Emendas de comissão turbinam disputa entre partidos na Câmara; veja os valores em jogo

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Câmara dos Deputados. Foto: Hugo Barreto

Por Kevin Lima, Elisa Clavery

Os trabalhos na Câmara dos Deputados devem ser travados, nos próximos dias, por uma disputa importante entre os partidos: quem vai comandar as comissões permanentes da Casa pelos próximos 12 meses.

Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) pediu na terça-feira (27) que os líderes se esforcem para construir um acordo. Até o momento, no entanto, há disputa sobre as principais comissões em funcionamento.

A Câmara tem 30 comissões temáticas permanentes, que são responsáveis por analisar projetos antes do plenário – cinco delas foram criadas no começo de 2023.

Ao contrário do Senado, cujas presidências das comissões duram dois anos, na Câmara esse rodízio é feito anualmente.

A disputa envolve múltiplos fatores.

Em alguns casos, como o da Comissão de Constituição e Justiça, a presidência é sinal de prestígio – todos os projetos de lei que tramitam na Câmara precisam, em tese, passar pelo colegiado.

O mesmo acontece com a Comissão Mista de Orçamento (CMO) – que reúne deputados e senadores e é responsável por elaborar o orçamento federal do ano seguinte.

Na outras comissões, no entanto, o principal “poder” é financeiro. Isso, porque as comissões têm direito a uma cota de emendas no Orçamento federal de cada ano, e algumas comissões recebem fatias bem maiores que outras.

Segundo levantamento obtido pelo g1, em 2024, o “ranking” de emendas das comissões da Câmara ficou assim:

  1. Comissão de Saúde: R$ 4,538 bilhões
  2. Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional: R$ 1,225 bilhão
  3. Comissão de Esporte: R$ 650 milhões
  4. Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural: R$ 356,11 milhões
  5. Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável: R$ 200,2 milhões
  6. Comissão de Educação: R$ 180,2 milhões
  7. Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher: R$ 154,1 milhões
  8. Comissão de Viação e Transportes: R$ 104,58 milhões

Além dessas oito, há outras várias comissões com direito a emendas – mas em valores bem inferiores, abaixo dos R$ 100 milhões.

Há, ainda, sete comissões sem um único real de emendas no Orçamento de 2024. É o caso, por exemplo, das comissões de Minas e Energia, de Trabalho e de Desenvolvimento Econômico.

Elas chegaram a ser contempladas pelo projeto aprovado no Congresso, mas foram atingidas pelo veto do presidente Lula a R$ 5,6 bilhões em emendas.

Sem o veto, o Congresso teria destinado um valor recorde de R$ 16 bilhões às emendas de comissão em 2024. Com o corte, o montante ficou pouco acima dos R$ 11 bilhões, patamar similar ao de 2023.

O governo Lula diz que pretende restaurar esses valores vetados ao longo do ano, mas ainda não detalhou como isso será feito.

Em busca da presidência

Segundo o regimento da Casa, os partidos com as maiores bancadas eleitas têm a prerrogativa das primeiras pedidas para presidir as comissões. Por isso, o PL – que elegeu 99 deputados – teria a preferência na escolha.

O partido, de oposição ao governo Lula, quer comandar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) – por onde passam quase todos os projetos, incluindo as pautas de interesse do Executivo.

Alguns parlamentares do PL insistem no nome de Caroline de Toni (SC), deputada próxima ao ex-presidente Jair Bolsonaro, para presidir a CCJ.

Mas eles já admitem escolher um nome mais moderado, em nome de um acordo com os demais partidos e com o próprio Lira, que — segundo lideranças — também é contrário a um nome radical à frente da comissão.

A deputada Caroline de Toni (PL-SC) é cotada para comandar a CCJ. — Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
A deputada Caroline de Toni (PL-SC) é cotada para comandar a CCJ. — Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

As comissões Mista de Orçamento (CMO), responsável por aprovar matérias orçamentárias, e da Saúde, de onde saem grande parte das emendas parlamentares, também são cobiçadas por mais de um partido.

O PT, segunda maior bancada da Casa, poderia ficar com a presidência da CMO, mas, segundo parlamentares, pode abrir mão da prerrogativa em nome de legendas como União Brasil ou Progressistas, na tentativa de reforçar a base governista na Câmara.

Reservadamente, deputados do partido dizem que, para o governo, a demora na instalação das comissões pode até ser positiva — já que evitaria, por exemplo, a convocação de ministros nestes colegiados.

Além disso, pautas de interesse do governo podem ser levadas diretamente ao plenário, sem passar pelas comissões, se houver aprovação de pedidos de urgência.

Ideia em discussão

Uma das ideias ventiladas na reunião de líderes desta terça é dar a presidência de comissões com maior fatia do Orçamento a PT e PL e abrir espaço para PP e União comandarem a Comissão Mista de Orçamento e a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Nesse desenho, o PT ou PL poderiam ficar com a comissão de Saúde, que tem R$ 4,5 bilhões em emendas.

O PL, no entanto, diz não abrir mão da CCJ para o União Brasil, que já definiu Arthur Maia (União-BA) como postulante.

Vetos e emendas

Os líderes da Câmara também aguardam o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para encaminhar as votações da próxima sessão do Congresso que vai analisar vetos do governo ao Orçamento.

A expectativa de deputados é que a reunião possa acontecer na próxima semana, inclusive na presença de Lira, embora não haja confirmação por parte da Fazenda.

Um dos pontos de atrito é o veto do presidente Lula a parte das emendas de comissão, que têm aumentado de valor após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter declarado inconstitucional o Orçamento Secreto. No orçamento deste ano, essa modalidade chegou a um valor recorde de R$ 11 bilhões.

Apesar de o governo ter resolvido parte do impasse ao publicar, na semana passada, um decreto definindo um calendário de pagamento às emendas, parlamentares ainda querem achar uma solução para o corte de R$ 5,6 bilhões nas emendas de comissão.

Líderes querem decidir com Haddad uma saída para retomar os valores cortados, o que também pode impactar o funcionamento das comissões, que ficarão responsáveis pelo montante.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, tem dito que o governo vai procurar recompor o dinheiro das emendas sem afetar programas sociais.

Além disso, os parlamentares querem resolver um veto de Lula às indicações feitas às emendas de comissão.

Na sanção da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o presidente da República vetou um artigo que obrigava o Executivo a receber as indicações do Parlamento para a execução das emendas parlamentares.

No caso das emendas de execução obrigatória (individuais e de bancada), a indicação permanece pois é constitucional, mas o veto poderia colocar em cheque a solicitação de prioridade feita pelos parlamentares nas emendas de comissão, que não são obrigatórias.

Janela partidária

Outro ponto que deve tumultuar este início de ano no Congresso é a janela partidária, que permite a parlamentares mudarem de partido para disputar as eleições.

A janela partidária é o período de 30 dias em que ocupantes de cargos que foram eleitos em eleições proporcionais – deputados e vereadores – podem mudar de partido sem perder o mandato. Neste ano, o período será de 7 de março a 5 de abril.

Parte dos deputados tem pretensões eleitorais neste ano e devem ser candidatos a prefeitos. Para se viabilizar, no entanto, alguns deles deverão trocar de legendas.

O movimento acaba mobilizando os partidos, interessados em angariar novos integrantes, o que gera um “balcão de negócios”. Com isso, o plenário perde o foco e os deputados reduzem a produtividade.

A expectativa de parlamentares ouvidos pela reportagem, portanto, é que temas que gerem um maior embate no Congresso — como a medida provisória da reoneração, a regulamentação da reforma tributária e um eventual regramento da inteligência artificial — só avancem a partir de abril.

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