Silvero Pereira sobre interpretar Maníaco do Parque: “Figura real”
Silvero Pereira estreou no papel mais desafiador da carreira. O ator vive Francisco de Assis, conhecido como maníaco do parque. O filme, baseado na história do assassino que ficou famoso pela crueldade em que cometia os crimes, será lançado pela Prime Video.
Para a jornalista Fábia Oliveira, Silvero contou como está a expectativa para se ver num papel diferente dos que viveu durante a carreira, entre eles Elis, de A Força do Querer; Zaqueu, de Pantanal, ambas novelas da TV Globo; além de Lunga, em Bacurau; e Gisele Almodovar, de Transophia.
Maníaco do Parque: A História Não Contada está disponível na plataforma desde o dia o último dia 18. A trama vai relembrar os abusos cometidos por Francisco, que foi condenado por atacar 23 mulheres e assassinar dez delas.
O caso aconteceu entre 1997 e 1998. A trama será contada pela perspectiva das próprias vítimas sobreviventes e das famílias das mulheres assassinadas.
Confira o bate-papo exclusivo com o ator:
Quando recebeu o convite para integrar o elenco de Maníaco do Parque, interpretando o próprio Francisco de Assis, qual foi a sua primeira reação?
Eu fiquei bem surpreso, não esperava que o convite seria pra viver o Francisco. Tenho tentado construir uma outra imagem na minha carreira no audiovisual, para que não seja marcada apenas em personagens nordestinos e LGBTs e esse convite me desafiou como ator, por isso que aceitei.
Além do seu notável talento como ator, a que você atribui o fato de ter sido escolhido para esse papel?
Sou um profissional muito disciplinado e envolvido com os projetos que decido fazer. Tenho percebido o diferencial que isso traz para as produções, ter um ator aberto ao diálogo e responsável com seus compromissos.
Interpretar um personagem real é mais desafiador do que dar vida a um personagem totalmente ficcional? Qual dessas duas experiências mais te agrada?
Acho que as dificuldades são diferentes. O ficcional requer a responsabilidade de dar vida a uma personagem sem definição, é difícil você criar a dramaticidade dele, entender se a personalidade que você pensa pra ela, realmente, se encaixa. Já no personagem real, a dificuldade é buscar os maneirismos e fazer o público identificar a figura real na performance do ator.
Como foi o processo de preparação para representar uma figura tão perturbadora?
Por incrível que pareça, foi um processo muito tranquilo do ponto de vista técnico. Eu estive amparado o tempo todo por profissionais muito dedicados a me auxiliarem nas minhas dúvidas e fortalecer minhas decisões. O Francisco do filme não foi criado sozinho, foi fruto de um trabalho totalmente colaborativo com preparação, direção, caracterização e figurino.
Como você lidou emocionalmente com a densidade e a complexidade psicológica do Francisco de Assis?
Não me envolvi emocionalmente com as questões pessoais do Francisco. Não levo o trabalho pra minha vida pessoal. Me concentrei no roteiro e na construção das cenas e das atmosferas com muito respeito às histórias envolvidas, especialmente das vítimas, mas com a preocupação primária de fazer o público adentrar e acreditar nas cenas.
Quais aspectos da mente do Maníaco mais te intrigaram durante a preparação para esse personagem?
Como ator, do ponto de vista técnico, que é como acredito no meu ofício, fui buscando comportamentos físicos de olhar, jeito de andar, a postura da coluna, os movimentos de braços, as entonações na voz em diferentes entrevistas e um pouco da personalidade dele que veio à tona por matérias jornalísticas. Meu trabalho é construir uma máscara capaz de fazer o público se convencer desse personagem.
Em algum momento das filmagens você ou outros atores do elenco se sentiram desconfortáveis com a intensidade das cenas?
Nunca! Tínhamos um set muito cuidadoso e coreografado. As funções de coordenação de intimidade e movimento garantiram toda a segurança, integridade e respeito durante o trabalho.
Muita gente, assim como eu, ficou apavorada com as expressões assustadoras do seu personagem. Como as pessoas estão reagindo a você depois de assistirem ao filme?
Você tem percebido olhares desconfiados ou já teve gente mudando de calçada ao te ver? (risos) Tenho percebido algo muito interessante nesse contato com o público que é conseguir distinguir o personagem de quem sou na vida real. Tenho sido abordado com muito elogio, muita admiração do ponto de vista do meu trabalho, muita gente parabenizando, justamente, como eu consegui fazer um personagem tão diferente de quem eu sou.
Você é fã de True Crime, não é mesmo? Você se inspirou em outra obra de crime real para esse trabalho?
Se sim, quais foram suas referências? Não! Me restringi unicamente ao caso do Francisco, os autos do processo, entrevistas e áudios. Eu estava exatamente focado em apresentar um personagem que tivesse ligação direta com a figura real.
Acredita-se que criminosos, como o Francisco, se envaideçam da repercussão midiática de seus crimes. Essa questão, inclusive, é abordada pelo filme. Em razão disso, alguns críticos apontam que as obras baseadas em crimes reais podem mitificar a imagem do criminoso e até mesmo glamourizar o crime, dando à figuras, como o Francisco, a tão sonhada fama. Como você enxerga esse dilema entre a liberdade artística e a responsabilidade ética ao abordar essas histórias?
Acredito que o True Crime tem uma importância de trazer informações mais profundas sobre os fatos. É nesse ponto que o gênero me causa interesse. Não existe glamour ou romantismo num crime, mas fazer uma obra desse tipo exige muito cuidado, responsabilidade e ciência do que, realmente, se quer fazer ao abordar uma história.
O filme Maníaco do Parque busca dar voz para mulheres que foram silenciadas, não apenas pelo Francisco mas também pelo machismo estrutural. Na sua visão, algo mudou na sociedade dos anos 90 para os dias atuais? Mudamos muito, mas não o suficiente. Não estamos livres do machismo, misoginia, lgbtfobia , racismo e muitas outras coisas. Basta a gente ver os discursos de políticos fascistas dos últimos 10 anos no Brasil e no mundo, basta ver os índices de feminicídio no país. Ainda há muito o que melhorar.