Relatório na CPI mostra que jogos com suspeita de manipulação movimentaram R$ 9 milhões; nenhum na série A

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Foto: Reprodução

Partidas de futebol suspeita de manipulação movimentaram, pelo menos, R$ 9,2 milhões em apostas entre 2022 e 2023, apontam documentos da SportRadar, entregues pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) à CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, que ocorre no Senado Federal.

Para investigadores, suspeita de manipulação se refere a vários tipos de atitudes irregulares durante os jogos: forçar um cartão, ceder um lateral, forçar uma substituição (tudo isso pode ser objeto de aposta). Não é necessariamente perder um jogo de propósito.

A SportRadar é uma multinacional, com sede na Suíça, que desenvolve tecnologias para ajudar federações a identificarem fraudes esportivas.

Todos os valores relacionados pela empresa são em euros e foram atualizados pelo Índice Geral de Preços — Mercado (IGP-M) do período.

A CPI teve acesso a relatórios de 142 partidas de futebol realizadas no Brasil entre 2022 e 2023. A SportRadar apontou que os 9,2 milhões, aplicados nas casas de apostas, foram distribuídos por 52 jogos.

Em média, cada uma das partidas informadas pela empresa movimentaram R$ 176 mil em apostas, em valores atualizados.

O site g1 questionou a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) se existe um valor médio de apostas que são feitas nos jogos de futebol que acontecem no Brasil, mas eles informaram ser “impossível” definir esse dado.

“É impossível definir um valor médio por partida porque a discrepância é muito grande. Temos partidas que realmente movimentam cifras muito maiores que partidas regulares e partidas que movimentam muito menos. Ao mesmo tempo, operadores diferentes promovem diferentes odds para aquela partida. Assim, num mercado não regulado é impossível chegar a esse nível de detalhe”, afirmou a ANJL.

Já o Ministério da Fazenda informou que somente em 2025 passará a ter dados referentes a apostas esportivas realizadas no Brasil.

“Como o país se encontra em meio a processo de regulação e autorização dos agentes operadores de apostas, os dados efetivos relacionados a valores ainda não estão disponíveis. Quatro portarias já foram publicadas, dentre as quais a Portaria SPA/MF nº 722, de 02 de maio, de 2024, que prevê um Sistema de Apostas, gerido pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda. Por meio desse Sistema, será possível ao órgão regulador ter acesso a todos os dados, tanto operadores e de apostas e de apostadores, quanto valores, tempos de acesso etc.”, informou a Fazenda.

“O processo de autorização iniciou-se com a Portaria SPA/MF nº 827, de 21 de maio de 2024, prevendo que o período de transição determinado pela Lei se encerrará em 31 de dezembro de 2024. Assim, o regulador passará a cobrar o pleno cumprimento das Leis e da regulamentação, a partir de 1º de janeiro de 2025, quanto tais dados estarão à disposição, para o controle das atividades reguladas do setor”, complementou o Ministério.

Campeonatos

As partidas destacadas pela SportRadar são dos campeonatos brasileiros das séries B, C e D, Copa Verde e campeonatos estaduais profissionais e sub-20.

A última rodada da série B de 2022, o jogo entre Operário Ferroviário (PR) e Grêmio Novorizontino (SP), valendo a permanência do clube de São Paulo na série B, foi o que mais movimentou apostas dentre os relacionados. Ao todo foram R$ 1,37 milhões apostados, em sua maioria, na vitória do Grêmio Novorizontino.

“Houve apostas suspeitas pré-jogo registradas em casas de apostas com contas monitoradas em favor do Grêmio Novorizontino vencendo o primeiro tempo com pelo menos dois gols marcados no primeiro tempo”, afirmou o relatório da SportRadar.

  • Entre os fatores que geraram suspeitas da empresa, estão:
  • sete alterações na escalação do time titular do Operário Ferroviário em relação a partida anterior;
  • o Grêmio Novorizontino não ter vencido no primeiro tempo por 2×0 em seis dos últimos sete jogos que disputou;
  • volume de apostas maior do que os apresentados nos mercados de futebol mais populares;
  • 15% das casas de apostas monitoradas suspenderam a possibilidade de apostas pré-jogo em vitória do Novorizontino no primeiro tempo;
  • o segundo gol do Novorizontino foi marcado nos acréscimos do primeiro tempo, após o zagueiro do Operário cometer um pênalti.

“Esses padrões de apostas são suspeitos e não podem em nenhuma circunstância ser explicados por fatores esportivos lógicos, demonstrando claramente que os apostadores prestaram atenção significativamente maior a esses resultados específicos”, apontou a SportRadar.

A segunda partida que mais movimentou apostas foi entre Sapucaiense x Igrejinha pela série B do campeonato gaúcho, em outubro de 2023.

A partida recebeu ao menos R$ 1 milhão em apostas contra a Sapucaiense e, ainda no começo do jogo, enquanto a partida estava em 0x0, várias apostas foram registradas que o time da casa perderia por 0x5. O placar final foi 1×2.

“Embora a partida tenha terminado com um placar de 1:2 – tornando a maioria das apostas fortes malsucedidas – há elementos de suspeita nos mercados de apostas. Os padrões de apostas e as informações de suporte atuais fornecem indicações de que o GE Sapucaiense pode estar envolvido na potencial manipulação desta partida”, afirmou o relatório.

Na outra ponta, uma partida pela sétima rodada do Campeonato Amapaense de 2022, entre Ypiranga x São Paulo, movimentou apenas R$ 6,8 mil e foi apontada com “claras e incontestáveis” evidências de manipulação do resultado.

À época, o São Paulo estava em último no campeonato, sem nenhum ponto marcado e, mesmo assim, 88% das apostas foram em prol da vitória do time. A partida acabou com o Ypiranga perdendo por 4 a 3.

“Os padrões de apostas e as informações de suporte atuais fornecem indicações de que o Ypiranga foi potencialmente cúmplice na manipulação deste jogo”, apontou

Apostas suspeitas por campeonatos

CAMPEONATO QTD. JOGOS VALOR APOSTAS
Brasileiro Série B 4 2.541.614,05
Gaúcho Série B 3 1.090.948,34
Brasileiro Série C 3 1.011.417,78
Carioca Série C 4 704.289,76
Acreano 5 475.038,12
Campeonato Amapaense 3 386.395,08
Copa Alagoas 4 350.239,12
Pernambucano Serie A2 2 294.918,00
Maranhense 2 272.221,76
Sul Mato-grossense 2 271.785,45
Brasileiro Série D 3 240.904,03
Carioca Sub-20 1 227.479,15
Campeonato Gaúcho Sub-20 4 199.722,09
Cearense Série A 1 171.753,25
Cearense Sub-20 1 171.107,42
Tocantinense 2 167.263,94
Piauiense Série A 1 107.627,89
Paraense 1 102.332,90
Mineiro Sub-20 1 102.269,84
Carioca Serie B2 1 86.407,16
Mato-Grossense 1 69.891,68
Goiano Segunda Divisão 1 55.207,19
Gaúcho Sub-20 1 48.219,22
Copa Verde 1 11.847,76

Prejuízos financeiros

Além dos dados referentes a movimentação de apostas em partidas suspeitas, a Sportradar ainda fez um levantamento do prejuízo que as casas de apostas tiveram com nove jogos.

Ao todo, foram R$ 4,85 milhões de prejuízo. Quatro das partidas foram pela série C do Campeonato Brasileiro, outras três pela série B e uma do Campeonato Carioca Sub-20 e outra do Campeonato Pernambucano da Série A2.

A partida que mais rendeu prejuízo, assim como a que mais movimentou dinheiro, foi entre Operário Ferroviário e Grêmio Novorizontino, pela última rodada do campeonato Brasileiro da série B. Ao todo, as casas de apostas perderam R$ 1,67 milhões.

O segundo jogo que mais causou prejuízo foi entre Angra dos Reis e Rio de Janeiro, pelo Campeonato Carioca Sub-20, em julho de 2023. A partida movimentou R$ 227 mil e causou um prejuízo de R$ 745,9 mil, valor quase três vezes maior.

“Esta partida contém elementos que suscitam preocupações quanto a perspectiva da integridade”, analisou a Sportradar.

Conforme o relatório da empresa suíça, 40% das apostas foram para vitória do Angra dos Reis por três, quatro ou cinco gols.

Até o final do segundo tempo, o jogo estava 2 a 1 para Angra. Aos 61 minutos, o Rio de Janeiro teve um pênalti a favor perdido e aos 75, um jogador do time visitante foi expulso. Nos minutos finais, o Angra acabou fazendo três gols e a partida terminou 5 a 1 para o time da casa.

O relatório da Sportradar ainda aponta que o “jogo não era muito ofensivo”, uma vez que o Angra chutou apenas cinco vezes ao gol do adversário em todo o segundo tempo.

“Portanto, é claro que os eventos da partida que se desenrolam no campo não foram a influência motriz por trás desse comportamento de apostas altamente suspeito”, apontou o relatório.

A Tombense, de Minas Gerais, alvo de investigação pelo Ministério Público de Goiás (MPGO) na operação Penalidade Máxima, por suspeita de manipulação, aparece no relatório da Sportradar com dois jogos da Série B do campeonato Brasileiro que juntos, movimentaram R$ 433 mil.

Na primeira partida, válida pela última rodada do campeonato, em que os dois times não tinham mais chances nem de subir e nem de cair, a empresa identificou que 99% (R$ 401 mil) das apostas eram para que o Criciúma venceria o primeiro tempo.

Posteriormente, as investigações do MPGO apontaram que um grupo envolvido em manipulação de jogos ofereceu € 27 mil para jogadores do Tombense cometerem pênalti no primeiro tempo, que acabou acontecendo, aos 32 minutos, feito pelo jogador Joseph.

Já na temporada seguinte, a mesma Tombense teve um jogo da 7ª rodada do Campeonato Brasileiro da Série B assinalado como suspeito após a casa de apostas Betano informar que seis horas antes do início da partida, o mercado de apostas recebeu R$ 32 mil em apostas de que o time mineiro teria a maior quantidade de cartões no jogo. A partida causou um prejuízo de R$ 73 mil para as casas de apostas.

“As apostas para este resultado ocorreram nos mercados pré-jogo e ocorreram principalmente em contas brasileiras. A Betano indicou que a maioria dessas contas era da mesma região do árbitro do evento, o que causou preocupações de integridade sobre a atividade de apostas testemunhada no mercado de cartões mencionado”, apontou o relatório.

Operação Jogo Limpo

Há duas semanas, a Polícia Federal realizou a operação Jogo Limpo para apurar possível manipulação de resultado em uma partida da série D do Campeonato Brasileiro, entre Inter de Limeira e Patrocinense, ocorrida em 1º de junho deste ano.

A operação surgiu após a CBF encaminhar o relatório da Sportradar com a relação de partidas suspeitas de manipulação para a Polícia Federal.

Segundo a PF, há indícios de que apostadores tinham “conhecimento prévio de que determinada equipe viria a perder o primeiro tempo da partida por ao menos dois gols”.

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