Vítimas da ditadura rechaçam declaração de Mendonça sobre democracia

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Foto: Reprodução

Por Ricardo Noblat

Familiares de desaparecidos políticos e vítimas da ditadura rebateram com indignação a declaração do ex-ministro André Mendonça de que a democracia no Brasil foi conquistada sem mortes e sem derramamento de sangue. A afirmação foi feita hoje na sua sabatina no Senado para o Supremo Tribunal Federal (STF).

“A democracia é uma conquista para a humanidade. Para nós não, mas em muitos países ela foi conquistada com sangue derramado e com vidas perdidas” – foi a declaração de Mendonça aos senadores.

Horas depois, diante da péssima repercussão, Mendonça tentou explicar sua declaração.

Victória Grabois, do Grupo Tortura Nunca Mais, foi perseguida pela ditadura, teve que trocar de nome e tem a dura marca do regime militar na sua família: três parentes diretos – pai (Maurício Grabois), irmão (André Grabois) e o marido (Gilberto Olimpio) – foram mortos pelos militares na Guerrilha do Araguaia e seus corpos nunca foram encontrados. A guerrilha foi um movimento de resistência à ditadura que ocorreu no norte do Brasil, entre 1972 e 1975. Victória criticou a fala de Mendonça.

“É uma declaração infeliz de uma pessoa desqualificada, sem condições de ir para o STF. Não conhece a história do Brasil, não sabe o que aconteceu. Desconhece que há uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que condenou o Estado brasileiro pelas mortes dos 69 guerrilheiros que atuaram naquela área. Uma sentença que determina que sejam processados os militares que prenderam, mataram, torturaram e desapareceram com milhares de brasileiros. Como não teve derramamento de sangue?!” – disse Victória Grabois.

A historiadora da UnB e ex-integrante da Comissão de Anistia, Eneá Stutz, classificou como “lamentável” a declaração de André Mendonça e diz que ele desconsidera documentos oficiais, como o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que demonstrou a perseguição política e assassinatos de opositores da ditadura ocorridos no período, que durou de 1964 a 1985. Eneá dirige um grupo de Justiça de Transição na universidade.

“A interpretação que esse candidato dá à defesa da democracia no Brasil já demonstra que muitas interpretações são possíveis de qualquer texto, seja ele a Bíblia ou a Constituição. Ele interpreta que não houve perseguição política no Brasil ditatorial , que não houve assassinato praticado pelo Estado e que ele próprio apenas cumpriu a lei quando invocou a Lei de Segurança Nacional, quando ministro, para criminalizar opiniões” – disse Eneá Stutz.

A pesquisadora vai além e diz que até na Igreja Presbiteriana, da qual Mendonça é integrante, houve perseguição a pastores.

“Ele desconsidera a própria história recente da Igreja a qual pertence. A Igreja Presbiteriana do Brasil, a serviço da ditadura, também perseguiu seus integrantes, delatou pastores e destroçou famílias” – contou Stutz.

O técnico em eletrônica Edson Benigno, hoje com 72 anos, foi perseguido, preso e torturado durante a ditadura. Ele servia na Marinha quando, em 1975, agentes do regime invadiram sua casa, no Rio de Janeiro, e o algemaram, encapuzaram e apontaram uma arma para a barriga de sua mulher, que estava grávida. Ficou 50 dias preso e foi submetido choque elétrico e pau de arara, práticas de tortura daquela época. Ele critico a frase do ministro.

“Lógico que houve derramamento de sangue. Não foram poucos os que lutaram para restaurar a democracia” – disse Edson Benigno.

Anistiada politica por sua militância política, Rosa Cimiana, servidora da Câmara dos Deputados, teve o pai preso pelos militares em 4 de abril de 1964. Ele era atuante no antigo Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Cimiana criticou a fala de André Mendonça e disse que ele se mostrou ser um “terrivelmente desinformado”.

“Muito sangue foi derramado, sim, para se alcançar a democracia no Brasil e até permitir a ele dizer uma barbaridade como essa hoje. O indicado de Jair Bolsonaro se mostrou, na verdade, um terrivelmente desinformado ou um terrivelmente mentiroso” – disse Rosa Cimiana.

 

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