EUA estão se tornando mais parecidos com Brasil, diz Nobel de economia
“Maravilhoso. Estranho. Exaustivo. É uma semana complexa.”
É assim que se sente um vencedor de um Nobel quatro dias após o anúncio, segundo Simon Johnson.
O jornal Folha conversou na sexta-feira (18) com o economista, laureado com o prêmio junto a Daron Acemoglu, seu colega no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e James A. Robinson, da Universidade de Chicago.
Em seu trabalho, o trio investigou o que levou europeus a instalarem diferentes tipos de instituição em suas colônias e como isso contribui para explicar o desenvolvimento dessas sociedades, sua dinâmica econômica e política.
Apesar de Brasil e Estados Unidos terem passado por processos de colonização muito diferentes, resultando em arranjos institucionais mais inclusivos no segundo caso, ambos os países se veem hoje diante de desafios semelhantes. Questionado sobre isso, Johnson responde: “para ser honesto, acho que os EUA se tornaram mais parecidos com o Brasil”.
O sr. poderia começar explicando como Brasil e EUA ilustram sua pesquisa?
Claro. Embora eu deva dizer que não sou um especialista no Brasil e você deve ter muito cuidado com vencedores do Nobel que alegam ser especialistas em tudo [risos].
O ponto geral é que o que os europeus fizeram em diferentes partes do mundo foi determinado, em parte, pelas condições que encontraram para a transmissão de doenças tropicais, particularmente variantes da malária e da febre amarela. Digamos, se você enviasse mil europeus para a África Ocidental em 1800, cerca de 500 deles morreriam no primeiro ano. Se você enviasse mil para os EUA, alguns morreriam, mas menos do que se ficassem na Europa. Se você os enviasse ao Brasil, era um número intermediário. Talvez eu devesse escrever um artigo sobre o Brasil, porque há uma variação [do Norte ao Sul].
Quando havia mais europeus chegando, você tinha que oferecer a eles mais direitos econômicos e políticos. Caso contrário, eles iam para outro lugar. Eles podiam ir para a América do Norte, Austrália, Nova Zelândia. Você estava competindo por essas pessoas. Mas quando as taxas de mortalidade eram tão altas quanto na África Ocidental, você enviava algumas poucas pessoas e elas administravam instituições extrativistas, tráfico de escravos, extraíam ouro e assim por diante. Em casos intermediários, como o Brasil ou grande parte do Caribe, alguns europeus vinham, alguns morriam, alguns ficavam apenas sete anos.
Assim, por um lado, temos instituições extrativistas muito fortes e terríveis. Por outro, temos instituições relativamente boas, inclusivas –para os colonos europeus, não para os povos indígenas.
Como isso afeta o desenvolvimento dos países no longo prazo?
Há muita continuidade e influência duradoura dessas instituições coloniais. Como se o DNA do lugar, por assim dizer, tivesse sido alterado pelos europeus. Isso não significa que as instituições sejam uma predestinação, que você não possa escapar delas. Você pode, mas é o contexto. E quando você tem uma herança mais extrativista, é mais difícil realmente estabelecer o desenvolvimento econômico porque você continua recaindo nesse padrão onde poucas pessoas têm todo o poder. Eles ficam ricos, compram propriedades em Miami e assim por diante.
Um conceito interessante da pesquisa de vocês é o do problema de compromisso, em que elites adotam instituições mais inclusivas por temor das massas. Mas quando olhamos para a história do Brasil, por exemplo, muitas das mudanças institucionais foram resultado de disputas internas à elite. Quando aparece esse temor das massas, como nos anos 1960, a elite passa o poder aos militares. Ela não abre as instituições, ela as fecha mais.
Sempre há potencial para conflitos dentro da elite. Uma implicação das nossas evidências é que não importa qual parte da elite vença, eles vão administrar o sistema da mesma maneira. Algumas pessoas chamam isso de lei de ferro da oligarquia. Você tem uma oligarquia, alguém a derruba, e eles se tornam uma oligarquia. Pense na Rússia antes de 1917, o czar, Lênin, Stálin… Há uma continuidade ali.
Acho que você está certa em dizer que o conflito interno é um problema, mas a questão do compromisso também é importante. Um problema que se tornou mais relevante, ou do qual estamos mais cientes agora, é o populismo. Em alguns casos na América Latina, os militares foram trazidos para conter as massas ou para liderar um regime mais populista. Existem muitas maneiras de impulsionar uma economia e obter bons resultados por alguns anos, incluindo uma grande dose de populismo. Essa é a história da Argentina ao longo dos últimos cem anos. Mas com o populismo, você começa a minar as instituições democráticas, a culpar a oposição, a reprimir as pessoas e assim por diante.
Mas o que dá origem ao populismo?
A forma clássica de populismo é, na verdade, Donald Trump. Ele está canalizando o descontentamento e a raiva, que são legítimos, mas está culpando os outros: a China, os imigrantes e assim por diante. Ele está aproveitando essa força, dizendo que não perdeu em 2020, que o 6 de Janeiro foi um dia de paz. Isso é exatamente como as democracias se deterioram. Vamos ver o quão forte são os EUA. A ameaça populista se tornou clara na última década. Essa é uma das maiores ameaças ao redor do mundo.
Apesar de Brasil e EUA terem históricos institucionais muito diferentes, vimos recentemente as democracias nos dois países enfrentando desafios semelhantes, com Trump e Jair Bolsonaro. Como explicar isso?
Para ser honesto, acho que os EUA se tornaram mais parecidos com o Brasil. Isso porque nossos resultados econômicos para a classe média têm sido muito decepcionantes ao longo dos últimos 40 anos, por causa da automação, da globalização e do declínio do comércio. Depois, tivemos a grande crise financeira em 2008. Há um sentimento de frustração em muitas partes do país, de que foram deixadas para trás pelas elites.
A maneira de resistir é criando mais bons empregos para mais pessoas. Há um problema profundo de emprego, oportunidade e renda em muitas partes dos EUA, somado a outros fatores.
O que você espera que aconteça com as instituições dos EUA, se Trump for eleito?
Quando escrevemos nosso primeiro artigo, em 1999, interpretamos que, naquele momento, os EUA tinham desenvolvido e construído instituições muito fortes e que não podiam ser derrotadas por acontecimentos. Elas ainda são fortes, mas os EUA estão enfrentando o maior teste de resistência de nossas vidas. O movimento pelos direitos civis nos anos 1950 e 1960 foi um grande teste, particularmente para o sul, mas acho que o desafio nacional agora vindo dos apoiadores de Trump é muito profundo.
Quando publicamos o artigo, ninguém disse que era um artigo partidário. As pessoas de direita gostaram do fato de enfatizarmos os direitos de propriedade e as pessoas de esquerda gostaram do fato de enfatizarmos a voz e a representação política. Mas algumas pessoas nesta semana disseram ‘oh, meu Deus, eles deram o prêmio a esses caras como uma forma de se posicionar politicamente nos EUA’.
O fato de que metade da elite, da liderança política, convenceu as pessoas [de uma mentira sobre fraude em 2020] é uma grande mudança. Isso não era como os EUA funcionavam há 20 anos. E esse é o efeito Donald Trump. Quão duradouro será isso, ainda está para ser visto. Sabe, quando Trump deixar a cena, em que circunstâncias, não temos ideia.
Muitos dizem que os democratas e Kamala também estão se tornando mais populistas. Qual a sua visão?
Eu diria que não. Claro, quando seu oponente diz que vai dar US$ 200 para todo mundo, você sente uma certa pressão para dizer ‘eu também vou dar’.
A responsabilidade fiscal é um pilar muito importante em muitos países, e os EUA perderam isso por causa do papel do dólar e da posição dos EUA na economia mundial e assim por diante, o que não vai durar para sempre. Portanto, há razões para se preocupar.
O que Trump está propondo em termos de tarifas não faz nenhum sentido. Há um artigo mostrando que o impacto sobre as pessoas mais pobres seria grande. Milhares de dólares. Essas são as pessoas que apoiam Trump, mas esse é o tipo de desconexão que você encontra na mentalidade populista.
Acho que há um consenso de que há muita imigração ilegal. Eles precisam mudar o sistema, não podemos absorver tantos. Acho que todos concordam com isso. Mas Trump realmente diz que quer prendê-las e deportá-las. Isso seria um grande choque econômico para o sistema. A maioria dessas pessoas está trabalhando.
Você também estaria criando uma espécie de estado policial como nunca vimos nos EUA, ter que mostrar identidade na rua. Você pode dizer ‘isso não é real, é retórica’, mas é algo muito populista, muito grande. Não é ‘vou te dar um pequeno corte de impostos para isso ou para aquilo’.
Não há dúvida de que Trump está fazendo o máximo para se eleger, deslegitimando princípios de longa data da democracia americana, como a forma como realizamos eleições. Acho que muitos danos já foram causados. Se esses danos vão durar muito tempo, se vamos repará-los e assim por diante, ainda está por ser visto. A política americana é muito fluida, flexível, efervescente, mas Trump danificou as instituições de uma maneira muito semelhante ao que vimos populistas fazerem em muitos outros países, incluindo partes da América Latina, em vários episódios.
RAIO-X – Simon Johnson, 61
Nascido no Reino Unido, é professor de empreendedorismo na MIT Sloan School of Management. Foi economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional) em 2007 e 2008. Seu livro mais recente, “Power and Progress”, escrito com Daron Acemoglu, explora a história e a economia das transformações tecnológicas. Anteriormente, foi pesquisador sênior no Instituto Peterson de Economia Internacional e participou de diversos conselhos e comitês ligados à economia e política financeira dos EUA.