uma carta desautorizando o ex-presidente, na época deputado federal, de usar o nome de Liana “para defender as posturas absurdas que ele defende, como a pena de morte e outras maluquices” para Roberto Aparecido Alves Cardoso, o “Champinha”, que era adolescente quando participou do crime junto a outros quatro adultos, quase todos já em liberdade.

“Não autorizo o uso da minha história para fazer discurso de ódio ou tentar dar credibilidade a suas propostas insanas”, dizia o ofício.

‘Redução da maioridade é estupidez’

Toda vez que os crimes contra Liana e Felipe são relembrados, retoma-se a discussão sobre prisão perpétua e pena de morte, vedadas pela Constituição brasileira. “A redução da maioridade penal é uma estupidez, não dá certo. Ainda mais no nosso sistema prisional, que é uma aberração. Imagina colocar mais gente, mais nova, no cárcere?”, afirma Ari.

A questão é que a UES (Unidade Experimental de Saúde) onde Roberto está recolhido, uma aberração jurídica criada exclusivamente para ele, tem a pretensão de resolver o medo da sociedade em relação a casos assim. A unidade fica na Vila Maria, zona norte da capital paulista.

É um equipamento único no país, destinado a egressos da Fundação Casa que cometeram atos infracionais graves, completaram a maioridade, possuem diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial e laudos de alta periculosidade.

“Estamos diante de um fato muito doloroso e que indignou a comunidade, em que o nível de apreensão está no máximo. Há o medo de que possa acontecer de novo. Existe o caráter doloroso e amedrontador de um fato como esse. Então, a emoção toma conta da nossa maneira de responder”, afirma o criminólogo Riccardo Cappi, doutor em criminologia pela Universidade de Laurent, na Bélgica, e professor da UNEB (Universidade do Estado da Bahia) e da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana).

Segundo Cappi, autor de “A maioridade penal nos debates parlamentares: motivos do controle e figuras do perigo” (Editora Casa do Direito), a partir do medo, a percepção sobre o problema é reduzida. “O meu medo faz com que eu esteja focado naquilo que pode me atingir, sem ver a complexidade, a circunstância, a história, as possibilidades e as alternativas. O medo e a dor são legítimos. Mas não podemos pautar políticas públicas com base no medo”, diz.

Para ele, quando o estado e parlamentares apresentam uma saída distante da legalidade, essa solução mágica passa a ser atraente e a exclusão radical se apresenta como remédio. “As entidades tomam a decisão de condenar o indivíduo à morte social. Na criminologia, a questão da periculosidade sempre foi um problema. É impossível fazer uma previsão absoluta e certeira. Há uma relativa incerteza com a qual temos que trabalhar.”

Ao tratar do uso da força e da privação de liberdade, ele ressalta que é fundamental obedecer aos parâmetros legais. “É preciso ter um acompanhamento que não retire toda a possibilidade de vida social da pessoa.”

Nova Resolução não altera vida de Champinha

Em junho, a Resolução n. 487 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinou novas diretrizes para a aplicação da Lei Antimanicomial, orientando a desinstitucionalização de apenados com transtorno mental, com adoção de medidas preventivas, tratamento individualizado e ambulatorial.

Parlamentares tentaram barrar a execução da lei, sob o argumento de que criminosos perigosos voltariam às ruas. Chegaram a usar como exemplo os crimes contra Liana Friedenbach e Felipe Caffé, namorado da adolescente que também foi assassinado.

Ocorre que Roberto Aparecido Alves Cardoso, que ficou conhecido como “Champinha”, e os demais internos da UES (Unidade Experimental de Saúde) de São Paulo não serão afetados por essa decisão.

Todas as instâncias consultadas pelo TAB concordam que a UES não se enquadra na resolução.

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