Governo Lula replica ‘gabinete do ódio’ bolsonarista para tentar ‘pautar as redes sociais’; entenda

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Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Por Vinícius Valfré e Tácio Lorran

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem contado com a atuação de influenciadores e ataques coordenados contra adversários políticos. Nesta semana, o jornal Estadão revelou que a Secretaria de Comunicação (Secom) se reúne com o PT e influenciadores para “pautar as redes sociais” e que o Instituto Lula montou um exército de 100 mil militantes no WhatsApp para divulgar as ações do governo.

Além disso, a reportagem detalhou a atuação do influenciador Thiago dos Reis, que emplacou 1 bilhão de views no YouTube repetindo a tática do ‘gabinete do ódio’, com desinformação e ataques à imprensa.

O gabinete da ousadia

● Integrantes da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República fazem uma reunião diária com equipes do PT e, eventualmente, influenciadores governistas para definir assuntos e abordagens que os canais e perfis petistas devem usar para tentar “pautar as redes que o partido alcança”. Os encontros ocorrem às 8h e é feito de forma virtual.

Uma rede de perfis alinhados ao governo tem se destacado na promoção do presidente, usando ataques coordenados contra críticos e descredibilizando a imprensa. A aproximação entre o governo e o partido com os influenciadores sugere uma orientação digital proveniente do Palácio do Planalto.

A estratégia também conta com o time de redes sociais do PT que na campanha eleitoral de 2022 atuava sob o nome de “gabinete da ousadia”. O serviço é prestado pela Polo Digital Marketing, cuja sócia é Clarisse Chalréo. A empresa ganha R$ 117,7 mil mensais do PT via Fundo Partidário.

A existência da reunião foi detalhada pelo deputado Jilmar Tatto (PT-SP), secretário nacional de comunicação do partido, durante evento interno em dezembro. Ele explicou que o objetivo das reuniões “é fazer disputa política com nossos adversários”, com “metodologia”, “ciência”, “expertise” e que “não é de graça”.

A estratégia também conta com o time de redes sociais do PT que na campanha eleitoral de 2022 atuava sob o nome de “gabinete da ousadia”. O serviço é prestado pela Polo Digital Marketing, cuja sócia é Clarisse Chalréo. A empresa ganha R$ 117,7 mil mensais do PT via Fundo Partidário.
“Nós produzimos conteúdo, passamos para o Brasil inteiro, vai para o site. Todos os dias, todos os dias” — Jilmar Tatto, deputado e secretário de comunicação do PT

Em conversa com o jornal Estadão, Jilmar Tatto disse que há casos em que a estratégia definida passa por menções à família Bolsonaro e por reações a reportagens jornalísticas. “A gente faz o monitoramento de rede. Se a gente sentir que é necessário responder, a gente responde”, afirmou.

O influenciador de 1 bilhão de views

● Um dos principais influenciadores da esquerda é Thiago dos Reis. Filiado ao PT, o influenciador alcançou a marca de 1 bilhão de visualizações só no YouTube repetindo o modus operandi do gabinete do ódio, com desinformação e ataques a adversários políticos e jornalistas.

O método rende audiência e dinheiro para Thiago. Ele declarou à Receita Federal em 2019, quando ainda não tinha despontado como influenciador, que ganhava R$ 2,3 mil por mês e que não tinha nenhum patrimônio em seu nome. Já nas eleições de 2022, declarou possuir R$ 1,2 milhão em bens, valor referente a um apartamento no exterior.
Os vídeos do canal do influenciador costumam distorcer fatos, inventar situações depreciativas sobre adversários, usar montagens, títulos falsos ou descontextualizados.

Veja algumas desinformações divulgadas por Thiago dos Reis:

● Afirmou que a facada contra Bolsonaro em 2018 foi ‘fake’;
● Disse que Michelle Bolsonaro comprou um sapato de R$ 20 mil com dinheiro público em Dubai;
● “Anunciada a morte de Bolsonaro! Situação piorou muito e não tem mais volta”;
● “Revelada ligação de Bolsonaro com Comando Vermelho”;
● Disse que Lula já enviou para o Rio Grande do Sul mais dinheiro do que o Bolsonaro usou na pandemia em todo o País.

Apesar do modus operandi se assemelhar ao “gabinete do ódio” do governo Bolsonaro, lideranças e outros influenciadores da esquerda defendem a atuação de Thiago por uma suposta habilidade de fazer “comunicação popular”. Em 2022, o site oficial do Partido dos Trabalhadores chegou a dizer que o trabalho do influenciador tem “grande repercussão na luta democrática”.

Por outro lado, há críticas de dentro da própria esquerda justamente em razão do uso abusivo de desinformação e ataques a opositores. O jornalista do site governista DCM Pedro Zambarda afirmou ser um “desserviço” que as pessoas sigam Thiago nas redes sociais.

Thiago é alvo de pelo menos 15 processos na Justiça por calúnia e difamação. As ações foram ajuizadas por deputados, senadores e empresários bolsonaristas, como também pelo ex-diretor-geral da Polícia Federal Marcio Nunes de Oliveira, que pedem em sua maioria uma indenização por danos morais. O influenciador, no entanto, consegue escapar de eventuais condenações uma vez que não é localizado pelos oficiais de Justiça.

Thiago diz que mora no México por supostamente ter sido perseguido pelo governo Bolsonaro. Ele não retornou ao País mesmo com a vitória do presidente Lula (PT). A Justiça brasileira expediu um mandado de prisão contra o influenciador em julho de 2022, no âmbito de uma ação de alimentos impetrada pelo pai. O genitor alega que foi abandonado pelos filhos depois de ser declarado interditado por problemas psiquiátricos e de alcoolismo.

Procurado, Thiago dos Reis negou receber informações de dentro do Palácio do Planalto e alegou que seu canal defende a democracia, ao contrário do “gabinete do ódio”. Também afirmou que jamais recebeu dinheiro do governo.

O exército do Instituto Lula

● O Instituto Lula articulou um exército de 100 mil militantes para propagar mensagens a favor do presidente Lula e contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Os grupos foram formados durante a campanha eleitoral de 2022, mas atualmente são usados para liberar informações pró-governo, dar vazão a conteúdos de influenciadores governistas e desinformação.

O idealizador do exército foi o então presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, sob orientação de estrategistas da equipe do americano Bernie Sanders. Hoje, a equipe do ministro Paulo Pimenta, da Secom, e assessores da pasta usam os grupos para distribuir informações.

Os grupos são abertos e se diferenciam por números, como “Zap do Lula 2530″ e “Zap do Lula 3500″. A estratégia usa como referência o êxito da comunicação bolsonarista e da extrema-direita mundial. Para tanto, a opção foi pela “organização em camadas”:

● 1 fala para 10;
● 10 falam para 100;
● 100 falam para 1.000;
● E assim por diante…

Há recomendações de sites, canais e influenciadores pró-governo. Thiago dos Reis, por exemplo, aparece numa lista de “canais sérios de esquerda” recomendada por uma das coordenadoras. Nos grupos, o método do influenciador é defendido. “Nós da esquerda temos que parar de seguir tantas regras para enfrentar os fascistas”, disse uma militante.

Os grupos também servem para a convocação de mutirões de denúncias contra postagens de perfis políticos à direita, combinação de horários de publicações de mensagens em outras redes sociais e para críticas à imprensa.

A Repercussão

● Após a publicação da reportagem do Estadão que evidenciou a atuação do “gabinete da ousadia”, a Secom divulgou uma nota. O órgão confirmou a realização das reuniões com as áreas de comunicação das lideranças do PT na Câmara e no Senado, mas negou que se discuta “ataques a críticos e desqualificação da imprensa”.

O órgão também negou que haja a participação de influenciadores nessas reuniões, contrariando afirmação do próprio secretário de comunicação do PT, Jilmar Tatto.

Durante audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, Paulo Pimenta negou ter conhecimento da existência do “gabinete da ousadia”. “Nunca ouvi falar de gabinete da ousadia. Desconheço completamente. Para mim foi algo, eu não vou responder a uma coisa que foi totalmente tirada de contexto, não existe”, disse.

O líder da oposição no Senado Federal, Rogério Marinho (PL-RN), enviou representação ao Tribunal de Contas da União (TCU) para investigar o gabinete da ousadia.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), por sua vez, enviou um ofício ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes solicitando a inclusão de Thiago dos Reis no inquérito 4874, conhecido popularmente como “inquérito das milícias digitais”.
“A matéria jornalística citada indica que o cidadão ora denunciado age nos mesmos moldes daquele aparato que, no passado recente, a própria imprensa denominou ‘gabinete do ódio’, instalado no Palácio do Planalto” — Marco Vinicius Pereira de Carvalho, advogado de Damares Alves, em representação ao STF.

Os deputados da oposição também querem convocar o ministro interino da Secretaria de Comunicação, Laércio Portela, para dar explicações sobre o “gabinete da ousadia”. Defendem a convocação congressistas como Kim Kataguiri (União-SP) e Ricardo Salles (PL-SP). A ideia é convocá-lo para que o ministro preste esclarecimentos na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle.

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