Condenação de Daniel Alves se soma à de Robinho e coloca em xeque a formação dos atletas

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Foto de arquivo mostra ex-jogador Daniel Alves durante entrevista coletiva em 1 de dezembro de 2022 — Foto: Andre Penner/AP

por Lucas Bombana e Luciano Trindade

A condenação do brasileiro Daniel Alves, 40, a quatro anos e seis meses de prisão pelo estupro de uma jovem em uma boate em Barcelona, cerca de três anos depois de o ex-jogador Robinho também ter sido condenado pelo mesmo crime na Itália, traz para o debate sobre a violência sexual o tema da formação dos atletas desde as categorias de base.

Segundo Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva e sócio-fundador da iO Diversidade, a formação dos atletas muitas vezes prioriza apenas o desenvolvimento técnico e físico, sem considerar a educação moral e ética. “Há uma carência de debates e ações educativas sobre temas como violência contra a mulher, respeito às diferenças e consentimento sexual.”

Coordenador de psicologia esportiva do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Eduardo Cillo diz que, no processo de formação dos jogadores de futebol, os clubes buscam desenvolver atletas confiantes, que possam se impor em campo e superar os adversários, o que acaba atribuindo a eles ares heroicos sob o ponto de vista do torcedor.

“Só que isso traz também um problema, porque a gente acaba, em muitos momentos, mimando o jogador, fazendo com que ele acredite que pode tudo, principalmente dentro de campo. Só que, por vezes, esse sentimento se estende para além das quatro linhas e acaba que alguns realmente ultrapassam limites”, afirma Cillo.

Roberta Negrini, vice-presidente de inclusão e diversidade do Sport, assinala que as condenações devem servir para que os dirigentes de futebol reflitam sobre o papel que exercem durante o período de formação dos atletas desde a adolescência nas categorias de base até a vida adulta no profissional.

“Esses homens agressores, estupradores, violentos, foram crianças que um dia saíram de suas casas muito pequenos, muitas vezes de famílias desestruturadas. E a gente instantaneamente transforma essas pessoas em ídolos. E essas pessoas, por viverem dentro de um país onde a impunidade reina, saem daqui achando que com dinheiro, fama e poder podem fazer qualquer coisa”, afirma Negrini.

Segundo ela, é preciso que os clubes passem a pensar para além da formação técnica e física dos atletas, trazendo para o debate também a formação ética e de caráter dos jovens que chegam em busca do sonho de um dia se transformar em um jogador.

Trabalhar o homem, antes do atleta, resultará em atletas futuros cientes de que também são passíveis de punição, afirma a vice-presidente do Sport. “Os times formadores precisam intervir nas questões éticas e morais dessas crianças, porque nós somos responsáveis por elas, elas estão sob a nossa custódia quando tiramos elas de casa.”

Meirelles diz ainda que as condenações acendem um debate crucial sobre a cultura de violência que permeia o futebol.

“A condenação tira os ídolos do olimpo da idolatria, expondo a hipocrisia e o machismo presentes na sociedade. Elas forçam uma reflexão sobre a masculinidade tóxica que impera no meio esportivo, onde a virilidade e a dominação são valorizadas acima do respeito e da empatia”, afirma o presidente do Instituto Locomotiva.

O status de celebridade e a falta de punição rigorosa para crimes cometidos por jogadores, acrescenta, contribuem para a perpetuação de comportamentos abusivos. “Acredito que tanto clubes quanto patrocinadores devem assumir um papel ativo na promoção de um ambiente seguro e inclusivo, tanto para jogadores quanto para torcedores”, diz Meirelles.

“Ambas as condenações representam um grande avanço na capacidade de resposta e reparação às vítimas de violência sexual, uma resposta à impunidade, uma resposta ao silenciamento que é imposto a essas mulheres, muitas vezes culpabilizadas pela agressão e pela violência que sofreram”, afirma Marina Ganzarolli, presidente da organização Me Too Brasil.

Cillo, do COB, vê as condenações dos dois jogadores, e a reação da torcida corintiana à contratação do técnico Cuca, como sinais de uma mudança na percepção da sociedade em relação ao abuso contra as mulheres, seja ele praticado por um jogador ou por qualquer outra pessoa.

“De alguma maneira, a sociedade está caminhando para diferenciar o que é aceitável dentro de campo do que acontece fora de campo. Isso acaba fazendo com que se exija mais de jogadores e técnicos.”

No caso de Cuca, o treinador teve rápida passagem pelo Parque São Jorge em 2023, mas pediu demissão após uma semana devido aos protestos por sua contratação.

Na época, a permanência dele se tornou insustentável pela pressão de torcedores, sobretudo de mulheres, indignadas com a postura do clube diante do caso de violência sexual registrado contra Cuca em 1987, na Suíça, quando ele ainda era jogador.

No começo deste ano, porém, a Justiça da Suíça anulou a condenação, aceitando o argumento de que ele foi julgado sem representação legal. O brasileiro não foi inocentado, mas o processo acabou extinto.

Especialista em gestão de saúde e performance de atletas, Flávia Magalhães acredita que as pessoas que cuidam de carreiras de jogadores e treinadores devem usar esses casos como exemplos para orientar os seus agenciados.

“Os atletas vão se expor menos, terão mais orientação dos seus próprios empresários, usando esses casos como exemplo.”

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