Varíola dos macacos: 2,9 mil casos são investigados em 8 centros do SUS; entenda como está a testagem no país

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Por Roberto Peixoto e Lara Pinheiro

A testagem para casos de varíola dos macacos ainda não ocorre de forma ampla no Brasil, um reflexo do avanço da doença e de como os setores público e privado de saúde se mobilizaram contra o vírus monkeypox, segundo especialistas ouvidos pelo g1.

Embora disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), há gargalos na testagem que vão desde o tempo necessário para desenvolver testes específicos para serem comercializados e que passam até mesmo pela dificuldade em obter reagentes que possibilitariam capacitar mais centros de testagem.

“O diagnóstico hoje é um grande gargalo – ter poucos lugares que fazem, demorar tempo entre a coleta do material e a resposta do diagnóstico para o profissional de saúde, do profissional de saúde para o paciente, isso é ruim”, avalia a epidemiologista Ethel Maciel, professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Dados de compilados pelo governo federal até terça-feira (9) indicam que o Brasil somava 2.415 casos confirmados da varíola dos macacos (monkeypox) e de 2.963 casos suspeitos ainda à espera de resultado de um teste diagnóstico, segundo o balanço mais recente disponível.

Ao todo, desde o começo do atual surto, 6.986 exames diagnósticos para a doença foram processados nos laboratórios públicos do país. O governo não tem um consolidado dos testes realizados na iniciativa privada, mas os representantes chegam a estimar que foram responsáveis por 60% dos testes já feitos no país.

Para confirmar a doença, o SUS tem oito laboratórios de referência que analisam as amostras coletadas em todo o país. A testagem é restrita e o resultado pode demorar dias para chegar. A virologista Clarissa Damaso, da UFRJ, aponta que a ampliação dos centros de referência deve ser gradual no país para evitar desperdício de material usado nas análises.

“Do meu ponto de vista, tem que ser uma dinâmica: à medida que você tem regiões com mais aumentando número de casos, aquela região poderia ser fortalecida com mais laboratórios fazendo análise”, comenta a virologista. Ela citou o exemplo recente da mudança no envio das amostras coletadas no Centro-Oeste para Brasília, antes elas seguiam para o Rio. A mudança ocorreu por aumento da demanda e por facilidade logística, segundo Damaso.

A virologista explica que, no atual cenário de recursos escassos na indústria farmacêutica, é prudente ampliar os centros sem desperdiçar material. “A gente tem uma dificuldade dos reagentes. As empresas que fornecem esses reagentes estão pedindo 20 a 30 dias úteis para entregar. Isso é um tempo extremamente longo. Sem reagente a gente também não faz nada”, explica a virologista.

O atual panorama da testagem contra o vírus monkeypox no país é marcado também por uma participação significativa da rede privada, cujas empresas desenvolveram seus próprios métodos para dar conta da demanda: o setor avalia ter sido responsável por mais da metade dos testes já feitos no Brasil, mesmo sem que os planos de saúde sejam obrigados a custear os exames que podem chegar a custar R$ 450.

Enquanto a rede de referência do governo cresce impulsionada pelo aumento da demanda, há a expectativa de que, nas próximas semanas, a Anvisa libere a comercialização de testes de varíola dos macacos desenvolvidos por empresas privadas, facilitando o acesso e provocando uma eventual diminuição dos preços.

Segundo o Ministério da Saúde, o diagnóstico para a varíola dos macacos é feito exclusivamente por um teste do tipo PCR. O exame avalia o material genético coletado nas amostras das lesões por técnica de biologia molecular, com grau de sensibilidade superior a 95%.

“Um teste rápido (diferente do PCR, que exige processamento em laboratório) iria ajudar bastante. Se os próprios estados tivessem, eles já não mandariam tantos casos (para os centros de referência) que acabam sendo negativos. Você já faria uma triagem. Só que não existe teste rápido para monkeypox”, analisa Damaso.

LABORATÓRIOS DE REFERENCIA PARA O SUS

Até 6 de agosto, conforme informações disponíveis no site do Ministério da Saúde, oito laboratórios eram responsáveis por processar amostras e diagnosticar a varíola dos macacos no Brasil:

  1. Laboratório de Enterovírus da Fiocruz-RJ;
  2. Laboratório Central de Saúde Pública de Minas Gerais/Fundação Ezequiel Dias;
  3. Laboratório Central de Saúde Pública de São Paulo/Instituto Adolfo Lutz;
  4. Consórcio entre o Laboratório de Biologia Molecular de Vírus do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho e o Laboratório de Virologia Molecular do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
  5. Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal (Lacen/DF);
  6. Laboratório Central de Saúde Pública do Rio Grande do Sul (Lacen/RS);
  7. Laboratório de Referência Regional em Enteroviroses do Instituto Evandro Chagas, no Pará;
  8. Instituto Leônidas e Maria Deane, ligado à Fiocruz do Amazonas.

O g1 entrou em contato com os laboratórios de referência:

  • O Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ, informou que o consórcio tem recebido de 300 a 500 amostras por semana. Os testes levam em torno de 24 horas para serem analisados.
  • O Laboratório de Enterovírus da Fiocruz no Rio de Janeiro informou que tem capacidade de realizar, em média, 400 a 500 análises por semana, e que o laudo com o resultado leva em média 24 horas para ser emitido.
  • O Laboratório Central de Saúde Pública de Minas Gerais informou que tem capacidade de analisar 500 amostras por dia; desde o início da realização dos exames diagnósticos, em 6 de junho, já foram processadas mais de 2 mil amostras, de 582 pacientes (para cada paciente é enviada mais de uma amostra). Cerca de 30% dos testes analisados têm resultado positivo para a varíola dos macacos; os resultados têm sido liberados, em média, 24h após o recebimento da amostra.
  • O Lacen do Rio Grande do Sul informou que recebe, em média, de 100 a 150 amostras por semana, leva de 24h a 72h para emitir o resultado do teste e tem capacidade de realizar em torno de 500 análises semanais.
  • A Fiocruz do Amazonas informou que tem recebido, em média, 5 amostras por semana, apenas do Amazonas; o laboratório também é responsável pelas análises de Acre e Roraima, mas ainda não recebeu amostras desses estados. A capacidade atual de análise é de 100 amostras semanais, podendo chegar a 500 amostras conforme mais insumos chegarem. Os resultados têm levado menos de 24h para ficarem prontos.

ANVISA analisa testes comerciais:

Ainda não há registro comercial de testes na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) específicos para a monkeypox. Até o dia 11, a agência avaliava seis pedidos de registro de testes comerciais para diagnóstico da varíola dos macacos, dois deles fabricados pela Fiocruz.

Os testes que estão sendo usados na rede privada foram desenvolvidos pelos próprios laboratórios – o que é chamado de desenvolvimento “in-house” – e não podem ser comercializados.

Carlos Eduardo Gouvêa, da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL), acredita que essa aprovação da Anvisa é importante, pois os testes ficarão mais baratos e, consequentemente, mais acessíveis.

“O mercado de diagnóstico é muito competitivo. Tendo escala e competitividade você consegue ter produtos cada vez melhores e a menores preços. Então, a tendência é esse valor, que é restrito a alguns laboratórios e a uma tecnologia trabalhosa, ser elevado. Tendo testes comerciais pouco a pouco vai cair o preço”, destaca.

SEM COBERTURA DOS CONVENIOS

Os planos de saúde não são obrigados a cobrir os testes de varíola dos macacos, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

De acordo com a agência, o oferecimento dos testes na rede privada ainda é “incipiente” e depende dos kits de testagem que precisam ser aprovados pela Anvisa.

“É importante ressaltar que ANS está atenta ao cenário sanitário envolvendo a Monkeypox (varíola dos macacos) e, em momento oportuno, adotará ações em alinhamento com as políticas nacionais de saúde”, destacou a ANS em nota.

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