Entenda o mal-estar entre Arthur Lira e o ministro articulador do governo Lula no Congresso

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Arthur Lira. Foto: 06/10/2022 REUTERS/Adriano Machado

A votação para confirmar a prisão do deputado Chiquinho Brazão (Sem partido-RJ) na quarta-feira (10) foi a gota d’água em um mal-estar que vem se acumulando há meses entre o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha – responsável por articular os interesses do governo no Congresso.

Se até então as críticas eram discretas ou se davam nos bastidores, na quinta-feira (11) o presidente da Câmara elevou o tom e chamou Padilha publicamente de “desafeto pessoal” e “incompetente”. (veja abaixo)

A jornalistas, Lira afirmou que Padilha teria vazado a notícia de que a confirmação da prisão de Chiquinho representaria um enfraquecimento da sua liderança na Câmara.

Em outras ocasiões, Lira já havia dito a interlocutores que o ministro das Relações Institucionais era responsável por vazar informações contra a presidência da Câmara.

Sem citar Lira, Padilha publicou em uma rede social um vídeo em que recebe elogios do presidente Lula. E escreveu: “agradecemos e estendemos esse reconhecimento de competência ao conjunto dos ministros e aos líderes, vice-líderes e ao conjunto do Congresso”.

A articulação capitaneada por Padilha para aprovar a prisão de Chiquinho também incomodou o presidente da Câmara. Lira disse a aliados que o tema não era para ter intromissão do governo, e que o caso deveria ser resolvido pelos deputados.

As situações se somam a uma série de incômodos – que vão desde o ritmo na liberação de emendas parlamentares, a alegação de descumprimento de acordos e a suposta intervenção de Padilha no Ministério da Saúde, pasta que já foi comandada por ele no passado.

Resposta de Padilha

Ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em entrevista ao programa Roda Viva. — Foto: TV Cultura/Reprodução
Ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em entrevista ao programa Roda Viva. — Foto: TV Cultura/Reprodução

Na sexta-feira (12), em evento no Rio de Janeiro, o ministro disse que não vai “descer a esse nível” e que seguirá “sem rancor”.

“Sobre rancor, a periferia da minha cidade, São Paulo, produziu uma grande figura, o Emicida. Que diz: ‘Mano, o rancor é igual tumor, envenena a raiz. A plateia só deseja ser feliz'”.

“Sobre competência, deixo as palavras do presidente Lula que, no dia de ontem, falou sobre isso. Sobre o resto das palavras, eu não vou descer a esse nível. Eu sou filho de uma mãe alagoana, arretada, que sempre disse: ‘Meu filho, quando um não quer, dois não brigam'”, afirmou.

Com relação à votação da prisão de Chiquinho Brazão, Padilha se defendeu.

“O único ato que fizemos durante a votação desse tema foi afirmar que o governo defendia a prisão desse parlamentar que, a partir de um processo de investigação de seis anos, com uma atuação forte do ministro Flávio Dino e do ministro Lewandoski no governo do presidente Lula, chegou à prisão de uma série de envolvidos com o assassinato da Marielle e do Anderson. Lembrando, inclusive, que o governo tem uma ministra que é irmã da Marielle”, disse.

Pedido para trocar ministro

No início do ano, Lira chegou a elevar o tom e a avisar a interlocutores de Lula que, sem a troca de Padilha, os projetos do governo na Câmara não avançariam.

Como o recado foi direcionado a Padilha, e não ao governo em si, outros integrantes do primeiro escalão de Lula passaram a exercer a tarefa de interlocução com o presidente da Câmara. Entre eles, o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), além do líder do governo na Casa, deputado José Guimarães (PT-CE).

Rompidos, Lira e Padilha não se falaram na abertura do ano legislativo, em fevereiro. Mas Lula já havia dito a aliados que não pretendia substituir o ministro das Relações Institucionais, apesar da pressão de Lira, que tem bastante poder sobre o centrão.

Na quarta-feira (10), inclusive, Lula fez um desagravo a Padilha, elogiando o trabalho do ministro – que compartilhou um vídeo da fala em sua rede social pouco após as críticas públicas de Lira.

Em mais de uma ocasião, Padilha minimizou os atritos com o presidente da Câmara. Em fevereiro, dias após a abertura dos trabalhos no Congresso, o ministro disse que “quem apostar em briga entre o Governo e o Congresso Nacional vai errar de novo”.

Emendas parlamentares

Desde o primeiro ano de governo Lula, parlamentares reclamam da velocidade no pagamento das emendas parlamentares – recursos indicados por deputados e senadores para obras e projetos em suas bases eleitorais. Até mesmo deputados governistas já disseram ser cobrados em suas bases eleitorais com a demora na liberação.

Até o ano passado, parte das indicações às emendas feitas pelos deputados devia passar pela Secretaria das Relações Institucionais, que é comandada por Padilha. A pasta, então, encaminhava os pedidos aos ministérios.

Em reação à demora, os parlamentares aprovaram um dispositivo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para que os pedidos fossem enviados diretamente aos ministérios. No entanto, Padilha ainda exerce influência para ditar o ritmo da liberação dos recursos.

Ministério da Saúde

Os recursos direcionados pelo Ministério da Saúde, chefiado por Nísia Trindade, também viraram alvo na disputa entre Padilha e Lira.

No fim do ano passado, o ministério recebeu um valor “extra” no orçamento e, em poucos dias, distribuiu esse dinheiro numa proporção que privilegiou cidades comandadas por aliados do PT. A pasta da Saúde diz que seguiu critérios técnicos, mas a cúpula da Câmara insiste que a decisão foi política. Os recursos foram para financiar ações em hospitais e ambulatórios em 2023.

O incômodo motivou a apresentação de um requerimento da Câmara, assinado por Lira e líderes partidários, questionando os critérios adotados por Nísia e a diferença no tratamento de emendas parlamentares e de recursos do Ministério.

Apesar de a pasta ser comandada por Nísia, o presidente da Câmara também sinalizou a pessoas próximas que Padilha mantém influência no ministério – que já foi chefiado por ele no passado – e é um dos responsáveis pelo direcionamento dos recursos. A equipe de Padilha nega envolvimento na divisão.

Lula se emociona ao defender a ministra da Saúde, Nísia Trindade, durante discurso no Planalto — Foto: Reprodução/CanalGov
Lula se emociona ao defender a ministra da Saúde, Nísia Trindade, durante discurso no Planalto — Foto: Reprodução/CanalGov

Vetos após acordos

Outro recorrente incômodo exposto pelo presidente da Câmara se refere a vetos de Lula a projetos que foram discutidos com líderes da Casa. Trechos de propostas negociadas exaustivamente entre governo e parlamentares foram derrubados pelo presidente da República e surpreenderam os parlamentares.

São exemplos desse desacordo os textos do Novo Arcabouço Fiscal, Marco Legal das Garantias e do projeto que alterou as regras do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Essas propostas foram aprovadas pela Câmara no ano passado.

A aliados, o presidente da Câmara atribui a falha na articulação e o descumprimento desses acordos a Padilha, principal interlocutor do governo no Congresso.

Ao criticar o movimento do Planalto a respeito desses projetos, Lira disse ainda que Lula não ouve os presidentes da Câmara e do Senado para tomar uma decisão.

Outro veto trata de R$ 5,6 bilhões em emendas em 2024, ano eleitoral. Parlamentares querem a recomposição do valor vetado, mas Padilha é um dos integrantes do governo que afirma que o acordo fechado com o Congresso era apenas o que foi sancionado – cerca de R$ 11 bilhões. A derrubada ou não do veto ainda será analisada pelo Congresso.

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