Evitar outro 8/1 envolve despolitizar militares e quarentena para disputar eleições, diz Gilmar Mendes

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Gilmar Mendes. Foto: Rafaela Felicciano

por Thais Arbex, Jussara Soares, Renata Agostini e Lucas Mendes

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse à CNN que é preciso despartidarizar e despolitizar a atuação dos agentes de segurança e impor um período de quarentena para disputa das eleições a fim de evitar a repetição de atos como os do 8 de janeiro.

As medidas, segundo o magistrado, passam por repensar o papel das polícias e das Forças Armadas, e devem ser acompanhadas de uma “consciência de defesa da democracia”.

Temos que nos perguntar o que fazer para evitar que isso se repita. E acho que estamos falhando um pouco. Não basta só essa normalidade que estamos vivendo, de respeito recíproco aos Poderes — Gilmar Mendes

Gilmar também criticou a ocupação por militares em cargos civis, principalmente durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e a “condescendência” de fardados com acampamentos de manifestantes na frente dos quartéis.

Para o ministro, episódios anteriores como o ataque à sede da Polícia Federal (PF) e a tentativa de explodir uma bomba perto do aeroporto de Brasília, ambos em dezembro, foram uma espécie de “gestação de um processo de terrorismo” que antecedeu o 8 de janeiro.

“Era possível antever que havia algo de anormal nesse contexto”, afirmou o magistrado. “Muito provavelmente isso estava sendo gestado nos quartéis e nesses grupos que lá estavam

Conforme o magistrado, que é o integrante que está a mais tempo no STF, a transição pacífica de governo entre 31 de dezembro de 2022 e 1º de janeiro de 2023 e a posse com o simbolismo que teve “desarmou os espíritos e permitiu que se articulasse” o 8 de janeiro.

Despolitizar

Segundo o ministro, houve em muitas vezes “leniência” da política com policiais que organizaram greves, que são ilegais, o que resultou na anistia desses agentes. “Aí que surgem esses capitães tais, coronéis tais e cabos tais que vêm para a política”, declarou.

Essa gente deveria ser inelegível. Quem quer ir para a política deveria ter uma distância no tempo, uma quarentena, para depois fazer política, seja militar, policial militar, policial civil, e não se aproveitar de um hipotético proscênio momentâneo de ‘prendeu alguém’ para se tornar político e depois voltar para as Forças — Gilmar Mendes

“[São] medidas simples para despartidarizar e despolitizar essa gente, que tem uma força singular anda armada, tem autorização para usar armas. Portanto isso precisa ser olhado com muito cuidado”.

Conforme Gilmar, houve uma percepção de militares de que a eleição de Bolsonaro teria possibilitado maior atuação política.

“Houve uma leitura dos militares de que eles ganharam a eleição com Bolsonaro, e eles voltaram ao poder portanto com Bolsonaro e podiam ter uma licença maior de ação, inclusive de ação política”, disse.

O ministro isentou a chefia das Forças Armadas de adesão ao 8 de janeiro, mas disse haver integrantes de níveis hierárquicos altos que participaram ou foram tolerantes.

Um dos pontos criticados foi a permissão para que manifestantes acampassem em frente a quartéis do Exército, depois da eleição presidencial de 2022.

Os acampamentos tinham pessoas defendendo pautas antidemocráticas e golpistas, e questionavam o resultado do pleito.

“É notório que por suas chefias, as Forças Armadas não participaram desse convescote ou dessa tentativa de golpe, de conspirata, seja lá como vamos chamar isso no futuro”, declarou. “Mas há pessoas bastante bem situadas na estrutura hierárquica que participaram ou foram condescendentes com isso. É um dado que é preciso que seja sempre repetido, a própria condescendência que as chefias tiveram com esses a assentamentos em frente aos quartéis”.

Gilmar também criticou o que chamou de “doutrina Villas Bôas”, em referência ao general Eduardo Villas Bôas, que comandou o Exército de 2015 a 2019. Tal doutrina, segundo o ministro, diz respeito à interpretação de cunho golpista do artigo 142 da Constituição de que as Forças Armadas seriam um “poder moderador”.

Bolsonaro

Gilmar Mendes disse que teve “frequentes diálogos” com Bolsonaro e tentava ser “construtivo” e tirar da cabeça do ex-presidente teorias conspiratórias.

“Sempre dizia que não havia nenhum intuito de conspiração por parte do tribunal. A toda hora Bolsonaro falava que tinha seu próprio SNI [Serviço Nacional de Informações] e sempre tentei demovê-lo dessa ideia, mostrando que o tribunal atuava de maneira institucional”, afirmou. “Esse chamado pensamento conspiratório era muito presente no seu entorno e acabava por, de alguma forma, contaminá-lo”.

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