Comissão reconhece Clarice Herzog, viúva de jornalista morto pela ditadura, como anistiada política

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Clarice, viúva do jornalista Vladimir Herzog, em imagem de 2018 — Foto: Vivian Reis/g1

A Comissão de Anistia aprovou na quarta-feira (3), em votação unânime, o reconhecimento da condição de anistiada política da publicitária Clarice Herzog, viúva do jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto pela ditadura militar em 1975.

A decisão admite que o Estado brasileiro perseguiu, durante o regime militar, Clarice e sua família, em razão do movimento liderado pela publicitária para esclarecer o assassinato do marido.

Também assegura à Clarice o direito a uma reparação econômica, que deverá ser paga pelo Ministério do Planejamento em até 60 dias após a publicação da portaria que reconhece a condição.

A indenização corresponderá ao período entre 25 de outubro de 1975, data da morte de Vladimir Herzog, e 5 de outubro de 1988. E não ultrapassará o teto de R$ 100 mil.

O julgamento do colegiado, ocorrido no Auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, reconheceu que Clarice foi perseguida política por 13 anos.

Clarice cobrou investigação da morte do marido

Viúva aos 34 anos, a publicitária liderou um movimento que colocou em xeque e cobrou investigação da versão do Exército a respeito da morte de Vladimir Herzog.

Vladimir Herzog era diretor de jornalismo da TV Cultura quando foi convocado pelo Exército para prestar depoimento sobre as ligações com o PCB, partido contrário ao regime militar e que nunca defendeu a luta armada.

Em outubro de 1975, o jornalista compareceu ao prédio do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e nunca mais foi visto com vida.

A versão dada pelo Exército à época foi a de que o jornalista teria se enforcado com um cinto, o que logo provou-se ser uma mentira (veja imagem abaixo). Vladimir Herzog foi torturado e assassinado por militares.

Em 2013, a Justiça de São Paulo determinou a entrega de um novo atestado de óbito à família Herzog, substituindo “asfixia mecânica por enforcamento” por “lesões e maus tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do 2º Exército (Doi-Codi)” como causa da morte.

A presidente da Comissão de Anistia, Eneá Almeida, classificou o julgamento como “emblemático”.

“É um julgamento emblemático porque a história da Clarice Herzog é uma história emblemática. Nós estamos simultaneamente fazendo dois registros com este julgamento. O primeiro é uma homenagem às mulheres. As mulheres que deram o pontapé inicial em todo movimento, toda luta, pela anistia política lá em 65, no Brasil. […] Tem um simbolismo duplo, tanto de homenagem quanto de marcar mais uma vez que nossa posição é ditadura nunca mais e democracia sempre”, disse.

Como representante do Estado brasileiro, após proclamar o resultado do julgamento, Eneá pediu desculpas à família de Clarice.

“Em nome do Estado brasileiro, eu peço desculpas por toda perseguição que ela sofreu, extensivo à família inteira, por todas as agruras, todos os sofrimentos que vocês passaram de maneira absolutamente cruel, bárbara. Nenhum Estado tem direito de abusar do seu poder e investir contra os próprios cidadãos. Em nome do Estado brasileiro, peço perdão por todas essas perseguições que ela passou. Nossas homenagens à Clarice Herzog. A história da Clarice Herzog fica, a partir de agora, registrada nos anais da Comissão de Anistia, na memória do povo brasileiro, reforçada com as homenagens e a certeza de que ela é uma heroína do povo brasileiro.”

Clarice é uma ‘heroína’, diz filho

Emocionado, um dos filhos de Clarice e Vladimir, Ivo Herzog, que também preside o Conselho Deliberativo do Instituto Vladimir Herzog, celebrou o reconhecimento da comissão, que, segundo ele, era esperado há anos.

“Todos nós devemos nos sentir muito privilegiados em termos tido Clarice e tantas outras heroínas ao nosso redor, lutando pela democracia do nosso país”, afirmou.

Aos 82 anos, Clarice enfrenta a doença de Alzheimer, que a impediu de participar do julgamento. Segundo Ivo, a reparação financeira ajudará no tratamento da mãe.

“Minha mãe nunca quis nenhuma reparação financeira. Ela não queria que se pagasse pela morte do meu pai. Eu tomei a decisão de entrar com esse processo porque agora ela precisa. Não é fácil. Clarice é uma das heroínas dessa história”, disse Ivo Herzog.

Vladimir Herzog — Foto: Reprodução/Globo News
Vladimir Herzog — Foto: Reprodução/Globo News

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